A escalada repressiva do golpe contra os direitos

Rio de Janeiro - Polícia Militar e manifestantes entraram em confronto no centro do Rio durante protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência (Tomaz Silva/Agência Brasil)
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Prisão de militantes do MTST, repressão no protesto do Rio de Janeiro, ataque covarde a Mateus Ferreira, em Goiânia e ataque contra os índios Gamela, no Maranhão. "O que vimos desde o dia 28, quando os movimentos sociais romperam definitivamente a inércia que marcou o período de defensiva que se seguiu ao golpe, foi um aumento brutal da repressão". Leia mais no artigo desta semana de Juliano Medeiros Por Juliano Medeiros* A greve geral realizada no último dia 28 foi um enorme sucesso. As centrais sindicais estimam que mais de 35 milhões de trabalhadores e trabalhadoras paralisaram suas atividades em todo o país, número que se aproxima do total de pessoas com carteira assinada no Brasil (cerca de 38 milhões, segundo dados de dezembro). Quem caminhava pelas ruas das principais cidades do país viu uma sexta-feira atípica, sem trânsito ou movimento nas ruas. A massiva adesão dos trabalhadores e trabalhadoras do transporte público, bem como do funcionalismo público e de outras categorias com forte tradição de luta, como bancários e metalúrgicos, foi decisiva para uma greve vitoriosa. Mesmo os analistas mais comprometidos com as contrarreformas promovidas pelo governo Temer tiveram de admitir, nos telejornais da noite, que a greve representava uma derrota para o Palácio do Planalto. Com essa expressiva demonstração de força, os movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de oposição tornaram ainda mais claro o repúdio da sociedade às mudanças que Temer quer promover na legislação trabalhista e previdenciária. Mas o sucesso da greve e a contraofensiva dos movimentos sociais em defesa dos direitos enfrenta resistências. A elite brasileira, que promoveu o golpe em abril de 2016 com apoio de importante parcela dos setores populares, não aceitará facilmente que seu plano de destruir as conquistas sociais seja interditado. Por isso, o que vimos desde o dia 28, quando os movimentos sociais romperam definitivamente a inércia que marcou o período de defensiva que se seguiu ao golpe, foi um aumento brutal da repressão. Na manhã do dia 28 a Polícia Militar de São Paulo prendeu três militantes do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Itaquera, zona leste da capital paulista, acusados de incitação ao crime, incêndio e explosão. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva pela juíza Marcela Filus Coelho, que alegou a necessidade de “defesa da ordem pública” para mantê-los presos. Os três militantes – Juracy, Luciano e Ricardo – foram transferidos para o Centro de Detenção Provisória Vila Independência, também em São Paulo. A defesa irá ingressar com recurso no Tribunal de Justiça do estado, o que não afasta a possibilidade de que sejam encaminhados a para uma penitenciária comum. No mesmo dia, horas depois, a polícia do Rio de Janeiro reprimiu violentamente uma manifestação pacífica que acontecia no centro da cidade. Atirando indiscriminadamente bombas de gás lacrimogênio e disparando balas de borracha, a intenção das forças de repressão era clara: impedir a realização do ato político convocado pelas centrais sindicais e movimentos sociais. O deputado federal Glauber Braga e o deputado estadual Flávio Serafini, ambos do PSOL, foram atingidos pelas bombas e tiros, o que demonstra que nem mesmo autoridades públicas estão resguardadas da violência policial contra os lutadores sociais. Mas o caso mais grave de repressão policial durante a greve geral ocorreu em Goiânia. O estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, Mateus Ferreira da Silva, foi covardemente atingido por um capitão da polícia militar enquanto participava de ato pacífico na Praça da Bandeira, no centro de Goiânia. Ele está internado em estado grave na UTI do Hospital de Urgências, enquanto o capitão que atingiu Mateus está apenas “afastado” das ruas, transferido para atividades internas em alguma repartição da PM goiana. Mas o aumento da tensão não se resume aos centros urbanos e às ações de repressão das polícias contra a greve geral. No último domingo um ataque de latifundiários em Viana, Maranhão, deixou uma dezena de indígenas feridos. Um deles, Aldelir Ribeiro, de 30 anos, teve as mãos decepadas a golpes de facão pelos jagunços dos fazendeiros. A denúncia promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) teve repercussão internacional. Este é o terceiro ataque contra os indígenas da etnia gamela nos últimos anos. Eles lutam para retomar as terras tomadas por grileiros décadas atrás. Esses episódios demonstram que o aumento da resistência popular tende a provocar uma reação cada vez mais violenta das forças de repressão de um Estado cada vez menos permeável às demandas populares por direitos. A desonesta cobertura jornalística da mídia monopolista reforça o clima de criminalização dos protestos e da resistência. Não foram poucos os jornais que trataram o ataque de ruralistas a indígenas desarmados no Maranhão como “confronto entre índios e fazendeiros”. A condenação de Rafael Braga, jovem pobre e negro, único preso das manifestações de junho de 2013 em razão do porte de desinfetante Pinho Sol, sentenciado pelo juiz Ricardo Coronha Pinheiro a 11 anos e três meses de prisão, além do pagamento de R$ 1.687, mostra de que lado está o Judiciário. Amparado na onda repressiva que culminou na vergonhosa aprovação da Lei Antiterrorismo – enviada ao Congresso Nacional por Dilma Rousseff como exigência do Comitê Olímpico Internacional – a condenação de Rafael marca um ponto de inflexão na disposição do Estado brasileiro em criminalizar os protestos e a pobreza no país. É verdade que a ação de alguns grupos de viés fortemente autoritário – como aqueles a que se convencionou considerar a versão brasileira dos “black blocs” – ajudam a justificar a violência das forças de repressão. E é mesmo possível que entre eles se verifique a presença de dezenas de infiltrados com a velada intenção de provocar a ação das forças policiais, como descobriu-se com a prisão do capitão do Exército, William Pina Botelho, num ato contra Temer ano passado. Mas isso não pode permitir que deixemos de notar o fenomenal aumento da violência do Estado contra as manifestações. Com ou sem “black blocs” a repressão deve aumentar na mesma proporção em que aumentarão as mobilizações populares. Esse ódio das elites contra a organização popular e o direito ao protesto encontra sua representação institucional nas bancadas ultraconservadoras que ganharam ainda mais protagonismo nos últimos anos. Não por acaso os dados da última pesquisa Datafolha, publicada na semana da greve geral, demonstram um alarmante crescimento da candidatura de Jair Bolsonaro, representante máximos do atraso e do obscurantismo. Mas também a postura do judiciário e sua disposição elitista para criminalizar a pobreza e as lutas sociais demonstram que os setores populares terão um enorme desafio pela frente. Por isso é necessário fortalecer a frente única contra as reformas, buscando isolar grupos minoritários que fazem da violência sua razão de ser. Mas também será preciso construir instrumentos de autodefesa e ampliar a denúncia internacional contra o Estado de exceção que pouco a pouco se instaura no Brasil desde o golpe de 2016. Só assim poderemos evitar que a escalada repressiva se amplie impunemente. juliano medeiros *Juliano Medeiros é historiador, presidente da Fundação Lauro Campos e coordenador político da Liderança do PSOL na Câmara dos Deputados.     Leia outros artigos na coluna de Juliano Medeiros Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil