Eduardo Jorge: A lei do aborto é machista

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O candidato à presidência da República pelo Partido Verde defende a extinção do Senado, a regulamentação da maconha e de outras drogas e afirma que a ascensão do fundamentalismo religioso é “muito perigosa” Por Marcelo Hailer, da Fórum Semanal Candidato à presidência da República pelo Partido Verde (PV), Eduardo Jorge iniciou sua trajetória política no movimento de saúde na zona leste de São Paulo, na década 1970. Formado em medicina e especializado em saúde pública, foi trabalhar em uma região que até hoje carece de médicos dispostos a atuar em bairros fora do eixo central da capital paulista. Junto de outros nomes como Carlos Neder e Roberto Gouveia, e com as donas de casa que resolveram se organizar para exigir mais saúde na periferia, Eduardo Jorge fez parte de um dos mais importantes momentos da história recente da política do Brasil. Com o movimento de saúde, ajudou a criar o primeiro Conselho Participativo de Saúde, e também a escrever o projeto que resultaria na fundação do Sistema Único de Saúde. Na década de 1980, foi secretário de Saúde no governo municipal de Luiza Erundina (1989-1991). A gestão marcou história, pois instituiu oficialmente o primeiro Conselho Municipal de Saúde, modelo que seria expandido para todo o Brasil e influenciaria outros movimentos. Jorge voltaria a assumir a Secretaria Municipal de Saúde na prefeitura de Marta Suplicy (2000-2004). [caption id="attachment_3764" align="aligncenter" width="300"]Luiza Erundina E Eduardo Jorge. (Foto: Partido Verde) Luiza Erundina E Eduardo Jorge (Foto: Partido Verde)[/caption] Além do trabalho no executivo, foi deputado estadual e federal pelo Partido dos Trabalhadores nas legislaturas de 1990 a 2003. Em 2003, se desfiliou do PT e foi para o PV, onde hoje é candidato à presidência da República. Em uma conversa que durou mais de uma hora, Jorge falou sobre o programa do PV para o Brasil, no qual defende a extinção do Senado, que para ele virou “uma casa de aposentadoria”. Apoia também a descentralização do poder presidencial e afirma que a política deve ser centrada nos munícipios - para tanto, segundo o candidato, é necessário que os recursos da união sejam divididos igualitariamente entre Federação, estados e municípios. A regulamentação da maconha também foi assunto. Mas, para Eduardo Jorge, outras drogas também devem ter seu acesso regulamentado pelo Estado, assim como acontece com o tabaco e o álcool. Por fim, falou-se de Estado Laico. O candidato do Partido Verde disse que, por conta de votos, os candidatos à presidência da república escondem o que realmente pensam sobre o aborto e questões LGBT, e que o grupos religiosos fundamentalistas promovem "uma perseguição contra pessoas que possuem uma outra orientação sexual”. Confira a entrevista na íntegra: Fórum - Durante os anos 70 e 80, você teve uma atuação forte no movimento de saúde na zona leste de São Paulo ao lado de outros nomes com Carlos Neder e Roberto Gouveia. Foi um momento de grande participação popular, que culminou no surgimento dos Conselhos Participativos. Hoje o Brasil vive um outro grande momento de participação popular de ocupação das ruas. O que mudou de lá pra cá?  Eduardo Jorge – Quando nós começamos esse movimento popular - o primeiro do Brasil que elegeu os Conselhos Participativos -, nós estávamos ainda na época da ditadura militar. Eu tinha me formado em 1976, fiz o curso em saúde pública e depois fiz o concurso e fui trabalhar na região de São Mateus, Itaquera, no extremo da zona leste de São Paulo, como responsável pela saúde pública daquela região. Na ocasião, em contato com as Comunidades Eclesiais de Base e com os movimentos sindicais da região, começamos essa experiência de ter conselhos eleitos pela população para controlar o serviço público, no caso, da saúde. Os primeiros conselhos nós elegemos entre 1978 e 1980, e rapidamente o movimento se espalhou por toda a zona leste. E naquela época nós estávamos ainda muito envolvidos com a luta pela redemocratização do país. Esse movimento foi uma expressão bastante original, porque não existia no Brasil. Depois, com o processo da Constituinte de 1988, nós voltamos com a democracia representativa no país e os conselhos da zona leste de São Paulo tiveram um papel importante na discussão do formato do Sistema Único de Saúde, que foi incorporado na Constituição enquanto uma reforma social muito ampla, talvez a reforma social mais ampla em andamento no Brasil. Os conselhos de São Paulo tiveram um papel importante por que eram a prova viva de que você podia ter essa democracia participativa atuando como elemento crítico e mobilizador para melhorar as políticas públicas. Esse movimento teve uma forte influência na elaboração do SUS, que foi levado à Constituinte. Mais uma vez, na cidade de São Paulo, durante a gestão da Luiza Erundina (1989-1992), quando fui secretário de saúde, foi a primeira cidade que criou o Conselho Municipal de Saúde oficialmente. Portanto, esse momento foi o início de uma tradição de democracia participativa e que depois foi se espalhando para outras políticas públicas. Hoje nós temos conselhos em todas as cidades do Brasil. Isso consolidou no Brasil a prática de haver um acompanhamento por parte da população das políticas públicas. Fórum – E como esse momento histórico pode ter influenciado o momento atual? Jorge – As reivindicações específicas que esses movimentos expressam por mais saúde, mais educação, por mais mobilidade é que existe um mal estar com a qualidade de democracia representativa do Brasil... Fórum – Tanto é que o debate da democracia direta voltou à tona.  Jorge – Exatamente. Por que há uma insatisfação com a qualidade dos representantes eleitos, dos parlamentos e dos executivos. Há uma insatisfação com a qualidade dos partidos políticos, que hoje muitos deles se transforam em partidos apenas para vender minutos na televisão, partidos sem nenhuma caracterização ideológica. A minha avaliação e a do pessoal do PV é esta: o Brasil avançou, as políticas públicas avançaram, o povo quer mais e tem razão de querer, porque nós saímos de um patamar muito baixo... Mas no caso da democracia, e é o que nós do PV registramos, é que precisamos de mais democracia participativa, precisamos de elementos da democracia direta mais habituais que já acontecem de forma costumeira em vários locais dos Estados Unidos, só que nós ainda não estamos acostumados. Portanto, nós somos a favor de mais democracia participativa, somos a favor de mais democracia direta, de mais democracia na rua com o povo falando, mas acreditamos que estas formas de democracia não substituem a democracia representativa. Por isso, se a nossa democracia representativa não está correspondendo, nós não vamos diminuí-la, começar a cair em hipóteses autoritárias, nós temos que aperfeiçoá-la. Para isso, temos que reforma-la profundamente. [caption id="attachment_3765" align="aligncenter" width="300"]Nas manifestações de junho, democracia direta e saúde estavam entre as reivindicações. (Foto: Ninja) Nas manifestações de junho, democracia direta e saúde estavam entre as reivindicações (Foto: Mínia NINJA)[/caption] Fórum – Na proposta de vocês sobre a reforma política, há dois temas que chamam atenção: a extinção do Senado e a adoção do parlamentarismo. Jorge – O que nós queremos é que a democracia representativa avance, que não haja retrocesso em direção às ideias autoritárias de esquerda e direita. Queremos que a democracia participativa e direta também avancem, que complementem a democracia representativa - aliás, elas podem ser um mecanismo de crítica a essa democracia representativa. E o que nós propomos para responder a esse grito de mais democracia? São três grandes propostas: o parlamentarismo, para substituir o presidencialismo imperial - a desmoralização da política nós colocamos na conta do presidencialismo imperial, pois o poder fica concentrado em Brasília, no Palácio do Planalto e isso é o principal fator de esvaziamento da democracia representativa do Brasil. O presidente da república concentra 70% dos recursos nacionais, enquanto os estados ficam com cerca de 20 e 30% e os municípios, com 11%, completamente falidos. Então esse é o primeiro ponto da nossa reforma política. O segundo ponto é o voto distrital misto para eleger parlamentares. Nós acreditamos que esse sistema atual, com eleições cada vez mais caras, transformou os parlamentares em lobistas, prisioneiros das corporações que são utilizadas para eleger parlamentares em eleições caríssimas. Então, antes de pensar no povo de Juiz de Fora, o deputado de Minas está pensando em quem o elegeu. E quem o elegeu? Foi quem financiou a sua campanha. O voto distrital misto vai racionalizar a campanha e torná-la mais barata. É o voto distrital misto alemão: metade dos parlamentares eleitos na lista que o partido prepara de forma democrática - aliás, o PV quer que essa lista vá alternando (homem/ mulher/ homem/ mulher) para aumentar a presença das mulheres. Então você tem o voto na lista e outro voto que se vota para eleger o deputado no seu distrito. O tribunal divide os estados em pedaços menores e, naquele pedaço menor, eu tenho uma disputa mais igualitária e com uma campanha mais barata, e um deputado operário vai poder enfrentar um deputado do governo ou um capitalista. Esse sistema vai, por um lado, criar partidos mais ideológicos, possibilitar uma presença maior das mulheres no parlamento e vai baratear barbaramente as campanhas. Sobre o financiamento, do meu ponto de vista, ele seria mais austero, público e por pessoas físicas, e daria conta de você fazer campanhas mais baratas. O terceiro elemento da nossa proposta é o voto facultativo, para possibilitar que o voto seja um voto de mobilização, de consciência, um voto de liberdade, um voto de pessoas que acompanham o programa do partido e não um voto de rebanho, que é o voto de manada, o voto porque o sujeito está subindo na pesquisa ou por que recebeu o santinho. Então, o voto facultativo é o voto mobilizador e que politiza. Isso está na base de toda nossa reforma. Só teremos democracia consolidada se tiver cidadão mobilizado e interessado na política. [caption id="attachment_3766" align="aligncenter" width="300"]Para Eduardo Jorge, Brasil vive um "presidencialismo imperial" (Foto: Wikoso) Para Eduardo Jorge, Brasil vive um "presidencialismo imperial" (Foto: Wikoso)[/caption] Fórum – E extinguir o Senado? Jorge – A nossa ideia se coloca nesse contexto de fortalecer as outras instituições públicas dos municípios e diminuir a concentração de poder de Brasília. É um novo pacto federativo que chama “Mais Brasil, Menos Brasília”, e isso vale em todas as áreas. Uma nova divisão dos recursos nacionais, que hoje 70% ficam nas mãos do presidente da república e esse processo tem quer ser invertido. Temos a meta de chegar a 33%, 33%, 33% dos recursos (federação, estado e munícipio) para substituir a atual - 70%, 20% e 10% -, que é um processo de descentralização muito forte dos recursos. Isso significa fortalecer muito a administração municipal e deixá-la perto do povo. No parlamento isso também tem que acontecer. Temos que diminuir a quantidade de parlamentares e senadores em Brasília e aumentar o número de parlamentares no munícipio. O Senado é uma estrutura ociosa que não tem nenhum sentido e nenhuma função. As votações federativas, que eram função do Senado,  eu posso fazer com a bancada estadual da própria Câmara, e você dá três votos para cada bancada: 3 votos de Sergipe, 3 de São Paulo, 3 de Minas Gerais na bancada da Câmara dos deputados. Você dispensaria toda aquela parafernália do Senado que virou uma casa de aposentadoria. E tem a questão do suplente, que virou financiador de campanha, o que é pior ainda. Isso é uma aberração. É possível manter o equilíbrio federativo com o voto na Câmara dos Deputados. Colabore com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da Fórum Semanal, que vai ao ar toda sexta-feira. Assine aqui Fórum – Em relação ao aborto, os outros candidatos afirmam que a legislação atual dá conta do assunto. Qual é a sua posição? Jorge – Pessoas esclarecidas, como os candidatos dos outros partidos, têm uma posição em casa e outra na política, uma pessoal e uma para ganhar a política. É uma coisa triste, mas é uma verdade. E se você pegar a formação política dos outros candidatos e analisar, verá que não é possível que eles tenham uma posição tão reacionária. A questão do aborto pra mim é pessoal e muito consolidada, porque eu fui médico numa região pobre e vi isso durante décadas, fazendo pré-natal, atendendo crianças e vendo o drama das mulheres da periferia que eram tratadas como criminosas porque, por algum motivo pessoal da vida delas, tinham que fazer a interrupção da gravidez, e a lei brasileira diz que elas são criminosas. Além da dor que o aborto acarreta, ela ainda é tratada como criminosa. Alguns dizem que a legislação atual é suficiente, mas a lei atual, que é antiga, diz que é possível fazer o aborto legal em dois casos: estupro e risco de vida. Porém, essa lei nunca foi colocada em pé... Fomos nós, no governo Luiza Erundina, em 1989, que organizamos o Hospital de Jabaquara para ser o primeiro do Brasil a receber os casos de abortos legais. Na época, em nenhum lugar do brasil se fazia isso. E de lá pra cá, alguns poucos hospitais se organizaram para garantir esses dois casos. Mas isso é insuficiente, pois, a maioria dos casos não se enquadra no caso de estupro ou risco de vida, e a mulher fica descoberta. São centenas, milhares de mulheres que todos os anos se arriscam em abortos clandestinos. O que se quer é que essas 800 mil mulheres que fazem aborto por ano no Brasil continuem sendo consideradas criminosas? Continuem correndo risco de vida? Continuem morrendo? Ficando com sequelas? Fazendo abortos em lugares inseguros, pegando infecções? Que continuem sendo vítimas de sentenças jurídicas porque são consideradas criminosas? Isso é uma desumanidade. A nossa posição é que se aumente o planejamento familiar para, assim, diminuir os números de aborto, mas isso demora, é uma mudança cultural, o SUS tem que ser organizar ainda mais. Então, enquanto o SUS ainda não dá conta da saúde familiar, não podemos deixar que milhares de mulheres continuem na clandestinidade. Por isso, nós somos pela descriminalização, até por que a lei atual é criminosa. Fórum – Quem sofre com os abortos ilegais são as mulheres pobres, as mais ricas podem pagar por clínicas que atuam na clandestinidade. Jorge – Todas as mulheres sofrem. As mulheres pobres sofrem risco de vida, sequelas físicas. Mas, as mulheres ricas, que também são humanas, elas sofrem sequelas psíquicas. Ela faz o aborto em um local seguro, mas também é taxada de criminosa. A lei brasileira é machista. É uma lei feita por homens. Fórum – Na proposta de vocês sobre drogas, além da regulamentação da maconha, também propõem a regulamentação das drogas consideradas “pesadas” - como cocaína e crack. Jorge – Isso tem que ser feito por etapas. A guerra às drogas, que está traçada pela convenção da ONU de 1961 e da qual o Brasil é signatário, fracassou. Faz cinquenta anos que os países prometeram aos seus povos que iriam erradicar o tráfico e o consumo das drogas psicoativas. Foram bilhões de dólares, alguns falam em trilhões que foram gastos com polícia, penitenciária, e tudo piorou. Com a constatação do fracasso da política repressiva e da penitenciária, a única coisa que aumentou foi o número de usuários, a quantidade de drogas usadas, o poder dos criminosos e a quantidade de jovens usados pelo tráfico e que estão mofando nas cadeias. E como hoje é difícil dividir o que é criminoso e usuário, o dependente demora muito pra chegar no Sistema Único de Saúde. Os países mundo afora já viram que essa política da repressão não dá certo e começaram a procurar caminhos por políticas mais inteligentes para reduzir os prejuízos da saúde da sociedade pelo uso das drogas psicoativas. Esse é o caso da Holanda, Portugal, em vários estados da federação americana, no Uruguai, ou seja, os países estão se afastando da política da convenção de 1961 da ONU de guerra às drogas e procurando outros caminhos para diminuir os prejuízos que as drogas psicoativas podem trazer. O que nós queremos é uma política mais inteligente, e a ideia que ganha mais força é a regulamentação do acesso às drogas. Ou seja, legalizar, descriminalizar e regulamentar pelo Estado o acesso. Temos que pegar todo esse dinheiro que é investido na polícia e na penitenciaria de forma ineficaz e que está destruindo vidas de jovens pobres pelo mundo afora e investir na educação e na saúde das pessoas que usam a droga. Isso já é feito com as drogas psicoativas legais, e nós temos duas drogas psicoativas legais muitos prejudicias: o tabaco e o álcool, que são mais prejudiciais do que a maconha. Com as drogas ilegais regulamentadas, nós vamos fazer campanha para mostrar porque as pessoas não devem usar essas drogas, e segundo, se você usar, usar da forma mais moderada possível para não te atrapalhar. E terceiro: se você desenvolver dependência, o Sistema Único de Saúde deve ajudar o mais rápido possível, utilizando a política de redução de danos, que é uma política mais inteligente para diminuir os prejuízos que as drogas, legais e ilegais, causam. E a gente começa com a maconha porque é a mais leve e dá pra planejar com segurança. E depois para cada tipo de droga a gente estabelece uma estratégia adequada. E o Brasil está atrasado nessa estratégia. Fórum – Há uma outra questão que também empareda os seus adversários, que é a criminalização da homofobia... Jorge – Isso é um absurdo! Uma covardia desses candidatos. É puro preconceito para ganhar o voto dos evangélicos, dos católicos e dos mais reacionários. Não são todos os evangélicos e católicos que têm essa posição, mas tem um grupo de católicos e evangélicos que são mais reacionários, garantem votos e ficam alimentando os candidatos. Eu considero isso uma perseguição contra as pessoas que não estão prejudicando em nada a vida de ninguém, só apenas vivendo os seus direitos de ter uma orientação sexual diferente. É uma perseguição contra as pessoas. E o mais ridículo é que os candidatos, em seu privado, não pensam desse jeito, mas adotam essa posição para ganhar votos. O Estado brasileiro é laico, as pessoas podem ter a sua orientação religiosa, isso é um problema da vida intima. Querer influir na vida política com a ideologia religiosa é um retrocesso muito grande e perigoso para o Brasil. [caption id="attachment_3769" align="aligncenter" width="300"]o-rico-orgulho-gay "Eu considero isso uma perseguição contra as pessoas que não estão prejudicando em nada a vida de ninguém, só apenas vivendo os seus direitos de ter uma orientação sexual diferente", diz Eduardo Jorge (Foto: Wikicommons)[/caption]  (Crédito da foto de capa: site DM)