Globo abre espaço para Grupo Prerrogativas: Suspeição ou incompetência de Moro? Paradoxo ou dilema?

Jornal carioca da família Marinho publica artigo de coletivo de advogados. “O STF terá de dizer, no próximo dia 14, o que é mais grave: a suspeição ou a incompetência.”

Foto: Lula Marques (Partido dos Trabalhadores)
Escrito en MÍDIA el

O coletivo de advogados Grupo Prerrogativas publicou um artigo hoje (12) no jornal O Globo tratando do falso paradoxo sobre a simultânea suspeição e incompetência do ex-juiz Sergio Moro nos processos contra o ex-presidente Lula, que tramitaram na 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba.

Dando espaço para um discurso dissonante de sua linha editorial, o diário de propriedade da família Marinho traz um texto assinado pelos advogados Lenio Luiz Streck, ?????Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos, no qual os autores falam sobre a sessão do próximo dia 14 no STF, que deverá deliberar sobre o dilema (ou paradoxo?) de Moro à frente das condenações de Lula.

*Leia a seguir a íntegra do artigo publicado hoje em O Globo:

**** **** ****

A suspeição e a incompetência de Moro: paradoxo ou dilema?

Por Lenio Luiz Streck, ?????Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos *

Há muito tempo havia uma propaganda que ficou conhecida, popularmente, como “o dilema Tostines”, uma tautologia bem construída para vender biscoitos. Tostines vende mais por que é fresquinho, ou é fresquinho por que vende mais? Na verdade, tratava-se do “paradoxo Tostines”, e isto porque o dilema comporta uma escolha, mas o paradoxo não. Um dilema sempre oferece uma saída; diferentemente do paradoxo.

Daí a pergunta: a questão da prevalência da incompetência ou da suspeição (uma sobre a outra) de Moro no caso dos habeas corpus do ex-presidente Lula é um dilema ou um paradoxo? Temos uma saída?

Afinal, Moro era suspeito porque já se sabia incompetente ou, por ser suspeito, não se declarou incompetente? Eis o dilema que explicaremos. Sim, dilema. Pois, diferentemente do paradoxo Tostines, aqui, há uma clara solução.

Evidências científicas: há três anos a defesa técnica do ex-presidente sustentava a incompetência. Essa era uma posição pacífica no STF (Fachin confirmou isso recentemente). Moro sabia que não tinha competência. O MPF também sabia. Todos sabiam e sempre souberam. Logo, havia um juízo incompetente que tinha como condutor um juiz suspeito. Isto é: só um juiz suspeito para não reconhecer o óbvio. Porque já se sabia que se sabia.

E por que ele era suspeito? Simples: Porque era incompetente. Mas por que, em sendo incompetente, assim não se declarava? Aí é que está: Por causa de sua suspeição-parcialidade. Ou ser incompetente, saber-se incompetente e não se declarar incompetente já não é ser parcial-suspeito?

Causa finita? Sim. Todavia, surge um problema. É que, induvidosamente, o ministro Fachin declarou monocraticamente a incompetência, apostando – estrategicamente – que a suspeição fosse ceder a um argumento maior, o da incompetência. Entregou um “cavalo para ficar com o bispo”.

O STF terá de dizer, no próximo dia 14, o que é mais grave, a suspeição ou a incompetência. O que vem antes? É mais grave um juiz ser suspeito ou ele decidir mesmo sendo incompetente?

Não há registro na história da jurisprudência pátria da hipótese de um juiz ser, ao mesmo tempo, suspeito e incompetente. Nunca um juiz reuniu, em um só corpo, essas duas “qualidades”. Nem nos exemplos de livros de processo alguém aventou essa hipótese.

Em face do inusitado, cabe a pergunta: esses dois elementos processuais – incompetência e suspeição – são estanques? Não se comunicam? Porque, ora, não se trata de um “paradoxo de mais ou menos gravidade”: o juiz incompetente decidiu enquanto incompetente porque juiz suspeito-parcial, sabendo-se incompetente e decidindo ainda assim. Teria havido, durante mais de três anos, algo como “os dois corpos de Moro”, parafraseando a estratégia que vem desde Henrique VII (1495) de que o rei tinha dois corpos – e tão bem contada por Kantorowicz?

Isto é: o corpo 1, do Moro suspeito, não falava com o corpo 2, do Moro incompetente? Ou o corpo 2 do Moro incompetente não sabia nada sobre a suspeição do corpo do Moro 1? Eis o dilema. E não um paradoxo.

Embora o “paradoxo Tostines” não tenha solução, no caso dos “dois corpos de Moro” há, sim, uma escolha e uma resposta – porque se trata de um dilema e é até fácil de explicar. Assim:

(i) pela vontade de julgar o réu, parece evidente que a suspeição antecedeu à incompetência.

(ii) Juridicamente, no mundo dos fatos, a questão da territorialidade sempre existiu.

(iii) Na verdade, juízo incompetente é como uma espécie de “fato bruto” – à espera da imputação (fato institucional).

(iv) No exato momento em que Moro recebe a denúncia, ele o fez porque era suspeito. Os dois corpos, digamos assim, sempre se comunicaram!

Para sermos mais claros e podermos responder ao “dilema Moro”: se não fosse suspeito, teria reconhecido a incompetência do juízo.

Dito de outro modo: sabendo-se incompetente, porque suspeito, Moro não reconheceu a própria incompetência. Ou não? Felizmente, prevaleceu a lei: Moro é incompetente e é suspeito, e uma coisa não se separa da outra, muito menos anula. Juiz incompetente e suspeito, declarado incompetente, deixa de ser suspeito? A resposta parece evidente.

Moro disse, "declamando" Édith Piaf: “Je ne regrette rien” (não me arrependo de nada). Acreditamos. Mas talvez fosse melhor, em vez de "Piá" (sic), lembrar Octave Mannoni. Porque a psicanálise sempre ajuda. "Je sais bien, mais quand même" (Eu sei bem, mas mesmo assim...). Explicamos: num ensaio célebre, o psicanalista francês fala sobre a paradoxal (e vejam como os paradoxos sempre aparecem!) negação dos constrangimentos mesmo quando estes são reconhecidos. "Uma crença pode ser mantida e abandonada ao mesmo tempo", diz Mannoni. Pois é. Moro sabia bem que não podia. É claro que sabia. Mas mesmo assim... E esse é o busílis.

O “paradoxo Tostines” pode não ter resposta. Já o “Dilema Moro” tem. Simples assim. Ou seja, diante da pergunta “Moro é suspeito por que é incompetente ou é incompetente por que é suspeito”, a resposta correta é: Moro foi incompetente porque foi suspeito. Logo, sendo a suspeição algo personalíssimo, subjetivo, precede à incompetência, e contamina e anula, por natural, todos os processos e atos processuais que envolvem o réu-alvo.

Numa palavra final. São vários os dilemas que surgem no nosso direito. Agora, diante da entrevista de Fachin (Revista Veja) de que pretende fazer com que o plenário do STF considere a suspeição prejudicada, podemos perceber ainda outro dilema: Fachin declarou a incompetência para salvar o juiz da suspeição ou pode acabar salvando o juiz da suspeição por que declarou a incompetência?

Bem, deixamos a resposta do dilema ao leitor - e, institucionalmente, à nossa Suprema Corte. De nossa parte, é certo, podemos dizer: não é um paradoxo.

Embora seja paradoxal em se tratando de Direito. E não deveria ser assim.

PS.: O Grupo Prerrogativas jamais, em circunstância alguma, “pressionou” qualquer ministro do STF. Ao contrário, sempre foi e será um Amicus da Corte.

Mas não se furtará, evidentemente, de denunciar estratégias processuais e interpretações regimentais heterodoxas para que determinado e específico objetivo seja atingido.

Como dissemos, e aqui reiteramos, eleições devem sim ser disputadas nas urnas. Com o voto popular e sem malabarismos!

Simples assim.

*Lenio Luiz Streck, ?????Marco Aurélio de Carvalho e Fabiano Silva dos Santos são advogados, membros integrantes e fundadores do Grupo Prerrogativas.