Exclusivo: União Europeia chega a acordo histórico, mas retoma atritos entre ricos e pobres do bloco

Em reunião que durou cinco dias e teve mais de 90 horas de tensas negociações, líderes definiram plano que libera 1,8 trilhão de euros para enfrentar impactos da pandemia de coronavírus na economia; entenda

O Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica (Foto: Ricardo Ribeiro/Fórum)
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de Bruxelas (Bélgica)

Os 27 chefes de Estado e governo dos países membros da União Europeia aprovaram nesta terça-feira (21) um pacote para apoiar a recuperação da economia do bloco diante dos impactos da pandemia de coronavírus no valor total de 1,82 trilhão de euros, o maior da história. No entanto, as negociações e o próprio resultado expuseram velhas feridas da crise de 2008 e retomaram atritos entre os países ricos e "pobres" da UE.

O acordo cria um fundo de recuperação no valor de 750 bilhões de euros, financiado através da emissão de dívida conjunta da União Europeia, o que era ponto de discórdia entre os países, e que se soma a aprovação de um quadro financeiro plurianual para 2021-2027 de 1,074 trilhão de euros. O fundo é dividido em 390 bilhões atribuídos em subvenções (transferências a fundo perdido) e os restantes 360 bilhões em forma de empréstimo.

Os líderes aprovaram as propostas por unanimidade, mas apenas depois de mais de 91 horas de tensas negociações, em uma reunião que durou cinco dias, acompanhada pela Fórum. Foi a mais longa do bloco desde 2000, quando um encontro do Conselho Europeu teve duração equivalente.

Na primeira reunião presencial após a pandemia, presidentes e primeiros-ministros se cumprimentaram com cotoveladas e usaram máscaras. Os trabalhos começaram na última sexta-feira, 17 de julho, e o martelo só foi batido na madrugada deste 21 de julho, por volta das 5h30 (horário de Bruxelas). O Conselho Europeu reúne os chefes de estado e de governo dos países membros e os presidentes do Parlamento e da Comissão Europeia.

O acordo foi definido como "histórico" por diversos desses líderes, como o presidente Francês, Emmanuel Macron, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro, português António Costa, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Um dos mais entusiasmados com o resultado foi o atual presidente do Conselho Europeu, o primeiro-ministro belga Charles Michel. Daqui enviamos um forte sinal de confiança e de unidade. A Europa está presente”, afirmou.

Michael destacou que o acordo é fruto da “magia do projecto europeu”, baseado no respeito e na cooperação, e não é apenas sobre dinheiro. “É sobre famílias e trabalhadores, os seus empregos, a sua saúde e o seu bem-estar", completou o premiê belga.

Angela Merkel admitiu que "não foi fácil", mas também fez uma avaliação positiva. "Conseguimos um bom resultado e fico feliz com isso", disse a chanceler alemã. "Não existe um mundo perfeito, mas fizemos progressos. Foi um dia histórico para a Europa", resumiu Emmanuel Macron.

Entre os países que mais devem receber recursos estão Espanha (140 bilhões de euros), Itália (209 bilhões) e Grécia (72 bilhões). Portugal deve receber 45 bilhões de euros.

Os frugais

Não foram ouvidos, porém, festejos em holandês. "O resultado é um bom pacote que salvaguarda os interesses holandeses e que tornará a Europa mais forte e mais resiliente", declarou o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, que discordou do uso da palavra "histórico".

Rutte liderou o grupo de países contrários a uma divisão mais igualitária dos prejuízos da crise do coronavírus, que inclui Áustria, Dinamarca e Suécia. Com economias internas em melhores condições, o grupo também queria um plano de apoio financeiro mais restrito.

Esses países, que passaram a ser chamados de "os frugais", não conseguiram impedir a aprovação do acordo. No entanto, a pressão do grupo reduziu os valores a fundo perdido e impôs uma série de condições para a autorização e execução dos planos nacionais de recuperação de cada Estado membro. 

Os frugais também terão direito a um desconto (“rebate”) significativamente superior nas suas contribuições para os próximos orçamentos comunitário da União Europeia.

Na prática, Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia contribuirão menos para a recuperação e haverá ingerências da Bruxelas na forma como cada país utilizará os recursos de apoio, algo que muitos Estados queriam evitar, diante da experiência amarga que tiveram com os planos de recuperação na sequência da crise de 2008.