El Salvador, no meio do caminho

Recém-eleito presidente, o jornalista Mauricio Funes tem como desafio promover mudanças sociais e políticas profundas no país e Lula é uma das suas fontes de inspiração

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Recém-eleito presidente, o jornalista Mauricio Funes tem como desafio promover mudanças sociais e políticas profundas no país e Lula é uma das suas fontes de inspiração Por André Luís Ferreira Pessoas passam penduradas em um ônibus amarelo que há mais de quatro décadas servia como transporte para bem alimentados estudantes estadunidenses no caminho da escola. Soltando fumaça, o brutamontes vai abrindo caminho na rua tomada por pedestres. Não há conforto dentro nem fora do veículo e a turba segue a cotoveladas livrando algum espaço entre a massa disforme. Nas ruas do centro da capital San Salvador, o comércio ferve. São frutas, cintos de cowboy, pilhas Duracell, DVDs piratas e uma infinidade de bugigangas que estão espalhadas por todas as partes. Um shopping center a céu aberto, que faz a 25 de Março, famosa rua comercial de São Paulo, parecer uma simples boutique. No canto da praça, uma mulher idosa vende pupusas, tipo de pão feito com farinha de milho assado na chapa, enquanto dois sujeitos vasculham com olhos de raposa uma oportunidade de abater uma vítima descuidada. O carro onde estava a reportagem segue lento e todos olham para dentro com a mesma curiosidade que olhávamos para fora. Centenas de artigos como camisetas e bonés estampam o rosto do futuro presidente Mauricio Funes, hoje um verdadeiro ídolo pop, colado às siglas do partido Frente Farabundo Marti para a Libertação Nacional (FMLN), organização composta por quatro movimentos guerrilheiros mais o Partido Comunista, que chega ao poder para cinco anos de mandato depois das eleições de 15 de março de 2009. El Salvador vem sendo governado pelos conservadores da Arena há 20 anos e segue um modelo político e econômico irremediavelmente esgotado, marcado pela inflação, dolarização, alta taxa de desemprego e migração em massa. O “Pequeno Polegar”, como é apelidado o menor país das Américas, tem aproximadamente 7 milhões de habitantes, sendo que quase 2 milhões desses vivem nos Estados Unidos. O dinheiro enviado por esses imigrantes vem sendo uma das principais receitas da economia salvadorenha, minguada por anos de conflito armado e por adesão a políticas neoliberais que durante décadas favoreceram apenas a uma minoria. Funes, que chega ao poder prometendo uma profunda e ampla reforma política e principalmente social, terá pela frente um grande desafio, podendo servir como um sinalizador para a nova esquerda no continente americano. O novo presidente se espelha nas políticas implantadas pelo amigo Lula, diante de um Estado empobrecido e em um cenário mundial adverso. O elo mais forte dessa aproximação com o Brasil é estabelecido pela paulistana do bairro do Tatuapé Vanda Pignato, filiada ao PT desde 1981 e diretora do Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em El Salvador. No próximo 1º de julho, Vanda irá se mudar com o marido eleito e o filho Gabriel para o Palácio Presidencial Salvadorenho. Muitos afirmam que a futura primeira-dama tem mais traquejo político que o próprio marido e que deve, mesmo que discretamente, ocupar uma posição de destaque na formatação das políticas sociais pretendidas pelo FMLN. Na carta de intenções apresentadas aos eleitores durante a campanha, a brasileira contribuiu com a criação da “cidade da mulher”, programa social que prevê a inclusão das mulheres na vida social e cultural salvadorenha, um grande passo para um país que é recordista em violência contra as mulheres nas Américas e possui a maior taxa de homicídio feminino. Qualquer semelhança... Não é mera coincidência a identificação do novo governo salvadorenho com a linha política adotada pelo PT no Brasil. Ainda visível nas ruas, as propagandas políticas apontam uma incrível similitude com as confeccionadas para a campanha do presidente Lula, graças à ajuda de marqueteiros brasileiros. Não à toa, o jornalista Mauricio Funes fez a linha “Lulinha Paz e Amor” empregada na última campanha política presidencial pelo PT. O recém-eleito reconhece que tem nas políticas implementadas pelo colega brasileiro seu maior espelho e quer que El Salvador siga no mesmo rumo. O tom da campanha parece ter contagiado também o povo e todos são taxativos ao afirmarem que o Brasil é o exemplo a ser seguido. “Não dava mais para aguentar tanta corrupção, agora as coisas vão melhorar e o Lula vai ajudar El Salvador”, profetiza Ângelo, motorista de táxi que faz rotas partindo do aeroporto internacional. Esse sentimento também é compartilhado pelos representantes das classes mais elevadas, como o juiz de direito e empresário do setor de turismo Antonio Gonzalez. “Estamos no caminho certo e a alternância de poder é benéfica para qualquer Estado. Creio que Funes seguirá uma linha bem parecida com a de Lula, governando para os mais pobres sem atravancar os setores produtivos da economia e seus representantes. Se andar nesse sentido, todos irão ganhar e a democracia será a maior favorecida”, acredita o juiz. Resta saber como Funes negociará com os próprios aliados e militantes do partido da Frente Farabundo Marti, que talvez esperem mais mudanças que as possíveis em um primeiro mandato. Um racha entre os partidos de esquerda seria um prato cheio para a Arena, que por sua vez tem, junto com as coligações de direita, maioria na Assembleia Legislativa que será formada por 34 deputados do FMLN, 32 da Arena, 11 do PCN, 6 do PDC e 1 do CD, além do governo da capital, depois de 12 anos de governo da Frente. Como não poderia deixar de ser, os partidos de direita jogaram pesado durante a campanha eleitoral e espalharam um clima de terror já conhecido pelos brasileiros. Se os dirigentes da Arena soubessem da interpretação da global Regina Duarte e o discurso do “tenho medo”, teriam importado a atriz. Mesmo assim, o povo salvadorenho conduziu a esquerda ao poder, dessa vez sem armas, e o único vermelho admitido nessa guerra foram as bandeiras e camisetas do FMLN. Pela luneta Os olhos de vários países estão agora voltados para El Salvador. Desde Caracas até Washington, de Havana à vizinha Manágua, todos aguardam uma posição do presidente salvadorenho. Muitas são as previsões e não faltam analistas e videntes com suas bolas de cristal e cartadas mágicas. É certo que Hugo Chávez está flertando com maior proximidade junto ao novo governo salvadorenho, mas também parece consenso que Funes não pretende descartar o bom relacionamento com Obama e o Congresso estadunidense. São interesses difusos e todos importantes para El Salvador. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, Funes desponta como um conciliador e, se for realmente hábil, conduzirá uma política muito mais ao centro que a esquerda, pelo menos no cenário internacional. Terá que aprender com Lula a dizer não aos amigos e sim aos inimigos, mesmo que no final a conta seja toda ao contrário. Para o jornalista estadunidense e ex-correspondente do Washigton Post em El Salvador, Douglas Farah, a presença de Vanda Pignato manterá aberta uma linha direta entre os governos brasileiro e salvadorenho, ajudando nas pressões que Funes enfrentará, tanto interna como externamente. “Penso que o presidente será confrontado com múltiplos desafios e pressões. Claramente a Venezuela exerce uma grande influência entre alguns setores da FMLN e, se esses prevalecerem, a relação entre o governo Funes e os Estados Unidos será significativamente danificada. Mas o Brasil e a sua ‘esquerda saudável’, como gosto de chamá-la, também tem muita influência”, explica. “O Brasil traz uma alternativa democrática e pragmática”, completa o jornalista.