Epidemia do ebola e mais um capítulo da militarização dos EUA na África

Depois de operações militares em 49 dos 54 países da África - em menos de um ano - o envio de de 3 mil militares para combater o vírus ebola se torna apenas mais uma ação do intervencionismo dos EUA no continente

Ações militares dos EUA na África: verde (treinamentos e desembarques táticos em 2013); amarelo (treinamentos e desembarques táticos em 2012); roxo ("cooperações de segurança"); vermelho (parcerias com forças armadas); azul (bases e instalações militares); marcadores verdes (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2013); marcadores amarelos (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2012)
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Depois de operações militares em 49 dos 54 países da África - em menos de um ano -  o envio de de 3 mil militares para combater o vírus ebola se torna apenas mais uma ação do intervencionismo dos EUA no continente Por Vinicius Gomes Separatistas ucranianos pró-Rússia na Europa Oriental. Sunitas radicais do Estado Islâmico no Oriente Médio. “Ditadores” populistas na América Latina ou comunistas norte-coreanos loucos por armas nucleares no Extremo Oriente. Para onde quer que os EUA olhem no mapa-múndi, sempre haverá algum lugar para se levar a "liberdade e a democracia" e algum inimigo para ser combatido e vencido. Chegou a vez do vírus ebola no oeste da África experimentar um pouco daquilo que todos os vilões do mundo merecem: a força militar dos norte-americanos. Em 16 de setembro, o presidente dos EUA Barack Obama anunciou uma resposta para o contágio epidêmico do vírus ebola por diversos países africanos como Guiné, Serra Leoa e, principalmente, Libéria. Essa resposta envolverá, segundo a própria Casa Branca, forças militares para auxiliarem no “comando e controle”, logísticas, treinamento e apoio na engenharia. No pacote está inclusa também a construção de um quartel-general do Comando da África dos EUA (Africom, sigla em inglês) em Monróvia, capital da Libéria, para coordenar as ações norte-americanas na região e ser o ponto de ligação entre Washington e organizações internacionais envolvidas. O número estimado de militares norte-americanos é de 3 mil pessoas. Todavia, tal resposta dos EUA torna cada vez mais claro como funciona a mentalidade norte-americana, que cada vez mais enxerga assuntos internacionais por meio da perspectiva militar, e para quem toda crise requer uma resposta nesses moldes. Basta olhar para a resposta de Cuba ao pedido de ajuda da Organização Mundial da Saúde: um estafe de 165 pessoas. Médicos e enfermeiros. [caption id="attachment_52220" align="alignright" width="498"]Ações militares dos EUA na África: verde (treinamentos e desembarques táticos em 2013); amarelo (treinamentos e desembarques táticos em 2012); roxo ("cooperações de segurança"); vermelho (parcerias com forças armadas); azul (bases e instalações militares);  marcadores verdes (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2013); marcadores amarelos (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2012) Ações militares dos EUA na África: verde (treinamentos e desembarques táticos em 2013); amarelo (treinamentos e desembarques táticos em 2012); roxo ("cooperações de segurança"); vermelho (parcerias com forças armadas); azul (bases e instalações militares); marcadores verdes (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2013); marcadores amarelos (treinamento de tropas para atuarem em um terceiro país em 2012)[/caption] Seria um equívoco, no entanto, imaginar que os EUA estão utilizando essa nova crise humanitária na África para se instalar militarmente no continente – não por isso estar errado, mas sim pelo fato de isso não ser exatamente uma novidade. De acordo como jornalista Nick Turse, “os militares norte-americanos estão se movendo, cada vez mais, para dentro da África há anos e ninguém parece notar”. Turse é provavelmente o único que tem acompanhado a “invasão” militar secreta dos EUA por todo o continente: “Eles [militares norte-americanos] estão envolvidos na Argélia e em Angola; em Benin, Botswana, Burkina Faso e Burundi; em Camarões e as ilhas do Cabo Verde. E isso é apenas o “ABC” da situação. Se pularmos para o fim do alfabeto, a história será a mesma: Senegal e Seychelles, Togo e Tunísia, Uganda e Zâmbia”, explica Turse, e isso tudo sendo coordenado de Sttutgart, na Alemanha. A cidade alemã foi escolhida como sede da Africom após os EUA recusarem a oferta do único país que se dispôs a ceder seu território para as forças militares norte-americanas: ironicamente, a Libéria. Em seis anos de existência tem aumentando sua presença no continente de maneira silenciosa e furtiva, através de bases aéreas para drones, alianças com tropas africanas e muitas e muitas operações secretas: ataques aéreos e sequestros de suspeitos de terrorismo, ações com outros países europeus e operações de evacuação em conflitos. Mas, acima de tudo, os EUA conduzem treinamento, financiamento e “aconselhamento” a seus lacaios locais. Uma investigação de Turse, analisou documentos oficiais revelando que os EUA estiveram envolvidos em, pelo menos, 49 dos 54 países da África, entre 2012 e 2013. Não custa lembra que quando em maio passado o mundo clamou, através da hashtag “Bring Back Our Girls”, por uma intervenção militar dos EUA para o resgate de 300 jovens estudantes sequestradas pelos militantes do Boko Haram, na Nigéria, os soldados dos EUA já estavam por lá desde janeiro. Não é à toa também que a Africom está agora empenhada em combater um “novo califado” na África promovido pelos extremistas do Boko Haram e que, segundo o The Independent, já contam com a benção e conselhos” do Estado Islâmico, no Iraque e na Síria. As operações dos EUA na Libéria, entretanto, levantam muitas questões, cmo um artigo publicado pelo Foreign Policy in Focus aponta: “A construção de instalações e a execução dos programas serão terceirizados pelos militares? Os centros de tratamento dos EUA serão temporários ou permanentes? Qual é o prazo para os EUA se retirarem do país? E talvez ainda mais importante, o quartel-general na Libéria será usada para operações militares não relacionadas com o Ebola?”. Apenas o tempo dirá. Não conte com Obama, ou o(a) próximo(a), depois dele para isso. Foto de Capa: TomDispatch.com