Fórum nas bancas: O desafio sandinista

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O presidente da Nicarágua recebe visitantes em um gabinete envidraçado recheado de vasos e plantas, de paredes pintadas com cores vivas e um ar condicionado que é propositadamente gelado para, segundo ele, afugentar os temíveis “zancudos”, um mosquito típico da América Central cuja picada causa inveja aos “borrachudos” do litoral paulista. Conta que tomou essa decisão depois que viu o rei da Espanha, Juan Carlos, se debater com um batalhão de insetos que avançara sobre sua cabeça durante um jantar. 

Deve ser por isso que Ortega já chega bem agasalhado para sua conversa com integrantes do Fórum de São Paulo, cujo teor ele autoriza, com novas perguntas, que se transforme em entrevista para a Fórum, único meio de comunicação presente ao encontro. Como não houve prévio aviso sobre o clima frio naquele ambiente presidencial numa Manágua cuja temperatura média nesta época do ano é de 30 graus, sua ordem para desligar o ar condicionado foi considerada uma ação revolucionária, saudada por todos com gritos e palmas de alegria.

Fórum - No ato de 19 de julho o senhor anunciou que pretende trabalhar para que haja um referendo que mude pontos da Constituição, entre os quais o que abre a possibilidade de reeleição. Por quê?

Daniel Ortega - Queremos uma Constituição cidadã cada vez melhor. O povo pode colocar uma pessoa no parlamento, na presidência, e deve poder tirá-la. Os deputados, por exemplo, podem ser eleitos seguidamente. Por que, então, isto não pode ser ampliado para os demais cargos? O povo deve decidir.

Fórum – Mas a oposição demonstrou contrariedade com a sua iniciativa.

Ortega - No meu governo temos buscado a reconciliação nacional, que é o único caminho possível para a paz duradoura. Infelizmente, alguns setores de direita ainda pensam como antigamente, quando bastava pedir ajuda ao “amo imperialista” para derrotar a bandeira da soberania. Foi isto que provocou o assassinato de nosso herói Augusto Cesar Sandino, em 1933. Na verdade, a direita tem medo que o povo diga o que quer.

Fórum - O senhor acha que a direita ainda não aceitou sua vitória?

Ortega - Quando perdemos a eleição em 1990, deixamos um país que vivia grandes dificuldades por conta da guerra suja dos Estados Unidos, do bloqueio econômico e do desmoronamento do bloco socialista, mas que tinha avançado bastante do ponto de vista social, da distribuição da riqueza e da consciência da soberania nacional. A eleição e o respeito ao seu resultado foram provas da convicção democrática do nosso projeto revolucionário. Mas o que aconteceu depois, com 16 anos de governos neoliberais? As terras confiscadas para a reforma agrária retornaram aos seus antigos proprietários, o sistema financeiro e as empresas estatais foram privatizados, o analfabetismo voltou a atingir níveis alarmantes (12,7% em 1990; 29% em 2007).

O país voltou para trás. É claro que estas ações foram contestadas pelo povo a tal ponto que o principal assessor da presidenta Violeta Chamorro chegou a sugerir que eles estavam dispostos a entregar o poder de volta para a FSLN porque não conseguiam mais governar. Inclusive, muitos dos nossos quadros que ocupavam postos de comando na polícia e no exército entraram em crise de consciência porque não queriam reprimir as manifestações da população. Nós dissemos para eles: “Não, vocês têm que ficar onde estão e cumprir as determinações legais com o máximo de respeito ao povo, sem violência”. O que aconteceria se eles abandonassem seus cargos? Seriam nomeados outros, sem história revolucionária, que fariam a guerra contra o povo.

O fato é que os governos neoliberais nos deixaram amarrados com a dependência financeira de organismos internacionais como o FMI e até mesmo com ações de indenização a ex-somozistas. Para citar um exemplo, a senhora Chamorro retirou a demanda de indenização da Nicarágua na Corte Internacional de Justiça de Haia, que condenou o governo dos Estados Unidos pela prática de atos de terrorismo e de financiamento da contra-revolução.

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