Governos e partidos no FSM

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A nona edição do FSM, realizada em Belém, de 27 de janeiro a 1º de fevereiro de 2009, deverá ser considerada histórica no processo do Fórum Social Mundial, não só pelos seus números, como também pela qualidade de seus debates e convergências.
O balanço divulgado logo após o Fórum aponta 133 mil participantes inscritos, de 142 países diferentes. No Acampamento da Juventude credenciaram-se 15 mil pessoas. 3 mil crianças foram recebidas na tenda Curumim-Erê. Entre os expositores de tendas, a feira institucional, a feira de economia solidária, restaurantes e lanchonetes, foram contabilizados 5.200 pessoas. Mil artistas participaram de 200 eventos culturais. Aproximadamente 4.500 profissionais da comunicação da imprensa oficial, das mídias alternativas e freelancers foram credenciados, contabilizando 800 veículos de 30 países. Inscreveram-se 5.808 entidades e organizações, assim distribuídas: 489 da África, 119 da América Central, 155 da América do Norte, 4.193 da América do Sul, 334 da Ásia, 491 da Europa e 27 da Oceania. Foram inscritas 2.310 atividades autogestionadas. Adicionando-se as pessoas envolvidas em diferentes atividades de suporte, alimentação, transporte, voluntários, tradutores, equipes técnicas etc., pode-se afirmar que cerca de 150 mil pessoas participaram deste Fórum.
O FSM Amazônia deu um salto de qualidade. Uma atividade autogestionada, organizada pela CUT, pelo Instituto Paulo Freire e pelo Ibase, reuniu, pela primeira vez no FSM, cinco presidentes: Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correia, Fernando Lugo e Lula. Ao contrário de suas afirmações anteriores, tanto Lula quanto Chávez, que haviam defendido a participação direta do FSM na defesa de certas bandeiras políticas, sob o risco de tornar-se uma “feira de ideologias” (Lula), em Belém, eles e todos os presidentes presentes defenderam o atual formato. A argumentação deles é que o Fórum já havia produzido frutos na medida em que muitas das propostas defendidas ali já faziam parte do programa de governo de seus países.
Os presidentes consideraram-se, eles mesmos, resultado de um processo no qual o Fórum tem sido protagonista. É a forma de incidir na política, própria do FSM, como um espaço plural de discussão, sem forçar uma unidade ideológica, sem posições unificadoras a partir de cima. Ao pensamento único, o Fórum não está opondo um outro pensamento único. O FSM mostrou ser capaz de provocar transformações reais, participando das lutas políticas reais, sem entrar em disputas político-partidárias. Com a participação de cinco presidentes em Belém, o FSM deu uma contribuição à necessária integração latino-americana, sonho dos “libertadores da América”, como Simón Bolívar, uma integração de povos, culturas e de comunidades e não apenas de mercados. A presença dos presidentes foi especialmente simbólica ao reconhecer a importância política do FSM e das lutas dos movimentos sociais, destacadas por todos eles.
O atual formato do FSM renovou-se e se fortaleceu em Belém. É possível e desejável que o Fórum tenha posições políticas comuns, um calendário de lutas, mas sem romper com nossa Carta de Princípios e, sobretudo, sem sermos instrumentalizados por partidos políticos ou governos.
Mas o debate sobre o formato não foi esquecido. Boaventura Souza Santos (O ano do futuro. In: Público, Belém, 30 de janeiro de 2009, p. A2), defendeu a necessidade de “gerar um grande consenso”. Segundo ele, para o Fórum ter um peso político ele “deveria tomar uma posição que seria assumida por todos os movimentos e organizações que participam no FSM, dando assim origem a agendas parciais mais consistentes de políticas nacionais-globais”. A preocupação daqueles que defendem o FSM como um espaço livre e auto-organizado é que o consenso possa destruir a pluralidade, um dos seus pilares.
O FSM 2009 consagrou a importância da participação de governos e partidos como convidados, sem que o Fórum perdesse sua característica de organização da sociedade civil. Como afirmou Emir Sader, “a presença de cinco presidentes em Belém expressa o estágio atual da luta antineoliberal no continente” (Público, Belém, 25 de janeiro de 2009, p. E3), articulando a luta social com a luta política. Parece-me que, em Belém, foi superada a tensão entre os que defendem o Fórum apenas como espaço autogestionado e os que preferem que o FSM, em si mesmo, seja considerado um ator político. São concepções convergentes, avançando na construção de alternativas.
A “Assembleia das Assembleias” realizada no último dia do Fórum, mostrou esse salto de qualidade política. Uma agenda comum de mobilizações para 2009 foi aprovada. Entre as ações globais defendidas na ocasião, podemos destacar: um ato pelo direito das mulheres, dia 8 de março; uma semana de protestos contra a guerra e o capitalismo, entre 28 de março e 6 de abril; um ato, no dia 12 de outubro, em defesa do meio ambiente e dos indígenas. Também foram apresentadas propostas e alternativas concretas de luta antineoliberal, de acordo com o item 4 da nossa Carta de Princípios.
No próximo número falaremos dos debates sobre a crise econômica e o meio ambiente, realizados no FSM 2009. F