EUA: o medo como eterno trunfo na propaganda de guerra

Pesquisas indicam que em setembro, sempre uma boa época para a propaganda de guerra por conta dos ataques de 2001, a população norte-americana "venceu" o cansaço de guerra e agora apoia nova incursão no Iraque.

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Pesquisas indicam que em setembro, sempre uma boa época para a propaganda de guerra por conta dos ataques de 2001, a população norte-americana "venceu" o cansaço de guerra e agora apoia nova incursão no Iraque Por Ben Schreiner, em Counterpunch | Tradução: Vinicius Gomes Para aqueles que duvidam da efetividade da máquina de propaganda em massa dos Estados Unidos – o porto-seguro da “imprensa livre” – seria interessante examinar a incrível guinada da opinião pública sobre a reintrodução de forças norte-americanas no Iraque. No início do verão do hemisfério norte, alguns meses atrás, quando a máquina de propaganda estava completamente focada na demonização do Camarada Putin da Rússia Vermelha, apenas uma pequena parte de norte-americanos expressava apoio a um dos maiores passatempos dos EUA: jogar bombas no Iraque. Todavia, quando chega setembro, tal apoio subitamente cresce para incríveis 71%. Ainda mais incrível, uma pesquisa encomendada pela NBC/Wall Street Journal constatou que 34% da população são favoráveis à invasão terrestre de soldados para lutar contra o Estado Islâmico – leia-se, uma ameaça “além de qualquer coisa já vista antes”. O que aconteceu? Afinal de contas, não precisa voltar muito no tempo para relembrar como a elite do poder reclamava publicamente uma suposta “fatiga de guerra”. E agora, em meio a uma contínua crise socioeconômica interna, foi aberto o espaço político necessário para que o Congresso norte-americano aprovasse milhões de dólares em gastos militares na luta conta os rebeldes islâmicos, sem levantar um mínimo que fosse de indignação popular. No início de agosto, o presidente Barack Obama anunciou, primeiramente, o uso de ataques aéreos contra o Estado Islâmico, no norte do Iraque, “para evitar um potencial genocídio” contra os yazidis, uma minoria local da região. Por conta disso, como a doutrina de “responsabilidade em proteger” dita, o poder militar norte-americano é a última fortaleza contra o genocídio. Isto é, “genocídio” cometido por “caras maus”, que por acaso controlam importantes regiões geopolíticas, como: Iraque, Sérvia, Iraque, Líbia, Iraque, etc. Quanto aos genocídios cometidos pelos “bonzinhos”, bem, a “única democracia no Oriente Médio” tem o direito de se defender contra “terroristas”. Mas todas as historinhas contadas sobre os yazidis sitiados sendo resgatados pelas armas, metralhando a ajuda humanitária dos militares norte-americanos, não eram o suficiente para comover o público dos EUA para uma guerra de verdade. A ressaca da Guerra do Iraque – Parte 2 ainda persistia. Compreensivamente, uma vez que a guerra lançada para evitar uma guerra (defesa preventiva) deixou um buraco de mais de 3 trilhões de dólares nos cofres norte-americanos, isso sem mencionar os milhares de soldados norte-americanos mortos e mutilados, além dos milhões de vítimas iraquianas. Então, por mais que tentasse, a “respeitável mídia” não poderia vender a prevenção de um “genocídio” como casus belli para um público ainda cansado de guerras. O mantra da responsabilidade em proteger dos liberais intervencionistas tinha, claramente, seus limites. Então, chegou a hora para a carta super-trunfo da máquina de propaganda: o medo. Em 19 de agosto, o Estado Islâmico publicou na internet um vídeo que tencionava mostrar a decapitação do jornalista norte-americano James Foley. Logo depois, dois outros vídeos que, supostamente, mostravam a decapitação do também jornalista Steven Sotloff e do funcionário humanitário britânico David Haines. Tais crimes eram exatamente o que os falcões de guerra em Washington precisavam para trazer mais para perto o povo norte-americano. De fato, para uma cultura obcecada com o culto do pensamento positivo, sempre existe um lado bom das cosias, até mesmo em decapitações. Ainda assim, os macabros vídeos do Estado Islâmico só poderiam levar o público dos EUA a abandonar sua perigosa tendência isolacionista por meio de suados esforços da “imprensa livre”. Então, os habilidosos propagandistas rapidamente foram ao trabalho, com o Estado Islâmico cortador-de-cabeças sendo apresentado como a maior ameaça dos EUA – e as agências de inteligência dizendo o contrário que se danem. E, em reconhecimento ao trabalho deles, o povo norte-americano tem agora nove entre dez pessoas considerando o Estado Islâmico uma “séria ameaça aos interesses vitais dos EUA”. Os “interesses vitais dos EUA”, obviamente, são aqueles que significam interesses das corporações dos EUA, os quais, na realidade, vão na direção contrária aos interesses da maioria, até mesmo da maioria que trabalha duro nessas corporações. Dentro da câmara de eco reverberando com os gritos agudos daqueles que alertam que o Estado Islâmico está trabalhando para “matar todos os norte-americanos”, uma ameaça à classe elitista é transformada em uma ameaça ao sublime American Way of Life. Ou seja, uma ameaça aos direitos divinos dos cidadãos comuns de correrem para a peregrinação anual à uma loja da Apple a fim de prestar suas homenagens a uma nova repetição do iPhone. Então, se um bando de monstros estilo Frankenstein – criado pelos EUA – andando pelo Iraque e pela Síria estão ameaçando essa vida, uma vida de delicioso consumismo construída com fundações de petróleo barato sendo controlado pelos EUA e seus clientes, “alguma coisa”, claramente, deve ser feita. Obviamente, os choros para “alguma coisa”  ser feita são superadas apenas pelos nefastos eufemismos de deixar “todas as opções em aberto”; pois o “alguma coisa” a ser feita nos EUA consumidos pelo medo, inevitavelmente envolve o bombardeio de algum país e um povo estrangeiro. Afinal de contas, fazer alguma coisa é sempre melhor do que não fazer nada. Pode-se imaginar o que futuros historiadores do império norte-americano irão escrever sobre a facilidade com que suas elites foram capazes de repetidamente tranquilizar a agitada psique norte-americana através de pacotes cuidadosamente planejados de bombas norte-americanas explodindo pessoas em pedaços. Todavia, para a maioria da população dos EUA, tal distanciamento de realidade representa sua própria experiência da exportação favorita de seu país. “O maior triunfo da realidade virtual é a guerra”, escreveu Sheldon Wolin, em Democracy Inc. “A guerra é uma jogo de ação, jogado na sala de estar ou um espetáculo em uma tela, mas, nos dois casos, não são experimentadas de verdade”, continua Wolin. “O dia a dia continua normalmente de maneira ininterrupta: trabalho, recreação, esportes, família, viagens. Após o 11 de Setembro, o terrorismo se tornou outra realidade virtual, experimentada apenas através de imagens recriadas”. E quando a guerra é entregue como um pouco mais do que um espetáculo digital, as pessoas devem se forçar a manter a cabeça no lugar (literalmente, como alguns diriam), pois o cansaço de guerra pode ser vencido com assombrosa velocidade. O medo sempre reproduz hostilidade. O atual apoio público para começar mais uma barbárie imperialista, vinda da maior ameaça à paz mundial, representa apenas a última evidência do eterno triunfo da propaganda.