Entrevista com Ruy Braga - A Grécia em novos tempos

Para sociólogo e professor da USP, o partido de Alexis Tsipras não pode hesitar diante da crise. "A coalizão Syriza sabe que se não entregar o 'pacote' que prometeu vai sair do governo. O problema é que a crise grega é tão grande, profunda que meias medidas não são mais aceitáveis. Ou a coalizão entrega uma parte substantiva que prometeu ou na sequência vão perder o governo"

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Para sociólogo e professor da USP, o partido de Alexis Tsipras não pode hesitar diante da crise. "A coalizão Syriza sabe que se não entregar o 'pacote' que prometeu vai sair do governo. O problema é que a crise grega é tão grande, profunda que meias medidas não são mais aceitáveis. Ou a coalizão entrega uma parte substantiva que prometeu ou na sequência vão perder o governo" Por André Lobão e Pedro Martins, do RadioTube Um espectro ronda a Europa, é o espectro da luta contra as políticas de austeridade impostas pela União Europeia aos países que recorreram a empréstimos por conta da crise. Esse parece ser o recado deixado pelos gregos com a vitória da Coalizão Syriza nas últimas eleições realizadas no dia 25 de janeiro. Para entender um pouco mais sobre a importância desta vitória conversamos com Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, a USP. Além da vitória da Syriza, Ruy falou também da ascensão das propostas de esquerda em outros países, como Portugal, Itália e Espanha. Radiotube: Quais serão os principais problemas a serem enfrentados pelo Syriza na Grécia? Ruy: A Grécia passa por uma crise que já se transformou em uma crise humanitária. Podemos verificar pela imprensa internacional o tamanho dessa débâcle social e econômica. Existem 300 mil famílias que não têm luz, imaginem no inverno europeu, ou seja, o que isso significa em termos de crise propriamente humanitária. Existem surtos de fome nas regiões menos adiantadas do país, um desemprego que atinge jovens entre 16 e 24 anos com um índice de mais de 50%, com uma situação de retração econômica, funcionários públicos demitidos ou com seus vencimentos cortados em 40%. Ou seja, existe um cenário econômico que é o mais terrível possível desde que as medidas de austeridade foram implantadas. Evidentemente a economia grega está em frangalhos, o que coloca um impedimento, um conjunto de obstáculos para o novo governo enfrentar. Então, esses primeiros meses ou esse primeiro ano da coalizão Syriza serão marcados por turbulências e enormes desafios. O grande problema é que a Grécia foi apanhada em uma armadilha em que não pode permanecer na zona do euro e não pode permanecer fora dessa mesma zona de integração. Abrir mão do euro significaria uma devastação profunda. Radiotube: Sair da Zona do Euro seria então um retrocesso para a Grécia? Ruy: O retorno ao ‘Dracma’ (antiga moeda grega) seria o regresso para uma moeda que não vale absolutamente nada. Por outro lado, a permanência no euro impõe uma série de exigência e medidas que prolongam ainda mais essa agonia econômica. É por isso que tenho insistido que a solução para a questão grega não passa pela Grécia. Ela passa por uma aliança com outros governos, outros países. Vai pela possível vitória do PODEMOS na Espanha, por uma alteração drástica na política na Itália, por uma renegociação ou enfrentamento com a ‘Troika’, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o FMI. Envolvem outros países, um nível de solidariedade que não é o que a gente encontra hoje. Daí a esperança grega precisa se colocar em outro patamar. Essas forças políticas que foram sendo gestadas no Sul da Europa, em especifico no caso espanhol, pode se esperar um novo momento para uma mudança do quadro. Radiotube: A coalizão Syriza já propôs a moratória da dívida pública e também se posicionou contra os planos de cortes na economia, qual é a expectativa de reação das demais nações europeias? Ruy: O que podemos imaginar são dois cenários, com nenhum deles favoráveis. Por um lado, você tem a saída do euro e por outro lado a permanência no euro. A saída da Grécia do euro a curto ou médio prazo significa um aprofundamento da devastação econômica, porque significaria entre outras coisas o restabelecimento do ‘Dracma’, que é uma moeda que não vale absolutamente nada na relação de trocas internacionais. E a economia grega como nós sabemos depende muito, devido a forte desindustrialização dos últimos 20 anos, do aporte dos recursos de fora para tentar se soerguer, e assim por diante. A Grécia é um país pequeno, economicamente frágil que não suportou a concorrência com os produtos manufaturados, máquinas e equipamentos alemães. Tem esse caso notório que o país assume uma dívida maior ara financiar a compra de um submarino junto à Alemanha. Ou seja, essa foi a tônica dos últimos 10 anos da economia grega. Então, o retorno ao ‘Dracma’ seria absolutamente desastroso pelo menos no curto e médio prazo. E não me parece que essa seja a prioridade da coalizão Syriza. Do outo lado, a permanência no euro em que termos: quais são as bases de negociação? A coalizão anunciou que pretende cortar metade da dívida e colocar uma moratória como uma parcela significativa da dívida restante. Evidentemente isso é inaceitável para o Banco Central Europeu, Comissão Europeia, por quê? Porque se isso acontece outros países em situação semelhante à Grécia, historicamente Itália, Espanha e Portugal reivindicariam as mesmas bases de negociação. E isso colocaria em cheque esse projeto da ‘Troika’ de impor medidas de austeridade para garantir que o motor econômico continue acelerado ou funcionando no centro. Notoriamente na Alemanha, França e Inglaterra. Então, isso colocaria em cheque a arquitetura política institucional econômica que foi criada a partir de 2008, para salvaguardar os interesses dos países mais ricos da Europa. E isso é inaceitável para o BC europeu, aliás, para a Alemanha, provavelmente, a melhor saída seria defenestrar a Grécia da União Europeia. Agora, o cenário é explosivo e imprevisível. O mais provável, levando-se em consideração os custos de uma expulsão da Grécia da Comunidade Europeia e de uma moratória grega, é de uma permanência da Grécia em condições de uma renegociação de sua dívida, não nos termos que a coalizão Syriza propõe, mas em termos que seja mais favorável aos acordos assinados a partir da última negociação. O fato é que alguma solução de compromisso vai ser alcançada apesar desse cenário volátil que se apresenta atualmente após a vitória da coalizão da esquerda grega. Radiotube: A coalizão ficou a duas cadeiras da maioria no parlamento grego, você acredita que isso pode fazer falta para uma possível governabilidade da Syriza? Ruy: Não, porque eles formaram um governo. A vitória foi avassaladora, conseguiram colocar os gregos independentes na coalizão, possivelmente vão entregar um ministério importante para eles. Então, do ponto de vista da governabilidade terão uma margem de manobra. A coalizão está muito unida nesse objetivo, ou seja, eles formaram o governo e o governo vai governar. Radiotube: Muitos analistas e militantes de esquerda expuseram o receio da Syriza aderir a ordem e não cumprir as transformações com as quais se comprometera. Como você avalia essa possibilidade? Ruy: A coalizão Syriza sabe que se não entregar o “pacote” que prometeu vai sair do governo. O problema é que a crise grega é tão grande, profunda que meias medidas não são mais aceitáveis. Ou a coalizão entrega uma parte substantiva que prometeu ou na sequência vão perder o governo. É claro que existe uma série de fatores da luta política que precisam ser levadas em consideração quando se fala em formação de governo, sucesso ou fracasso. O primeiro deles é à disposição das amplas massas, trabalhadores, subempregados, juventude e lideranças que formam a entourage do Aléxis Tsípras. O importante é que essa mobilização popular é chave para se pensar na capacidade de poder ou de barganha que terá esse governo nos fóruns europeus. Eles vão para Alemanha, Bruxelas como um país que estava mobilizado objetivamente para manter aquelas conquistas, ou um país imobilizado. Isso muda bastante o cenário. Radiotube:: Qual a expectativa a partir de agora para outros grupos de esquerda como o PODEMOS na Espanha e o Bloco de Esquerda em Portugal, entre outros? Ruy: A eleição da coalizão Syriza na Grécia favorece e fortalece o projeto do PODEMOS na Espanha. Do ponto de vista da perspectiva anti - austeridade o Syriza e o PODEMOS estão bem próximos. Então, do ponto de vista ideológico e programático acredito que aí já existam algumas diferenças, que são bastante significativas. A coalizão Syriza é mais radical em termos programáticos, anticapitalista do que o PODEMOS. No entanto são realidades e contextos nacionais bem diferentes. A vitória do Syriza sinaliza uma possível vitória do PODEMOS na Espanha e fortalece outros partidos equivalentes europeus a despeito de existir uma enorme distancia em relação ao Bloco de Esquerda em Portugal que nem chega perto em termos de votação, sucesso eleitoral ao Syriza e PODEMOS. Radiotube: Esse ascenso de grupos de esquerda poderia causar algum estremecimento político na própria formação e continuidade da União Europeia? Ruy: O projeto da União Europeia como uma união econômica que impõe uma moeda sobre a soberania dos países morreu. Ele se mostrou incapaz de garantir a unidade europeia porque vários países do continente foram sendo colonizados pelo capitalismo alemão em associação com o capitalismo francês e tardiamente com o capitalismo inglês. Você observa isso nitidamente na Espanha, Portugal, parcialmente na Itália e completamente na Grécia. Daí, esse projeto de uma Europa do capital, pelo capital e para o capital financeiro, esse projeto acabou por ruir. Ele acabou está morto por se mostrar incapaz de garantir uma unidade política para a Europa. A vitória da Syriza demonstra exatamente isso. O futuro da Europa passa por uma reinvenção da própria Europa. Ela precisa superar esse projeto do capital e que consiga construir um projeto dos trabalhadores, um projeto de solidariedade, unificada pelos interesses dos de baixo, e não exclusivamente dos interesses dos de cima. Foto: FrangiscoDer