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Unidade 'Experimental' de Saúde do governo do estado de São Paulo funciona nos moldes penitenciários, viola direitos fundamentais e sofre questionamentos da ONU
Por Sarah Fernandes, em Rede Brasil Atual
[caption id="attachment_40126" align="alignleft" width="300"] Na masmorra paulista, não há médico de plantão, falta projeto terapêutico e segurança é feita por agentes penitenciários
Foto: EDUARDO KNAPP/FOLHAPRESS[/caption] As grades, os muros de mais de cinco metros de altura e o aviso na parede alertando “área de segurança” indicam que o complexo pode ser um presídio, mas não é. Trata-se de um suposto hospital psiquiátrico do governo de São Paulo. Atrás do forte esquema de proteção estão encarcerados, por tempo indeterminado, cinco jovens infratores "diagnosticados" com transtorno de personalidade antissocial. Lá eles não cumprem pena judicial nem recebem tratamento médico. A 'Guantánamo psiquiátrica' paulista foi criada pelo governador-tampão Cláudio Lembo (DEM), que governou estado de abril a dezembro de 2006, e mantida por seus sucessores, José Serra (2007-2010) e o atual governador Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. Desde o ano passada, uma ação judicial pede o fechamento do "hospital" por desrespeito aos direitos constitucionais. Os internos na chamada Unidade Experimental de Saúde (UES), localizada na Vila Maria, na zona norte de São Paulo, são egressos da Fundação Casa que cometeram atos infracionais considerados graves e que já cumpriram as medidas socioeducativas previstas em lei. Sem terem praticado novos crimes, eles continuam detidos de forma "preventiva" – e aparentemente perpétua. Não há médico de plantão, falta projeto terapêutico e regimento interno. No interior da unidade, trabalham agentes penitenciários, o que não é permitido por lei, já que trata-se de uma instituição não penal. Estas irregularidades motivaram a Procuradoria da República de São Paulo, entidades pró-direitos humanos e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo a moverem uma ação civil pública exigindo o fechamento da unidade. “O tratamento que tem sido dispensado a esses jovens é medieval. São encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, em estabelecimento que não lhes proporciona tratamento adequado aos distúrbios de que são portadores”, diz a petição inicial do processo. “Além de estarem sendo responsabilizados duas vezes pela prática de um mesmo fato, a internação na UES se dá por tempo indeterminado, como se fosse perpétua”. De acordo com a petição, em março de 2013 os jovens contavam com atendimento psiquiátrico, porém apenas às quintas-feiras, por meio período, com um psicólogo, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem. A RBA solicitou o quadro de pessoal atualizado para a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo local, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. “Nem todos os jovens tinham um diagnóstico no início da investigação. Eles não têm uma avaliação médica periódica. Do jeito que está eles vão ficar lá para sempre. Estão segregados”, diz o procurador regional dos Direitos do Cidadão Substituto, Jefferson Aparecido Dias. “A equipe é mais de segurança do que de saúde. A secretaria diz que tem um médico, mas nunca o encontramos lá.” As práticas irregulares resultaram em duas inspeções da Organização das Nações Unidas (ONU) à unidade. A primeira delas, realizada em 2011, feita pelo Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, “recomenda que a unidade de saúde experimental seja desativada”. A outra, feita em 2013 pelo Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, alerta que “não há revisão judicial desses casos” e que “para responder a pressão social e da mídia” foi utilizada “uma lei de 1930”. Não existe destinação orçamentária especifica para a Unidade Experimental de Saúde no orçamento do governo estadual de 2013. O estabelecimento não consta no organograma da Secretaria Estadual de Saúde e não está inscrito no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Segundo o Ministério da Saúde, responsável pelo cadastro, o registro só é obrigatório se a unidade receber financiamento do governo federal. O processo aponta que os recursos para a unidade são do Tesouro do Estado.
Foto: EDUARDO KNAPP/FOLHAPRESS[/caption] As grades, os muros de mais de cinco metros de altura e o aviso na parede alertando “área de segurança” indicam que o complexo pode ser um presídio, mas não é. Trata-se de um suposto hospital psiquiátrico do governo de São Paulo. Atrás do forte esquema de proteção estão encarcerados, por tempo indeterminado, cinco jovens infratores "diagnosticados" com transtorno de personalidade antissocial. Lá eles não cumprem pena judicial nem recebem tratamento médico. A 'Guantánamo psiquiátrica' paulista foi criada pelo governador-tampão Cláudio Lembo (DEM), que governou estado de abril a dezembro de 2006, e mantida por seus sucessores, José Serra (2007-2010) e o atual governador Geraldo Alckmin, ambos do PSDB. Desde o ano passada, uma ação judicial pede o fechamento do "hospital" por desrespeito aos direitos constitucionais. Os internos na chamada Unidade Experimental de Saúde (UES), localizada na Vila Maria, na zona norte de São Paulo, são egressos da Fundação Casa que cometeram atos infracionais considerados graves e que já cumpriram as medidas socioeducativas previstas em lei. Sem terem praticado novos crimes, eles continuam detidos de forma "preventiva" – e aparentemente perpétua. Não há médico de plantão, falta projeto terapêutico e regimento interno. No interior da unidade, trabalham agentes penitenciários, o que não é permitido por lei, já que trata-se de uma instituição não penal. Estas irregularidades motivaram a Procuradoria da República de São Paulo, entidades pró-direitos humanos e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo a moverem uma ação civil pública exigindo o fechamento da unidade. “O tratamento que tem sido dispensado a esses jovens é medieval. São encarcerados sem o devido processo legal, por tempo indeterminado, em estabelecimento que não lhes proporciona tratamento adequado aos distúrbios de que são portadores”, diz a petição inicial do processo. “Além de estarem sendo responsabilizados duas vezes pela prática de um mesmo fato, a internação na UES se dá por tempo indeterminado, como se fosse perpétua”. De acordo com a petição, em março de 2013 os jovens contavam com atendimento psiquiátrico, porém apenas às quintas-feiras, por meio período, com um psicólogo, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem. A RBA solicitou o quadro de pessoal atualizado para a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo local, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. “Nem todos os jovens tinham um diagnóstico no início da investigação. Eles não têm uma avaliação médica periódica. Do jeito que está eles vão ficar lá para sempre. Estão segregados”, diz o procurador regional dos Direitos do Cidadão Substituto, Jefferson Aparecido Dias. “A equipe é mais de segurança do que de saúde. A secretaria diz que tem um médico, mas nunca o encontramos lá.” As práticas irregulares resultaram em duas inspeções da Organização das Nações Unidas (ONU) à unidade. A primeira delas, realizada em 2011, feita pelo Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, “recomenda que a unidade de saúde experimental seja desativada”. A outra, feita em 2013 pelo Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias, alerta que “não há revisão judicial desses casos” e que “para responder a pressão social e da mídia” foi utilizada “uma lei de 1930”. Não existe destinação orçamentária especifica para a Unidade Experimental de Saúde no orçamento do governo estadual de 2013. O estabelecimento não consta no organograma da Secretaria Estadual de Saúde e não está inscrito no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Segundo o Ministério da Saúde, responsável pelo cadastro, o registro só é obrigatório se a unidade receber financiamento do governo federal. O processo aponta que os recursos para a unidade são do Tesouro do Estado.