A fabulosa geração de gays que nasceu para ser tudo que ninguém quer

Apropriam-se de termos, criam linguagem própria e um andar específico, que desconstrói as prisões do gênero. Se libertam dessa hipermasculinidade tão incensada e tão insensata, que se julga séria, mas foi inventada

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Apropriam-se de termos, criam linguagem própria e um andar específico, que desconstrói as prisões do gênero. Se libertam dessa hipermasculinidade tão incensada e tão insensata, que se julga séria, mas foi inventada Por Fabricio Longo, do Os Entendidos [caption id="attachment_48611" align="alignleft" width="300"](Reprodução) (Reprodução)[/caption] Procuro cara assumido, sem complexo de inferioridade por ser gay, que curta o que quiser na cama, sem achar mais bonito ser ativo que passivo. Pode ser efeminado ou discretinho, só não pode reproduzir homofobia e menosprezar quem não é machão. E que tenha consciência social, sabendo que ainda há muitos direitos a conquistar, além de não ser racista e nem misógino. Se malhar, que seja por gosto e não por pressão externa. Que respeite a todos, sem julgar quem “se dá ao respeito” ou não.*  Infelizmente, essa chamada foi inventada. A rigor, só vemos gays procurando bem-dotado-dominador-macho-sarado-fora-do-meio. Não é curioso que essas preferências sejam exatamente as estimuladas pelo machismo, e que no entanto a justificativa pelo desgosto por tipos diferentes seja sempre “nada contra, questão de gosto”? Que “gosto” é esse, que se molda em uma cultura de opressão? Homens são criados para continuar comandando o mundo. Da mamãe que faz questão de estender a toalha largada na cama, passando pela educação sexual que manda “pegar geral”. Pelo salário superior no mercado de trabalho, até o “direito” de reagir violentamente quando suas vontades ou crenças são desafiadas. Tudo gira em torno do macho. A construção da masculinidade segue padrões rígidos que vão da primeira roupinha azul até a obsessão pelo tamanho do pau. O problema é que essa construção é frágil, ameaçada por qualquer demonstração de “fraqueza”. E nesse idioma, o afeto – e qualquer coisa que seja lida como “feminina” – vira sinal de fragilidade ou emasculação. É por isso que o papel da BICHA é tão baixo, tão ofensivo. É o homem abrindo mão de alguns dos seus privilégios – é impossível abrir mão de todos, já que o gênero masculino os carrega por si – para se nivelar por baixo. É como se a bicha desafiasse a estrutura de poder somente por existir. E uma ameaça deve sempre ser eliminada, seja a socos e lampadadas, seja através da desumanização provocada pela exclusão social. Só que há gays que resistem. São bichas destruidoras mesmo, viu viado? São os homens que andam de salto ou com maquiagem, que respondem às ofensas com um arquear de sobrancelhas. São os lírous, que levantam suas patas e batem o cabelo – mesmo quando o picumã é imaginário – ao som de Beyoncé. São os funkeiros, que se jogam no chão de perna aberta. Não admitem mimimi homofóbico e VRÁÁÁ, fecham! O quê? O tempo, meu amor! O choro é livre e nada é mais hidratante que as lágrimas das inimigas. Apropriam-se de termos, criam linguagem própria e um andar específico, que desconstrói as prisões do gênero. Se libertam dessa hipermasculinidade tão incensada e tão insensata, que se julga séria, mas foi inventada. São os xingados, os agredidos, os não curtidos e não procurados. Eles são considerados uma vergonha e responsabilizados por todo o mal que nos aflige. Não “se dão ao respeito”. Por isso, esses caras lacram. Respeito não se pede e nem se conquista, é um direito universal. Desde a criação da identidade gay – essa caixa na qual foram colocados os mais variados tipos de homossexuais – existe uma guerra por aceitação. Um grito urgente de “estamos aqui, somos assim e fazemos parte da sociedade também”. Adequar-se aos padrões do mainstream talvez seja uma escolha válida em âmbito pessoal, para alguns, mas resistir ao status quo também é preciso. Não há nenhum desrespeito em não se deixar invisibilizar por normas machistas de comportamento e desejo. Ninguém quer esse TIPO de gay porque ele é viado, é bicha, é boiola, é baitola e mulherzinha. É o filho do vizinho. Se for nosso, é homossexual. Esse “gay ideal” que é um cidadão comum, sem trejeitos, que não faz alarde de sua vida e que jamais ofenderia a sociedade com demonstrações públicas de afeto. É aquele amigo culto que você nem diz que “por acaso é”. É aquele gay inofensivo que fica muito revoltado quando uma bichona joga sua reputação na lama. Para começo de conversa, a homofobia é culpada por privar os sujeitos de sua identidade. Sempre que o indivíduo homossexual faz alguma coisa, o julgamento é de que a homossexualidade é a causa. Se ele é criminoso, é porque esses viados são uns degenerados. Se ele é educado, é porque esses gayzinhos são tão bonzinhos. E isso faz tanto sentido quanto dizer que todo brasileiro é malandro… Ninguém foi educado para aceitar o diferente. Fomos educados a temer e a reprimir – às vezes com violência – o que ameaça a nossa zona de conforto. É por isso que nem os próprios gays aceitam sua diversidade. Acontece que nós somos muitos, todos diferentes. Aceita, que dói menos. Drags, gírias, lápis no olho, passos de dança… São gritos de resistência! É a cultura que lutou para que gays pudessem até se casar, adotar crianças e viver discretamente atrás de cercas brancas, e que agora se recusa a morrer engolida por suas conquistas. Todos querem aceitação, mas ela não pode vir com imposições. É para aceitar, não para tolerar. By the way, quem só come também é viado. Liberte-se, seja qual for o seu caminho. Nós não devemos nada por sermos quem somos. E isso é fabuloso! * Livremente inspirado no texto “A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo que um homem não quer”.