Estados Unidos: Os outros socialistas

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O adjetivo de “socialista” lançado por John McCain e Sarah Palin contra Barack Obama apresenta um tema pendente que deverá ser resolvido na época em começará em janeiro com a posse do senador de Chicago. Feito com má intenção, o aparente insulto deveria se converter em um positivo comentário se for levado em conta o interesse nacional dos Estados Unidos em pleno século XXI. Os amigos e aliados serão precisamente “os socialistas”. Ao que parece, a alusão se deve ao fato de o programa de reduções de impostos de Obama permitir melhor redistribuição da renda. Isso equivale a “socialismo”, segundo a dupla republicana. Palin foi mais longe. Tentou injetar medo em sua audiência: Obama capturaria o bem ganho sustento da classe média e os dividiria. Isso é o anátema do sonho americano.

A redistribuição “socialista” se consegue por meio de diferentes graus do estado do bem-estar. Contra o que McCain e Palin podem fazer crer aos seus seguidores, não é um invento “socialista”. Pode ser rastreado ao regime do Kaiser alemão e a qualquer reformismo capitalista da segunda metade do século XIX que se propusesse a enfrentar os efeitos nocivos da Revolução Industrial que geraram o marxismo. Desde o começo do século passado os partidos social-democratas adotaram em seu programa tanto os campos da incipiente seguridade social quanto a proteção dos direitos trabalhistas. Sem renunciar a capturar o poder, como todo movimento político, rechaçaram o processo violento e monopolista dos partidos ortodoxamente comunistas. Com o surgimento da Revolução Russa, o divórcio foi total. Depois da Segunda Guerra Mundial confirmou-se a autonomia dos partidos que se consideravam social-democratas, ao nível de independência dos de origem trabalhista.

A linha divisória na Europa foi dada pela decisão de Willy Brandt, secretário-geral do Partido Socialista alemão que em 1959 conseguiu extrair a decisão de renúncia aos métodos do marxismo. Este procedimento foi se repetindo em partidos afins no cenário europeu. Com o renascimento da democracia na Espanha, em plena transição do franquismo para a monarquia parlamentar, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) enfrentou um controverso congresso em 1979. Capturada sua tradicional direção do exílio para o interior do país, o jovem secretário-geral Felipe González obrigou o partido a fazer uma transformação semelhante à de seu mentor Brandt. Em 1982 ganhou as eleições gerais.

O PSOE se integrava em uma organização de alcance mundial, a Internacional Socialista (IS), composta por partidos social-democratas e trabalhistas e socialistas. Atualmente tem 159 partidos políticos e organizações espalhadas pelos cinco continentes. Criada em um congresso realizado em 1951 em Frankfurt, seus membros estão ativos nas mais importantes democracias, ocupando os centros de poder efetivo em numerosos países. Com sede em Londres, a IS é governada por um congresso cujo presidente atual é George A. Papandreou, presidente do grego Pasok. Entre seus ex-presidentes destacam-se o próprio Willy Brande; o primeiro-ministro da França, Pierre Mauroy, e o português Antonio Gutierres.

Entre os dirigentes social-democratas destacam-se Ben Gurion e Golda Meier de Israel, François Mitterrand da França e Mário Soares de Portugal. Seu assassinato evitou que Benazir Butto do Paquistão engrossasse a lista. Os partidos socialistas estão no governo em 33 países e presentes em coalizão em outros 20. Na Europa, destaca-se hoje o primeiro-ministro trabalhista britânico Gordon Brown, como sucessor de Tony Blair e herdeiro de uma evolucionada Terceira Via que adotou medidas liberais. A Península Ibérica está ocupada pelos socialistas José Luis Rodríguez Zapatero na Espanha e José Sócrates em Portugal. Entre os membros da espetacular ampliação européia se destacam os governos da Hungria, Eslovênia, Bósnia e Estônia. No Parlamento da União Européia o grupo socialista somente é superado pelo democrata-cristão/conservador.

As antípodas estão controladas pelos trabalhistas Kevin Rudd na Austrália e Hellen Clark (a única mulher do grupo, junto com Michelle Bachelet) na Nova Zelândia. Na América Latina, a estrela é Bachellet do Chile, cujo partido Socialista forma com a Democracia Cristã uma coalizão eleitoral modelo e efetiva. Na América Central, um trio social-democrata se destaca: Álvaro Colom na Guatemala, Oscar Arias na costa Rica (liderando o partido fundado por José Figueres), Martín Torrijos no Panamá. Alan García conseguiu uma segunda oportunidade de exercer a presidência à frente do PARA, fundado por Victor Raúl Haya de la Torre, o primeiro a evoluir do marxismo para a social-democracia. A presença socialista inclui os governos de Brasil, Paraguai e Uruguai.

Onde antes brilhou a chamada esquerda democrática latino-americana, como alternativa ao populismo autoritário e às velhas ditaduras, o ramo centro-esquerda do Partido Democrata norte-americano deverá reviver a latente social-democracia dos planos de Bill Clinton, a Grande Sociedade de Lindon B. Johnson, e o New Deal de Franklin D. Roosevelt. Com o desastre financeiro, o presidente Obama não terá outro remédio. (IPS/Envolverde)

Envolverde/IPS