Gadotti: é preciso melhorar nosso discurso sobre a escola

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Em entrevista à Fórum, Moacir Gadotti fala sobre seu livro, ?A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar?, lançado nesta segunda-feira, em São Paulo.

“Não parece estranho que, quando um paciente é mal atendido num posto de saúde, ele culpe o sistema de saúde e não o médico, e quando o seu filho vai mal na escola, ele culpe logo o professor e não o sistema educacional?” O questionamento de Moacir Gadotti, coordenador do Instituto Paulo Freire aponta um dos desafios que ele tenta responder em seu novo livro. A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar, lançado nesta segunda-feira, em São Paulo, traz a concepção do pensador brasileiro a respeito da prática do ensino. Para ele, Paulo Freire permanece como leitura fundamental para trabalhar a educação, e aponta que é preciso muito mais do que matricular alunos nas escolas. “É preciso matricular, com a criança, a sua cultura, os seus sonhos, a sua visão de mundo.” Confira a íntegra. FÓRUM - Por que a escolha do tema desta obra foi na formação do professor? MOACIR GADOTTI – Na verdade este é o terceiro livro que escrevo sobre essa temática. Mas há uma diferença: nos dois primeiros – “Um legado de esperança” e “Boniteza de um sonho” – tomo por referência a obra de Paulo Freire para falar da formação do educador. Este “A escola e o professor: Paulo Freire e a paixão de ensinar” é mais específico: procuro mostrar como seria a docência na própria visão de Paulo Freire. Reli a sua obra para entender melhor como é ser professor na ótica libertadora de Paulo Freire. Estou me concentrando na sua obra porque entendo que Paulo Freire é muito atual. Sua obra nos ajuda a entender o presente e entender, principalmente, o papel do professor nesse início de um novo milênio. Neste livro, sustendo que devemos melhorar nosso discurso sobre a escola. Uma sociedade que fala mal da escola como a nossa, precisa repensar seu conceito de escola, precisa saber o que ela quer do professor, antes de responsabilizá-lo por tudo o que acontece na educação. Não parece estranho que, quando um paciente é mal atendido num posto de saúde, ele culpe o sistema de saúde e não o médico, e quando o seu filho vai mal na escola, ele culpe logo o professor e não o sistema educacional? FÓRUM – Como professor de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da USP, que perspectiva o senhor tem do interesse do estudante de hoje a respeito da obra de Paulo Freire em comparação ao da década de 80? GADOTTI – Sou professor nos cursos de Pedagogia e de Licenciatura, além da Pós-Graduação. Muito poucos dos meus alunos de hoje conheceram pessoalmente a Paulo Freire, mas ainda o sentem muito presente. Eles imaginam Paulo Freire como um grande mito da educação brasileira. Minha tarefa é mostrá-lo como educador, como teórico, como pessoa. Essa é uma tarefa que faço com muito gosto. Às vezes passo horas falando dele e da minha convivência, nas aulas. Jamais mistifico a ele ou a sua obra. Sempre insisto que honrar um autor é lê-lo criticamente e não apenas citá-lo. Jamais deixo de incluir na bibliografia de meus cursos uma obra de Paulo Freire. Os alunos de hoje têm muito interesse em ler Paulo Freire. A obra dele os ajuda a entender melhor a profissão, dando-lhes mais esperança numa época em que ela tornou-se uma profissão muito difícil em face do contexto agressivo no qual vivemos hoje. FÓRUM – No Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do governo federal é estabelecido um piso salarial para os professores, entre outras medidas. Além da preocupação salarial, que outros aspectos precisariam ser levados em conta para a formulação de políticas públicas para o professor, numa concepção freiriana? GADOTTI – Um piso salarial nacional para o magistério é uma antiga reivindicação. Ainda não foi concretizado. Está no PDE e esperamos que até o próximo ano ele aconteça. Ele representa um grande passo para a melhoria da qualidade do ensino, mas não é suficiente para vencer o nosso grande atraso no campo da educação. Paulo Freire dizia que a melhoria do salário era imprescindível, mas deveria ser acompanhada por outras medidas, como uma visão nova do currículo, que levasse em conta o saber primeiro do estudante. Não basta matricular todas as crianças na escola. É preciso matricular, com ela, a sua cultura, os seus sonhos, a sua visão de mundo. E, no plano das políticas públicas, é preciso estabelecer uma articulação entre as três esferas de governo responsáveis pela educação para que trabalhem de forma articulada e sem descontinuidade.