Fim da TV Escola vai contra discurso de Michelle Bolsonaro e prejudica 10 milhões de surdos

O fim do contrato e o despejo do prédio do Ministério da Educação da Associação Roquette Pinto, que era responsável pelo conteúdo da TV Escola, vai prejudicar diretamente 10 milhões de pessoas surdas, que se beneficiavam com recursos de acessibilidade criados pela entidade

Michelle Bolsonaro discursa em libras no Parlatório do Palácio do Planalto ao lado de Jair Bolsonaro (Foto: Agência Brasil)
Escrito en POLÍTICA el
Dizendo-se adepta de um modelo de educação inclusivo, a primeira-dama Michelle Bolsonaro marcou a posse presidencial com um discurso em libras no parlatório do Palácio do Planalto. Na prática, porém, o governo do marido, Jair Bolsonaro rema em direção contrária. O fim do contrato e o despejo do prédio do Ministério da Educação da Associação Roquette Pinto, que era responsável pelo conteúdo da TV Escola, vai prejudicar diretamente 10 milhões de pessoas surdas, que se beneficiavam com recursos de acessibilidade criados pela entidade. "A atenção às necessidades de nosso público também fez com que o canal investisse em acessibilidade: com recursos de closed caption (legenda oculta), audiodescrição e tradução em LIBRAS. Tudo isso é fruto da expertise desenvolvida pela equipe da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto", diz trecho da nota divulgada por funcionários e funcionárias da Acerp. Leia a nota na íntegra. Nós, funcionários e funcionárias da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, a ACERP, reunidos em assembleia, vimos a público manifestar apreensão pelas últimas notícias que, desde sexta-feira, 13/12, dão conta da não renovação, pelo MEC, do contrato de gestão da TV Escola. Desde que esses fatos se tornaram públicos, 367 famílias vivem momentos de angústia e medo. A Roquette Pinto é a instituição responsável pela produção e operação da TV Escola desde o lançamento do canal, em 1996. Há décadas a ACERP carrega o legado do educador Edgard Roquette-Pinto, e tem um histórico compromisso com a democratização do acesso ao conhecimento e a defesa da educação pública do país. Um compromisso que também é de todos e todas nós. Ao longo de mais de 20 anos de existência, a TV Escola sempre se pautou pela pluralidade de ideias e pela qualidade de seus programas, muitos premiados no exterior. A atenção às necessidades de nosso público também fez com que o canal investisse em acessibilidade: com recursos de closed caption (legenda oculta), audiodescrição e tradução em LIBRAS. Tudo isso é fruto da expertise desenvolvida pela equipe da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto. Não medimos o sucesso de nossa programação por meio de índices de audiência. Esse nunca foi um parâmetro. O que nos orienta é a certeza da utilização de nossos programas em salas de aula; em cursos de formação de professores e em outras iniciativas voltadas à capacitação de estudantes e profissionais de educação. Estamos alinhados em defesa de uma educação pública de qualidade, que seja laica, inclusiva e democrática! Reafirmamos nosso total respeito aos educadores, educadoras, alunos e alunas deste país, que há mais de 20 anos acompanham e contam com a nossa programação para divulgar as inúmeras experiências bem-sucedidas em curso nas escolas públicas brasileiras; bem como na divulgação e nas discussões acerca das políticas públicas de educação implementadas no país. Entendemos que só o investimento em educação pode garantir que o Brasil cresça e que nossa sociedade se torne mais justa. Nesse sentido, a TV Escola é uma contribuição fundamental, sobretudo em municípios que não possuem recursos ou estrutura para promover iniciativas de formação continuada de professores. Também expressamos nossa preocupação com o futuro da TV INES, a única emissora voltada para a comunidade surda do país – com programação em LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais. Não há garantias de que o contrato de prestação de serviço para gestão da TV INES se manterá sem o suporte da TV Escola, uma vez que os dois canais compartilham a estrutura física, equipamentos e equipes, em diversas áreas. A Cinemateca Brasileira, também gerida pela ACERP, é outro patrimônio brasileiro ameaçado. Lá, desenvolvemos um precioso trabalho de recuperação e digitalização de um rico acervo da cinematografia brasileira. A não renovação do contrato de gestão da TV Escola com a ACERP compromete todas essas atividades. Atinge frontalmente nosso compromisso histórico de contribuir para a melhoria da qualidade da educação nas escolas do país. Atinge igualmente a possibilidade de construirmos uma sociedade na qual surdos e ouvintes tenham acesso à informação e à cultura. E atinge, também, a preservação da memória do cinema e da cultura brasileiros. Essa luta não é apenas nossa. Todo o Brasil deveria se preocupar quando instituições como essa que representamos se veem ameaçadas. Funcionários da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, em assembleia. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 2019.