EUA insistem na confrontação com o Irã

A disputa em torno do programa nuclear iraniano subiu de tom semana passada, depois de Teerã ter respondido a uma série de atos agressivos dos EUA

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A disputa em torno do programa nuclear iraniano subiu de tom semana passada, depois de Teerã ter respondido a uma série de atos agressivos dos EUA Por Al-Ahram Weekly, Cairo A disputa em torno do programa nuclear iraniano subiu de tom semana passada, depois de Teerã ter respondido a uma série de atos agressivos dos EUA, primeiro em tom também agressivo, depois com aparente disposição para a conciliação e, finalmente, em aberto desafio. A temperatura começou a subir quando os EUA anunciaram, dia 31 de janeiro, que estavam enviando barcos de combate para missão de patrulha permanente da costa iraniana e estacionando um sistema “de defesa” com mísseis Patriot no Catar, nos Emirados Árabes Unidos, no Bahrain e no Kuwait – para acrescentarem-se aos sistemas Patriot já estacionados em Israel e na Arábia Saudita. Todos dirigidos contra o mesmo inimigo. “O Irã é claramente uma ameaça muito grave do outro lado do front do Golfo”, disse o general David Petraeus, principal comandante militar dos EUA no Oriente Médio, em conferência em Washington dia 22/1. Combinado com movimentos liderados pelos EUA para impor uma quarta rodada de sanções mediante o Conselho de Segurança da ONU, os deslocamentos são meios para aumentar a pressão para impedir que o país dê andamento a um programa nuclear, que o Irã garante que está de acordo com o que exigem as leis internacionais, mas que, para EUA, Europa, Israel e alguns Estados árabes, seria cobertura para o projeto iraniano de tornar-se o décimo Estado do planeta armado com bombas atômicas. Tudo isso indica também uma mudança na política do governo Obama, de uma posição de conciliação e diálogo, para uma posição de confrontação. As primeiras reações do Irã mostraram alguma confusão. O ministro das Relações Exteriores disse que com os novos movimentos Washington trabalha para inventar uma “Irãfobia” entre os Estados do Golfo. O ministério da Defesa disparou um foguete espacial que conduzia “uma cápsula experimental” que, na opinião dos poderes ocidentais, poderia ser um protótipo de ogiva nuclear. Em seguida, esses “atos de provocação” (na avaliação de Washington) deram lugar a declarações que foram as mais conciliatórias que o Irã emite dos últimos meses. Em outubro, a Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] propôs uma fórmula que, pelo menos em parte, poderia esvaziar a crise: o Irã comprometer-se-ia a exportar 70% de seu estoque de urânio baixamente refinado para ser enriquecido na Rússia e na França, onde seria convertido em combustível para alimentar o reator em Teerã. O Irã rejeitou a proposta, sob a alegação de que, uma vez exportado, nada garantiria que o urânio fosse devolvido. Mais tarde, dia 2/2, o presidente Mahmoud Ahmadinejad disse, em entrevista à televisão estatal iraniana, que essa teria sido uma interpretação errada de suas declarações. “Se pudermos supervisionar a viagem do urânio [para França e Rússia, ida e volta], não há problema algum. Assinamos um contrato pelo qual entregaremos urânio refinado a 3,5% e o receberemos refinado a 20%, depois de quatro, cinco meses”. Em reunião com a IAEA dia 6/2, o ministro das Relações Exteriores do Irã Manouchehr Mottaki estava animado. “Nos aproximamos, afinal, de um acordo que pode ser aceito por todas as partes” – disse. A principal restrição que ainda precisava ser negociada era que o Irã – não a IAEA – decidiria quanto à quantidade de urânio a ser refinado. Foi onde tudo emperrou, porque a porcentagem de 70% do estoque de urânio a ser enviado para refino no exterior havia sido fixada pela IAEA com o objetivo de impedir que o Irã se tornasse capaz de fabricar uma bomba atômica. Considerados hoje, nem o comentário nem a posterior explicação de Ahmadinejad parecem ter sido resultado de negociação ou proposta séria. No dia seguinte, ordenou à Agência de Energia Atômica Iraniana que “dê início ao refino [do urânio] até 20%”, ao mesmo tempo em que “o caminho da cooperação permanece aberto, se eles [a IAEA] voltarem atrás e concordarem com modificar as precondições do acordo.” Se prosseguir esse processo, o Irã abrirá nova frente de discordância com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Se refinar o urânio até 20%, o país demonstrará que em pouco tempo terá condições para produzir o urânio refinado a 90% necessário para produzir armas atômicas, dizem os especialistas. O mais provável é que sejam frases de impacto, importantes no contexto da política interna do Irã. Os mesmos especialistas dizem que a indústria nuclear iraniana ainda não controla a tecnologia necessária para refinar urânio a 20%. Mas ainda que sejam só frases de efeito, bastaram para unir todas as potências ocidentais que creem que o único modo efetivo para submeter o Irã seria impor-lhe sanções, muito mais do que oferecer-lhe condições de negociação ou de cooperação. Sobre o mais recente movimento do Irã, o secretário de Defesa Robert Gates disse: “O único caminho que nos resta, agora, é pressionar. Mas é indispensável que todas as potências trabalhem unidas.” As cinco potências do Conselho de Segurança, contudo, não estão trabalhando unidas. Os EUA, o Reino Unido e a França querem sanções “fortes”, mirando particularmente os Guardas da Guarda Revolucionária Iraniana: defensores do programa nuclear e principal força de repressão do movimento anti-Ahmadinejad que cresceu depois das eleições presidenciais. Mas a China – que importa do Irã 15% do petróleo que consome – opõe-se. E a Rússia, co-construtora histórica da indústria nucelar iraniana, ainda reluta em apoiar as sanções. Depois de reunir-se com Mottaki dia 6/2, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov reconheceu que “o Irã tem preocupações legítimas com a própria segurança”. Também reconheceu que “não podemos tratar o programa nuclear iraniano isoladamente, ignorando o que acontece na Região, inclusive entre Israel e os Estados árabes.” São os dois principais argumentos que o Irã sempre levantou, em todas as negociações. Mas Lavrov também defende que o Irã mande a maior parte de seu urânio para ser refinado no exterior, nos termos da proposta que a IAEA apresentou em outubro. “Criar-se-ia um novo clima mais favorável a negociações produtivas”, disse. Esse sentimento é partilhado pelos aliados do Irã no Conselho de Segurança. Nos últimos meses, a Turquia tem sido muito ativa, denunciando a “hipocrisia” do ocidente, que tanto fala dos riscos criados pelas ambições nucleares do Irã e imediatamente pensa em aplicar sanções, ao mesmo tempo em que admite que Israel mantenha sem sanções, sem monitoramento e, de fato, sem sequer o conhecimento da IAEA, o único e enorme arsenal nuclear real e já existente na região. De qualquer modo, Ankara sabe que o Irã não poderá combater as sanções se não construir alianças regionais, nem poderá postar-se contra as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, cuja autoridade, em outros conflitos, o Irã frequentemente invoca. O artigo original, em inglês, pode ser lido em: http://weekly.ahram.org.eg/2010/985/in1.htm Traduzido por Caia Fittipaldi.