Em conferência, médicos fazem apelo por medicamentos anti-HIV para crianças

Conferência da Sociedade Internacional de Aids (IAS), terminou ontem em Sidney com um apelo para que sejam desenvolvidos medicamentos anti-retrovirais específicos para crianças que vivem com o vírus HIV

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Por Neena Bhandari, da IPS A quarta conferência da Sociedade Internacional de Aids (IAS), terminou ontem em Sidney com um apelo para que sejam desenvolvidos medicamentos anti-retrovirais específicos para crianças que vivem com o vírus HIV, causador da doença. “Devemos proteger nosso futuro”, disse Pedro Cahn, presidente da IAS. Este infectologista, e diretor da fundação Huésped da Argentina, exortou no sentido de serem “encontrados melhores caminhos para tratar os mais jovens e buscar estratégias de prevenção integradas, baseadas tanto na ciência quanto na mudança de conduta”. Cerca de 2,3 milhões de crianças no mundo vivem com o HIV, e a cada no são registrados aproximadamente 600 mil novos casos, segundo estatísticas divulgadas na conferência. Além disso, estima-se que em torno de 780 mil crianças necessitam dos anti-retrovirais, mas apenas 15% têm acesso a esse medicamento. Na África subsaariana, as crianças representam 14% das pessoas que precisam desses remédios, porém, somente 6% os recebem. Sem tratamento adequado, a metade dos bebês portadores morrerá antes de completar dois anos de vida. “Hás um alarmante fracasso da comunidade internacional em relação aos medicamentos destinados às crianças”, disse Annette Sohn, pediatra da divisão de doenças infecciosas da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA). “O que necessitamos com urgência são mais e melhores anti-retrovirais pediátricos, um espectro mais amplo de coquetéis de drogas, duplos e triplos”, acrescentou. “Na maioria dos casos, divide-se a dose de adultos para fornecê-las às crianças”, explicou Sohn. “Mas, ao se fracionar o comprimido em menos da metade do seu tamanho pode-se administrar uma dose maior ou menor do que a necessária. Isto significa que as crianças correm o risco de receber uma quantidade inadequada da droga, o que diminui a eficácia do tratamento”, ressaltou o especialista. A meta da terapia pediátrica, prosseguiu, “é equilibrar o efeito antiviral dos medicamentos com os prejuízos de longo prazo” da administração destas substancias “a uma criança em desenvolvimento”. Sohn explicou que as crianças que vivem com o virus da aids e recebem anti-retrovirais correm o risco de sofrer encefalopatia, na qual o cérebro se dilata, e com o tempo os tecidos ficam danificados. As conseqüências são uma deficiência no desenvolvimento cognitivo e menor densidade óssea. Embora se considere que o tratamento precoce aumenta a possibilidade de sobrevida, algumas crianças devem receber anti-retrovirais de segunda e terceira geração pela resistência às drogas que o vírus desenvolve rapidamente. “A resposta ao tratamento é mais efetiva quando este é iniciado antes que a criança desenvolve uma deficiência imunológica severa”, afirmou Sohn. A conferência começou com a divulgação da “Declaração de Sidney”, que exige dos governos que dediquem à pesquisa 10% dos fundos usados para combater a aids e garantam a disponibilidade do tratamento nas nações mais pobres. O documento foi assinado por cerca de 1.600 cientistas, médicos, políticos e líderes comunitários de todo o mundo. “O HIV apresenta um dos maiores e mais complexos desafios científicos de nosso tempo. Enfrentá-lo exigirá uma sustentada vontade política e mais recursos destinados à pesquisa sobre a aids”, disse o co-presidente da conferência, David Cooper, diretor do Centro de HIV da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. Novos anti-retrovirais, com menos efeitos colaterais, estão em fase de desenvolvimento. Embora milhões de pessoas nos países pobres ainda não os recebam, o acesso a estes remédios melhorou de maneira sustentada. Na África subsaariana, em junho de 2006, mais de um milhão de pessoas os recebia, 10 vezes mais em relação a dezembro de 2003, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida). “Nos países em desenvolvimento usamos a combinação de drogas mais tóxicas, que já não são utilizadas nas nações industrializadas, por serem baratas”, disse Cooper. “O maior desafio para a comunidade científica é desenvolver tratamentos de segunda e terceira linha nos países pobres, que são fundamentais para os que desenvolveram resistências às drogas de primeira linha”, acrescentou o especialista. A sessão plenária do dia de encerramento do congresso foi dedicada a analisar os desafios e as oportunidades associadas com as estratégias de prevenção e os obstáculos apresentados pela capacidade mutante do HIV. O doutor Bem Berkhout, do laboratório de virologia experimental da Universidade de Amsterdã, demonstrou pela primeira vez que a cepa HIV-1 não só ficou resistente às drogas como se torna dependente de certos anti-retrovirais. Esta variedade do vírus tem uma enorme capacidade de adaptação, o que dificulta o tratamento, explicou o cientista. A diretora de programas internacionais do Instituto de Pesquisa da Aids, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, Nancy Padian, falou sobre promissoras medidas de prevenção, que incluem o uso de drogas para combater a herpes genital, profilaxia prévia à exposição e barreiras cervicais, entre outras. Há mais de 25 anos do início da pandemia, cerca de 25 milhões de pessoas morreram por causa da aids e estima-se que outros 40 milhões estão infectados com o HIV, segundo o Onusida. Apesar de ser possível prevenir a transmissão do vírus com práticas de sexo seguro, 11 mil pessoas o contraem diariamente. E, embora possa ser tratado, mais de três milhões morrem anualmente por causas relacionadas com a enfermidade. O desenvolvimento de uma vacina contra a doença demorará vários anos antes de poder ser usada, afirmam os cientistas. Estão sendo feitas pesquisas com uma vacina que ajudaria a retardar o avanço da aids quando uma pessoa for infectada com o HIV. Atualmente, são destinados US$ 650 milhões em pesquisa e desenvolvimento da vacina, contra os US$ 5 bilhões usados em prevenção. Segundo a Onusida, o tratamento de doentes passou de 240 mil pessoas, em 2001, para 1,3 milhão em 2005. Os especialistas destacam a necessidade urgente de aumentar o número de exames para detectar a presença do vírus. O diagnostico precoce é importante para que as pessoas possam iniciar tratamentos que lhes prolonguem a vida. A Organização Mundial da Saúde estimam que 80% dos portadores em países de renda média e baixa ignoram que sofrem da doença. Pesquisas na África subsaariana demonstraram que apenas 12% dos homens e 10% das mulheres fizeram exames para detectar a presença do vírus. “Mas, o tratamento deve mostrar que é viável em termos da equação custo-beneficio. Já existe fadiga nos países doadores quanto ao financiamento da luta contra a doença. Também argumenta-se que a aids desvia recursos e talentos que poderiam ser destinados a outras áreas da saúde pública”, disse o diretor do Programa sobre HIV/Aids do Banco Mundial, Debrework Zewdie. Durante a conferência, o governo australiano assumiu o compromisso de destinar US$ 1 bilhão nos próximos três anos para combater a pandemia. Envolverde/ IPS