Haverá segundo turno, mas Buenos Aires deve continuar com a direita

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Aconteceu ontem o primeiro turno das eleições para prefeito de Buenos Aires, legisladores municipais e—novidade deste ano—as comunas de bairro da cidade. Foi a quinta vez que os portenhos votaram para eleger o seu prefeito, que até a década de noventa era nomeado pelo Presidente. O atual ocupante do cargo, Mauricio Macri, da direitista Proposta Republicana (PRO), venceu com ampla margem o candidato kirchnerista, Daniel Filmus, da Frente para a Vitória (FpV), de centro-esquerda, que ficou em segundo, e o cineasta Fernando “Pino” Solanas, do Projeto Sul (uma “terceira via” de centro-esquerda, mas de discurso moralizante e fortemente ancorado na figura pessoal de Solanas). Macri teve 47,1% dos votos contra 27,8% de Filmus e 12,8% de Solanas. O segundo turno acontece no dia 31 de julho e é muito improvável que Macri não conquiste os 3% que lhe faltam. Buenos Aires deve continuar, portanto, sendo administrada pela direita. Solanas já declarou neutralidade. Macri, que ascendeu à prefeitura a partir do prestígio acumulado como presidente do Boca Juniors, é um político que se nutre do desgaste da política para impulsionar um projeto que inclui a retração do setor público e medidas higienistas contra moradores de rua. Há tempos tenta turbinar uma candidatura presidencial, que até agora não decolou por falta de penetração nacional da PRO. O segundo turno vai definir até que ponto suas pretensões presidenciais continuam viáveis. No momento, a PRO não tem candidato para as eleições presidenciais de outubro, assim como não teve em 2007. Filmus, o candidato kirchnerista, foi Ministro da Educação e é um sociólogo de esquerda da Universidade de Buenos Aires. Ao contrário dos candidatos kirchneristas no resto do país, Filmus não conseguiu vencer nem mesmo entre os mais pobres. Macri também venceu na zona sul (pobre) da cidade, ainda que por diferença menor que a registrada em bairros mais ricos como Palermo ou Recoleta, onde chegou a 59% dos votos. Apesar de que Filmus ficou bem mais distante de Macri do que alguns esperavam (a centro-esquerda trabalhava com a esperança de uma diferença de 10%, que tornasse o segundo turno mais apertado), nem tudo é lamento no kirchnerismo. Ele superou o seu teto histórico num distrito tradicionalmente resistente ao peronismo e triplicou a votação que teve na cidade nas Legislativas de 2009, quando recebeu ali uma surra memorável. Além disso, os apoiadores das candidaturas presidenciais que se baterão com Cristina Kirchner em outubro tiveram votação irrisória. Ficaram para trás forças tradicionalíssimas da política argentina, como a UCR (União Cívica Radical), formada no começo do século XX como o primeiro partido democrático moderno do país. A UCR, que disputará as eleições de outubro com Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente, lançou Silvana Giúdici em Buenos Aires e só conseguiu 2% dos votos. Também tradicional é o Partido Socialista, que teve papel chave nas lutas populares argentinas até sua base operária ser completamente arrebatada pelo peronismo na década de 40. O PS é parte de uma Frente Progressista que disputará as eleições de outubro com um político respeitado, o governador de Santa Fé Hermes Binner. Em Buenos Aires, o candidato da Frente, o intelectual Jorge Telerman, não passou de 1,7% dos votos. A Coalizão Cívica, que disputará as eleições de outubro com Elisa Carrió, uma mística que centra seus discursos no tema da corrupção, lançou na Capital Federal o nome de María Eugenia Estenssoro, que teve 3,3%. Chegou a 6% o total de votos das forças que terão candidatos contra Cristina Kirchner em outubro. O grande derrotado do dia, sem dúvida, foi o cineasta “Pino” Solanas, que tentava se estabelecer como alternativa ao macrismo e ao kirchnerismo. Colheu um modesto terceiro lugar e já observa uma debandada entre seus aliados. Para o kirchnerismo, fica a tarefa de repensar o seu discurso político na Capital Federal, onde prospera um ressentimento de classe média não muito diferente do que se observa em São Paulo. O voto macrista se nutre de uma rejeição da política como um todo e do amargor de uma classe média que vê o governo “dando casas para os pobres” (é de muita visibilidade o projeto de moradias populares do Executivo federal) enquanto ela não consegue sair dos estratosféricos aluguéis portenhos e comprar a casa própria. Cristina Kirchner continua franca favorita para outubro, mas não há desafio visível à hegemonia da direita na Capital Federal.