FSM em processo: A presença indígena no FSM

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Ilustração Luciano Tasso
Ilustração Luciano TassoNo final deste mês, Belém receberá milhares de pessoas para discutir a Amazônia, tema motivado pelos repetidos alertas que foram dados, nos últimos anos, em relação ao aquecimento global e à crise climática. Trata-se de discutir um modelo de desenvolvimento que seja capaz de respeitar o meioambiente. A discussão foi reforçada pela recente crise financeira provocada pelos países centrais, que coloca em xeque o modelo econômico neoliberal e a supremacia dos mercados. Belém oferece a oportunidade de mostrar ao mundo que a crise não se resolverá apenas com uma pequena mudança de rumos, com um ajuste no sistema, mas sim por meio de outro modelo econômico que promova o bem viver com justiça e eqüidade.

Nesse contexto, a cosmovisão indígena pode nos ajudar muito, já que os indígenas concebem a natureza como parte da cultura, ao contrário da separação sustentada pela cultura eurocêntrica. A presença indígena sempre foi muito grande nos Fóruns. Em 2005, em Porto Alegre, ouvi um testemunho que mostra o quanto desprezamos a sua cultura e a sua visão de mundo. Um índio do Amazonas relatou que missionários cristãos obrigavam crianças indígenas a esquecer a sua língua materna e impingiam castigos quando não aprendessem o português, a língua do colonizador. Quando uma criança não conseguia pedir comida na língua portuguesa não recebia comida. Era uma forma violenta de impor a língua e a cultura do dominador.

Lembrei-me, então, do professor Ernani Maria Fiori, que foi o primeiro leitor dos manuscritos do livro Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire. Contra a pedagogia do colonizador praticada por aqueles missionários (felizmente não eram todos), Paulo Freire opunha a pedagogia do oprimido. Ernani capta muito bem o sentido dessa pedagogia no prefácio que escreveu para esse livro, com um sugestivo título: “Aprenda a dizer sua palavra”. Em vez de proibir a fala e impor uma cultura do silêncio, a pedagogia do oprimido ensina a dizer a sua palavra na sua língua.

Segundo o IBGE, em 2005, 734.127 pessoas se declararam indígenas no Brasil. 15% se encontram no estado do Amazonas, a unidade da Federação com maior população indígena. 85% dessa população mora em áreas rurais, a quase totalidade em terras indígenas, onde existe um alto índice de analfabetismo. Essa população no Brasil representa apenas 1% do total, mas é a que mais vem crescendo. Nas últimas décadas ela triplicou. Esse crescimento vem sendo acompanhado por uma maior presença na vida política brasileira, embora ela ainda seja mínima.

As terras indígenas já demarcadas representam hoje 14% do território brasileiro. A demarcação é um dever constitucional além de ser uma das primeiras reivindicações dos índios. No caso da Amazônia, ela é crucial e pode decidir seu futuro já que está em questão a necessidade de preservar a região e, ao mesmo tempo, promover o seu desenvolvimento com sustentabilidade. 98% das terras indígenas do Brasil estão na Amazônia, o que correspondem a 20% da extensão da região, constituindo grandes espaços de preservação da biodiversidade. Os índios são os que mais defendem a floresta amazônica.

Felizmente, hoje, na América Latina, os povos indígenas já conquistaram voz e vez em vários países e sua presença política já se faz sentir. Isso vem ultrapassando nossas fronteiras com a criação, por exemplo, do Comitê Intertribal, uma organização indígena criada em 1991 e presidida por Marcos Terena, articulador indígena junto à ONU, formada por líderes de 23 povos originários do Brasil. Esse comitê organiza, desde 1996, os Jogos dos Povos Indígenas, recuperando atividades esportivas e culturais que já estavam sendo esquecidas pelos próprios indígenas.

A principal demanda em relação à educação é a interculturalidade, o diálogo entre o chamado saber ocidental e o saber tradicional, milenar, dos povos e nações indígenas. A diversidade cultural indígena na Amazônia é enorme: 210 etnias e cerca de 170 línguas nativas. No Brasil, são 230 sociedades étnicas que falam 180 línguas. Existem indígenas urbanos e povos sem qualquer contato com o homem branco. A educação não deve “aculturar” os indígenas, mas fornecer instrumentos para que possam elaborar seu próprio projeto de futuro. Isso significa fazer justiça cognitiva, respeitando e valorizando essas culturas e oferecendo todos os instrumentos do saber técnico-científico e tecnológico acumulado pela humanidade, que é um direito humano fundamental.

É certo que predomina ainda, entre nós, a visão folclórica do índio, mostrando o quanto a nossa cultura está prenhe de discriminação. Alguns estão mais interessados em tirar fotografias com os índios, vendo-os como algo exótico, em vez de se aproximar para conversar e aprender com eles. O FSM Amazônia, nesse sentido, deverá contribuir muito para a formação de uma nova consciência indígena.
No próximo número falaremos da presença da mulher no FSM.

Agenda
VIII edição do FSM – Belém, 27 de janeiro a 1o de fevereiro de 2009. www.fsm2009amazonia.org.br  
VI Fórum Mundial de Educação – Belém, de 26 de janeiro a 1o de fevereiro de 2009. www.forummundialeducacao.org  
Fórum Mundial Mídia Livre – Belém, 26 a 27 de janeiro de 2009. fml.wikispaces.com
III Fórum Mundial de Teologia e Libertação – Belém, 21 a 25 de janeiro de 2009. www.wftl.org  
Leia mais: www.forumsocialmundial.org.br