Especialistas opinam sobre a “psicologia cristã”, defendida por Marisa lobo

Após cassação de Marisa Lobo, psicólogos explicam a diferença entre ser cristão e exercer o cristianismo na profissão

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Após cassação de Marisa Lobo, psicólogos explicam a diferença entre ser cristão e exercer o cristianismo na profissão Por Isadora Otoni Na sexta-feira passada (23), Marisa Lobo foi cassada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná. Ela alegou à Fórum que a decisão era perseguição religiosa, visto que não a deixaram se denominar como “psicóloga cristã”. “Não sou eu homofóbica, esse povo que é cristofóbico”, declarou Lobo. Os especialistas Valter da Mata, mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia, e Jaqueline Gomes de Jesus, doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília, opinaram sobre a “psicologia cristã”. Para eles, o profissional deve manter a laicidade de seu trabalho. Confira as duas entrevistas abaixo. Fórum – É permitido o exercício da "psicologia cristã"? Jaqueline Gomes de Jesus – É importante se entender o saber-fazer psicólogo para se responder adequadamente a essa questão. A Psicologia é uma ciência-profissão, fundamentada no rigor científico, por meio da aplicação de conhecimentos e técnicas cientificamente testados, e orientada para o atendimento às demandas da sociedade, respeitando princípios éticos como o da laicidade. Nesse sentido, compreendo que a questão não é se é permitido algo denominado "psicologia cristã", o que precisamos nos perguntar é se é possível existir uma psicologia que também seja religiosa, no caso, cristã. Minha resposta é não. O que quer que se queira chamar de Psicologia Cristã, um termo em si mesmo equivocado, não pode ser considerado Psicologia. [caption id="attachment_47232" align="alignleft" width="150"](Arquivo Pessoal) "Demarcar essa especificidade não acrescenta em nada ao exercício profissional" (Arquivo Pessoal)[/caption] Valter da Mata - Não é permitido o exercício da ‘psicologia cristã’, assim como não é permitido o exercício da psicologia associada a nenhuma prática religiosa. Não existe psicologia cristã, islâmica, espírita ou umbandista. Isso é um grande equívoco. Fórum - Há uma Associação Brasileiras de Psicólogos Espíritas e também cursos de psicologia budista. Isso é correto para a prática da profissão? Jaqueline – Podem até existir, são livres manifestações de opiniões e crenças de seus participantes, inclusive podem ser, por isso mesmo, objetos de estudo da ciência psicológica, porém não são Psicologia. Valter - Já ouvi falar da Associação Brasileira de Psicólogos Espíritas e do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. Enquanto a cursos específicos que associem a Psicologia a alguma religião específica, eu desconheço. Na minha opinião, a existência dessas associações é completamente desnecessária. Demarcar essa especificidade não acrescenta em nada ao exercício profissional. A religião de um(a) psicólogo(a)não o(a) torna melhor, nem pior que os demais. Fórum - A psicóloga Marisa Lobo, recentemente cassada pelo CRP, se auto-denomina como "psicóloga cristã". Entretanto, ela alega que não usa o cristianismo em suas consultas. É possível que ela defenda a psicologia cristã mas não use isso em consultório? Jaqueline – Sim, nossos discursos não refletem, necessariamente, nossos comportamentos. Quem deve julgar a utilização inadequada do título de psicóloga(o) é o Conselho ao qual ela está submetida. Valter - Dentro da perspectiva de pertencer a uma religião e ser psicóloga, isso é completamente plausível. Conheço inúmeros psicólogos religiosos, que são padres, freiras, lideres espíritas, dentre outros, que embora não se autodenominem psicólogos cristãos, são pessoas que tem na sua vida cotidiana a fé religiosa e não a utilizam no seu consultório e portanto nunca foram alvo de processos éticos. Entretanto não foi essa a denúncia contra a psicóloga Marisa, contra ela pesam diversas denúncias que nem mesmo ela faz questão de esconder. Fórum - O que você acha da decisão de cassação da Marisa Lobo?  Jaqueline - Não vejo como um caso isolado, é uma referência para que os Conselhos sigam orientando e fiscalizando o trabalho das psicólogas e dos psicólogos, em prol de uma Psicologia com compromisso social. [caption id="attachment_47235" align="alignright" width="150"](Reprodução/Facebook) Para Jaqueline, se envolve religião não é Psicologia (Reprodução/Facebook)[/caption] Valter - Para a Psicologia brasileira a cassação de Marisa Lobo é exemplar e necessária. Ela violou diversos princípios do código de ética e rasgou a resolução 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas de atuação para o psicólogo em relação à questão da orientação sexual. Na minha opinião, muito mais interessada em ser psicóloga, ela deseja ser deputada e encontrou na controversa terapia de reversão de sexualidade, o mote ideal para conseguir notoriedade pública dentro do seu segmento religioso. Adota o discurso de perseguida por manifestar sua crença religiosa, esconde covenientemente os reais motivos que a levaram a ser cassada. O fato é que ela já é pré-candidata a deputada federal pelo PSC-Paraná e deve eleita com a notoriedade que ganhou com todo esse caso. Quero destacar que não questiono o fato de Marisa acreditar que do ponto de vista religioso, os comportamentos não heteronormativos sejam considerados doenças, portanto passíveis de cura, ou até mesmo influência demoníaca. O grande problema encontra-se em misturar a psicologia e religião, numa comparação que pretendo que seja didática, seria o mesmo que o Sistema Conselhos de Psicologia não punisse a prática da Terapia de Vidas Passadas (TVP), porque a reencarnação faz parte dos dogmas religiosos do espiritismo. A Psicologia existe enquanto ciência e profissão e assim deve continuar, baseando suas práticas em princípios racionais, rigor metodológico e ética comprometida com a promoção dos Direitos Humanos. Infelizmente o que Marisa Lobo e alguns outros da psicologia fazem é enviesar o trabalho e produção de uma categoria profissional que tem como princípio norteador a proteção da diversidade, transformando-o em mais um mecanismo de discriminação e manutenção de sofrimento psíquico. (Foto de capa: Agência Câmara)