Fórum nas bancas: a internet e as eleições de 2010

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A Câmara dos Deputados aprovou, no início de julho, projeto de autoria do deputado Flávio Dino (PC do B-MA) que indicava uma série de modificações na legislação eleitoral. Estímulos (acompanhados de punição para quem não os seguir) à participação feminina, obrigatoriedade de se portar um documento com foto no momento da votação e impressão do voto eletrônico estão entre as medidas presentes no projeto 5498/09, que agora tramita no Senado. Mas a questão que mais repercutiu entre as medidas apresentadas por Dino foi uma nova regulamentação para o uso da internet nas campanhas. Entre outros fatores, a proposta permitiu a presença de mais páginas ligadas à campanha, a produção e veiculação de vídeos e outros materiais em sites, a participação ativa de candidatos em redes sociais e a possibilidade de captação de contribuições financeiras via página oficial do candidato.

Tais propostas soaram como uma resposta do Brasil ao anacronismo gritante que o país mostrou na corrida eleitoral de 2008. No ano passado, enquanto o mundo celebrava a vitoriosa estratégia de Barack Obama, que usou e muito a internet em sua campanha à presidência dos EUA, o Brasil via seus candidatos sendo obrigados a restringir sua participação na rede aos nada convidativos sites com extensão .can.br. A criação de vídeos no Youtube, por exemplo, estava proibida.

A proposta de Dino ampliou as possibilidades e já sugere que a internet pode ser um dos fatores-chave para a corrida eleitoral de 2010, mas há quem veja no projeto uma proposta ainda tímida para o que a rede efetivamente pode representar. Uma das principais críticas em relação ao projeto é a proibição de anúncios pagos em portais – que sugere uma contradição com o que ocorre nos veículos impressos, onde a publicidade paga é autorizada.

Em entrevista à Fórum, Flávio Dino justifica a medida. “Na imprensa escrita, os anúncios estão restritos a um quarto de página em revistas e um oitavo em jornais. Esse é um parâmetro que funciona, que é respeitado. Como poderíamos fazer um parâmetro desses para a internet? Tenho desafiado todos os que rejeitam essa proposta a sugerir uma regra adequada, e ninguém consegue”.

Para Dino, é preciso que a internet faça efetivamente parte do cenário eleitoral, mas com normas que valem para outros meios de comunicação. “Temos que ter em mente que a internet não é um ‘ser extraterrestre’”, aponta o deputado, enfatizando que, sim, regras são necessárias mesmo nesse meio que tem em sua essência um quê de anárquico.

A complexidade de se regulamentar a internet foi constatada precisamente nas eleições do ano passado. Algumas incoerências foram vistas no Judiciário. “Para te dar um exemplo: no ano passado, os TREs agiram de forma desencontrada, uns liberando tudo e outros proibindo tudo”, diz a deputada Manuela D’Ávila (PC do B-RS).

Neste cenário de imprecisões, alguma “ordem na casa” acaba sendo essencial. Essa é a justificativa que Flávio Dino apresenta às restrições que seu projeto contém. O parlamentar explica que a tradição eleitoral brasileira – exposta, também, nas leis do país – destaca que, além da liberdade de expressão, espera-se que os candidatos tenham igualdade de condições. “Não podemos partir para o modelo americano, em que o dinheiro resolve tudo, e quem tem mais faz o que quiser. Não é essa a nossa cultura”, destaca.

Na outra mão, há avaliações que sugerem que a rigidez proposta indica uma espécie de “temor” dos políticos em relação a um meio de comunicação sobre o qual ainda não há (e, provavelmente, não haverá) um controle. “A verdade é que os políticos estão com medo. É aquele tradicional medo do desconhecido”, conta o consultor e professor Sávio Ximenes Hackradt.

Participação e transparência

Os entusiastas da presença da internet nas campanhas eleitorais brasileiras afirmam que o uso da rede pode fazer com que o debate político ganhe proporções maiores do que as dos dias atuais. Espera-se que a facilidade na troca de comunicações se reverta em maior interesse e participação por parte dos eleitores.

Mais uma vez, o exemplo que norteia a tese vem dos EUA. Um comparativo das votações democratas e republicanas nas eleições presidenciais de 2004 e 2008 mostra o quanto o assunto é preponderante. Barack Obama teve 69.297.997 votos populares no ano passado; em 2004, o derrotado John Kerry teve 57.355.978 (lembrando que os votos populares não determinam a vitória de um candidato, mas são indicadores confiáveis de sucesso eleitoral). Ou seja, o sufrágio democrata teve uma significativa elevação de 12 milhões de votos. Mas quando se analisa a votação republicana é que se percebe com mais clareza o sucesso obtido pela campanha de Barack Obama. George W. Bush teve 60.693.281 votos populares em 2004, enquanto que o derrotado John McCain recebeu 59.597.520. A diferença entre a candidatura vencedora e a derrotada é de pouco mais de um milhão de votos. Com isso, pode se afirmar: mais do que “tirar votos” dos republicanos, a campanha de Obama trouxe votos de quem não compareceu no pleito anterior para os democratas.

O Brasil, diferentemente dos EUA, não tem voto facultativo. Mas, tal qual acontece em outros países do mundo, tem uma massa de cidadãos descrente na política e que não se interessa pelos processos eleitorais. Segundo analistas, a internet é algo que pode atuar contra essa apatia – e conclamando um público habitualmente à parte do processo, os jovens. “Se os jovens se reúnem em sites para discutirem qual o melhor filme, a melhor balada, por que não imaginar que eles possam discutir qual o melhor candidato?”, indaga Hackradt.

As discussões a que Hackradt se refere têm como principal arena o que se convencionou chamar de redes sociais – sites em que pessoas cadastram seus perfis e interagem com amigos ou desconhecidos que tenham interesses comuns. No Brasil, o mais célebre desses é o Orkut, do Google; mas o fenômeno Twitter, o “micro-blog” de 140 toques, tem cada vez mais atraído adeptos.

Inclusive do universo político, evidentemente. O governador José Serra (PSDB-SP) e o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) estão entre os usuários do Twitter – curiosamente, nas redes de ambos a política é coisa rara. É mais fácil vê-los comentando questões dos seus times do coração – Palmeiras e Santos, no caso – do que apresentando plataformas políticas nos 140 caracteres que têm à disposição.

Manuela D’Ávila também está no Twitter, assim como Flávio Dino. Dino, inclusive, ressalta que o uso da internet por ele é uma característica que já vem de tempos, sendo até considerado uma marca de suas campanhas eleitorais. “Na minha campanha à prefeitura de São Luiz (MA) no ano passado, tive um site que recebeu 320 mil acessos”, comenta. Manuela segue a linha: “Eu utilizo a internet para debater propostas e ideias desde 2004. Em 2006, os grandes espaços de debate e mobilização foram as mídias sociais da rede, de que nós participamos ativamente”.

O pesquisador Venício de Lima, autor, entre outras obras, de Mídia: Crise política e poder no Brasil, diz que há um possível efeito contraditório do sucesso das redes sociais que deve ser levado em conta pelos candidatos: “a agrupação em comunidades pode levar no aparecimento de ‘nichos’. Ou seja: um diálogo entre grupos que conversam unicamente entre si. Isso precisa ser quebrado, se se espera uma comunicação mais ampla”.

Se há consenso que a internet modifica o jogo comunicacional e que não pode ser desprezada, a dúvida que fica é: o que permanece do jeito “antigo” de se fazer política? “Acho que nada substitui o contato direto. É com o contato que o eleitor pode elogiar, criticar, desconfiar e exigir compromissos. Eu gosto muito de conversar com as pessoas”, diz a deputada Manuela D’Ávila.

Para Sávio Hackradt, uma falha passível de ser cometida pelos que se entusiasmarem com o momento atual é o desprezo às atividades convencionais da política. “Quem achar que vai ganhar a eleição só com a internet vai cometer um grande erro”, conta. O consultor acrescenta que o momento atual pede uma elevação na transparência – afinal, os deslizes pregressos de um candidato podem ser facilmente descobertos na rede. “O eleitor pode saber, em minutos, qual dos candidatos tem a ‘ficha suja’”, destaca.

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