Emicida no Faustão: “Abismos sociais são mais letais do que o coronavírus”

Rapper foi entrevistado no programa na TV Globo, onde falou sobre a desigualdade no país, os protestos antirracistas, após o assassinato de George Floyd, e da morte do menino Miguel, no Recife: “por que uma pessoa em pleno gozo das suas faculdades mentais abandona uma criança de 5 anos dentro de um elevador?”

(Foto: Divulgação/Globo)
Escrito en NOTÍCIAS el

O rapper Emicida foi entrevistado pelo Faustão neste domingo (14) e denunciou os “abismos sociais que a nossa sociedade produziu”. “"As mudanças que a gente precisa não estão necessariamente ligadas ao corona. A pandemia não é uma escolinha onde a gente está aprendendo como é importante a gente se entender como humano e ajudar todos os outros. A gente está vivendo um paradoxo triste. Por um lado, a gente enfrenta um vírus que se espalha muito rápido, mas que não tem uma letalidade tão grande, agora, o que é extremamente letal são os abismos sociais que a nossa sociedade produziu e finge que não existe. Todas as pessoas estão sujeitas a se contaminar com o Covid-19, mas nem todas as pessoas podem se tratar após se contaminar."

Segundo Emicida, é emblemático uma empregada doméstica ter sido a primeira vítima por coronavírus no Brasil. A mulher tinha 63 anos e percorria 120 km da casa dela até o trabalho na zona sul do Rio de Janeiro.

“Todas as pessoas estão sujeitas a se contaminar com a Covvid-19, mas nem todas as pessoas podem se tratar após se contaminar. A gente uma situação muito emblemática na realidade do Brasil, que é a primeira vítima de coronavírus foi uma empregada doméstica, que, aparentemente, pegou de sua patroa. Isso é muito simbólico. As pessoas pobres se contaminam mais, tem mais chance de pegar e essa letalidade é amplificada não pelo vírus em si, o vírus não tem uma perseguição cultural atrás de quem é pobre. Mas infelizmente os abismos sociais impossibilitam que as pessoas mais pobres, que muitas vezes também são as pessoas mais pretas a se recuperar dessa doença. Isso é desesperador.”

O caso da morte do menino Miguel, de 5 anos, filho da empregada Mirtes Renata de Souza, abandonado no elevador pela patroa Sarí Corte Real, também foi lembrado. "A gente precisa se perguntar: por que uma pessoa em pleno gozo das suas faculdades mentais abandona uma criança de 5 anos dentro de um elevador? Porque ela não consegue reconhecer nem a humanidade daquela criança e nem a necessidade de cuidado. Ela acha que esse cuidado deve ter com pessoas que se pareçam com ela, esse é o grau de profundidade dessa questão. A nossa realidade, embora a discussão dos Estados Unidos seja válida participar, entender e se solidarizar, acho que a gente tem situações tão ou mais desesperadoras no território brasileiro que precisam fazer com que a gente se levante contra isso."

Sobre o assassinato de George Floyd pela polícia, nos Estados Unidos, Emicida acredita que a realidade do país é diferente da do norte-americano. "A gente está tratando de contextos diferentes, embora a opressão racial seja muito presente nas duas realidades. A forma superficial como a qual sociedade brasileira lida com o racismo. A gente finge que isso é um problema de lugares como África do Sul ou dos Estados Unidos. O imaginário do brasileiro foi conduzido através de uma reflexão que faz ele acreditar que vive de fato numa democracia racial, quando isso não é verdade. E é por isso quando uma nova geração emerge e traz à tona um discurso de que não, a gente não vive uma democracia racial, a gente vive um estado de desespero, de emergência, que quanto mais escura a cor da sua pele mais perigoso é."

https://twitter.com/RedeGlobo/status/1272289829959712769