Futebol e revolução no Chile: do apoio de Sampaoli ao mea culpa do piñerista Valdivia

Além do técnico argentino, que foi treinador da Seleção chilena campeão da Copa América, muitos dos jogadores que ele comandou apoiam as manifestações, como Claudio Bravo, Jean Beausejour, Arturo Vidal e Esteban Paredes. O meia Jorge Valdivia, que apoiou a campanha de Piñera nas eleições de 2017, afirmou ter se arrependido daquele voto

O técnico argentino Jorge Sampaoli, quando comandou a seleção do Chile (Arquivo)
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Do Chile, especial para a Fórum Embora no Brasil esteja surgindo uma espécie estranha de torcedores que acha que não se deve mesclar futebol e política (ou pelo menos quando essa política é de esquerda), em outros países esse tabu não é tão levado a sério. A explosão social no Chile é uma mostra evidente de que o esporte e seus representantes não podem estar alheios ao que acontece em um país. Ainda mais quando se trata do futebol, modalidade altamente difundida em todos os setores sociais. Desde os primeiros dias de protestos, não param de surgir declarações de figuras importantes do futebol chileno, especialmente de apoio aos manifestantes, como o caso do goleiro Claudio Bravo, capitão da seleção chilena nas conquistas da Copa América de 2015, e na Copa América Centenário de 2016, que fez uma crítica velada ao neoliberalismo. “Venderam às empresas privadas a nossa água, a luz, o gás, a educação, a saúde, as aposentadorias, os medicamentos, as estradas, os bosques, o salar do Atacama, os glaciares, os transportes… algo mais? Não será muito?”, perguntou de forma irônica. Outros também se manifestaram contra a ação dos militares no conflito, como o lateral-esquerdo Jean Beausejour, também bicampeão continental, que disse que “o Exército para mim está associado ao pior período da história do nosso país”. Já o meia Charles Aránguiz foi mais longe, e mostrou estar ciente de alguns vídeos que circulam nas redes sociais, que mostram policiais e soldados do Exército chileno colaborando com a ação de saqueadores: “sinceramente, desconfio muito das intenções deles, quando atuam assim não é para melhorar a vida do povo”. Até mesmo uma figura que não é chilena mas que trabalhou muito tempo no Chile, como o treinador argentino Jorge Sampaoli, atualmente no Santos, mas que já ganhou títulos na seleção chilena e no clube Universidad de Chile, se referiu aos acontecimentos no país: “valorizo muito a reação do povo chileno. É um exemplo para toda a América do Sul. Lutar contra o neoliberalismo, que deixa o povo cada vez mais pobre. Estou orgulhoso do povo com o que convivi durante tanto tempo. Espero que seja um passo adiante para acabar com a opressão sofrida por tanta gente”. Porém, há também quem esteja sendo cobrado pelo que está acontecendo, como o meia Jorge Valdivia. Em 2017, o ex-palmeirense apoiou abertamente a candidatura presidencial do atual presidente Sebastián Piñera, e foi claramente usado para aproximar o empresário de direita do setor mais popular da sociedade, identificado com o Colo-Colo, clube para o qual voltou a jogar naquele mesmo ano – e onde está até hoje. Dias atrás, Valdivia se desculpou por aquela postura tomada há dois anos: “não nego o voto que dei em 2017, mas isso não significa eu esteja de acordo com o que acontece agora. Naquele então, eu não tinha como saber o que estaria acontecendo hoje”. Ademais, fez uma dura leitura da realidade atual do país: “eu não sou líder de opinião, e sei muito pouco sobre política. Sei que ninguém pode viver com esses salários baixos, aposentadorias miseráveis, saúde e educação caras como nós temos, e ao mesmo tempo o governo perdoa dívidas dos empresários”. No entanto, outro craque do Colo-Colo, o atacante Esteban Paredes, que recentemente bateu o recorde e se tornou o maior goleador da história do Campeonato Chileno (com 216 gols) defendeu que o elenco inteiro do clube deveria não só apoiar as manifestações como também participar delas. “Nosso clube é feito dessas pessoas que hoje estão lutando por uma vida melhor, como muitos de nós que buscamos no futebol uma forma de melhorar de vida”, observou o centroavante. Nesse sentido, o meia Arturo Vidal, que é ex-craque do Colo-Colo, atualmente no Barcelona, afirmou que “se estivesse no Chile, adoraria estar na marcha, ao lado dos manifestantes”. Outro nome histórico do futebol chileno é o zagueiro Elías Figueroa, e que já foi criticado por seu apoio ao “Sim” a Pinochet no Plebiscito de 1988, que determinou o fim da ditadura – graças à vitória do “Não” –, voltou a dar uma pisadinha na bola desta vez. Em uma entrevista ao jornal El Mercurio de Valparaíso, o craque o Inter preferiu enfatizar a violência das manifestações e os saques: “entendo que as pessoas possam estar descontentes com aquilo que afeta diretamente o seu bolso, mas não que reajam com o nível de violência que temos visto (...) o pior que pode acontecer agora é que sejamos egoístas, temos que nos sentar a conversar, com responsabilidade e visão de país”. A declaração de Figueroa vai na mesma linha da do goleiro Johnny Herrera, ídolo histórico do clube Universidad de Chile, quem reclama que “a legítima manifestação por melhorar a qualidade de vida de 99% dos chilenos, não podem ser com tamanho nível de destruição e aproveitamento político, realmente dá pena”. O guarda-metas, que teve apagada passagem pelo Corinthians em 2006, apoiou nas últimas eleições o candidato de ultradireita José Antonio Kast, amigo de Jair Bolsonaro e defensor da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Fora do futebol, outro que apoiou Piñera em 2017 foi o tenista Marcelo Ríos. Um dos maiores rivais de Gustavo Kuerten naquele final de Anos 90, ele também se resolveu falar recentemente por aquele apoio do passado, mas sem tanto remorso quanto Valdivia. “Neste momento, o melhor que posso fazer é continuar desfrutando as férias com minha namorada (nas Ilhas Maldivas) e desejar o melhor sempre para o meu país”, comentou. Perguntado sobre os protestos, apenas disse que “prefiro não falar sobre a desigualdade, porque seria muita cara de pau da minha parte”.