Exclusivo: A liberdade a poucos metros do mar

Na segunda reportagem especial da Fórum sobre a tragédia do óleo nas praias nordestinas, as histórias de um detento no regime aberto, um bugueiro e um pescador, que se cruzam no esforço de limpar as praias e garantir a subsistência da região

Detentos participam da limpeza do mar - Fotos: Wilfred Gadêlha
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Por Wilfred Gadêlha* De frente pro mar, a sensação é de liberdade. É o que diz sentir Diogo Manoel dos Santos, 35 anos. Ele é mais uma das centenas de pessoas que estão trabalhando para limpar as praias de Alagoas do flagelo que vem do oceano. Filho e neto de pescadores, Diogo sorri quando fala sobre o oceano: “Sou apaixonado pelo mar. Se eu pudesse, eu dava um mergulho”. Só que ele, assim como outros 59 reeducandos do sistema prisional alagoano, não pode. Diogo integra uma turma de detentos que fazem parte do projeto "Uma Nova História", da Secretaria Estadual de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) e que estavam em pleno trabalho nesta quinta-feira (24), segundo dia da cobertura especial da Fórum sobre a tragédia nas praias nordestinas. No rastro do crime ambiental nas praias do Nordeste: Ajude a Revista Fórum a mergulhar na realidade dessa grande tragédia [caption id="attachment_192363" align="alignnone" width="500"] Diogo Manoel dos Santos[/caption] Condenado por assalto, Diogo já está no regime aberto e pôde falar com a reportagem, em uma praia de Japaratinga, no litoral norte de Alagoas. “Eu sou a prova da ressocialização. Estou há sete dias aqui, ajudando a limpar as praias. É triste, mas faço com todo o prazer”, afirma ele. Poucos quilômetros depois ao sul dali, a situação era um pouco diferente: policiais fortemente armados faziam a escolta de outra turma de detentos, estes em regime fechado. Para falar com a Fórum, só com autorização judicial. Em Maragogi, ao norte de Japaratinga, o óleo já “foi”. Mas continua. Explicamos: desde a semana passada, toneladas de resíduos foram retirados em regime de mutirão, com a participação da população - em especial dos bugueiros, categoria que vive praticamente do turismo. Mas, andando por qualquer pedaço de praia, é possível se deparar com as pegajosas manchas de óleo na areia. Alheios ao forte cheiro de petróleo, turistas, incluindo crianças, tomavam banho de mar como se nada estivesse acontecendo. [caption id="attachment_192364" align="alignnone" width="500"] Jeovane de Carvalho Ferreira[/caption] É esta a impressão que parte das pessoas que vivem do turismo fazem questão de passar: a de que, apesar do óleo, a vida continua. “Nós dependemos do turismo. Semana passada foi muito fraco. Fizemos um mutirão e tiramos 20 caçambas de piche e areia, das sete da noite à uma da manhã”, conta o bugueiro Jeovane de Carvalho Ferreira. Outro profissional da categoria que não quis se identificar reclama que da mídia. E chega a “acusar” a concorrente Porto de Galinhas, em Pernambuco, de querer prejudicar Maragogi. Sacos de óleo Mais ao sul, em Coruripe, um grupo de pescadores recebe a reportagem apontando para dezenas de sacos de óleo e areia depositados quase em frente à igrejinha da praia de Pontal. Foi o resultado do trabalho dos voluntários. O cheiro, como em Maragogi, arde nas narinas. [caption id="attachment_192365" align="alignnone" width="500"] Sacos de óleo retirados por voluntários[/caption] Luiz Lassi Loóes, 78 anos, pesca desde menino. “Eu ia com meu pai. Ia pescar na Lagoa do Pau. Quando eu chegava, o pé tava todo melado de piche. Aí minha mãe raspava um coco e passava no meu pé para não melar o lençol de saco de açúcar”, lembra ele. “Depois, passava um tempo sem piche, mas aparecia de novo. Mas como esse de agora, nunca vi”. Ele brinca dizendo que a situação não é tão ruim quanto parece. “O peixe fica embaixo. E o piche boia. Mas se vier melado, eu como”, gargalha. “Vamos ver no que vai dar". [caption id="attachment_192366" align="alignnone" width="500"] O pescador Luiz Lassi Loóes[/caption] Nesta sexta (25), a reportagem entra no terceiro dia de estrada. O destino será a foz do Rio São Francisco, no município de Piaçabuçu. Vamos mostrar o receio que a população local tem que as manchas de óleo entrem pelo Velho Chico. Também vamos a Atalaia, a mais famosa praia da capital de Sergipe. Assista ao vídeo: https://youtu.be/1pFcupsPRZc *Wilfred Gadêlha é jornalista, formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Atuou como repórter e editor de periódicos como Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio, cobriu assuntos como o terremoto do Haiti, a visita do papa Bento XVI ao Brasil, cúpulas Brasil- União Europeia e esteve nos Estados Unidos a convite do Departamento de Estado, além de publicar textos em IstoÉ, O Estado de S. Paulo e O Globo. É autor do livro Pesado – Origem e Consolidação do Metal em Pernambuco, que já está em sua segunda edição. Escreveu o argumento e o roteiro e conduziu as entrevistas do documentário Pesado – Que Som É Esse Que Vem de Pernambuco?