Hillary Clinton, Gaza e o direito dos civis à autodefesa

Para os EUA, só os sírios, nunca os palestinos, contam como "civis acossados que são levados a ações de autodefesa".

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Para os EUA, só os sírios, nunca os palestinos, contam como "civis acossados que são levados a ações de autodefesa". 

Por Ali Abunimah (Tradução de Idelber Avelar)

Ontem a Ministra Hillary Clinton, dos EUA, fez um entusiasmado discurso no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre as virtudes da democracia, dos direitos humanos e do apoio dos Estados Unidos a eles. Ela contrastou a pureza dos motivos estadunidenses àqueles de seus adversários regionais:

Quando um país como o Irã diz ser um defensor desses princípios na região – e reprime brutalmente o seu próprio povo e apoia a repressão na Síria e em outros lugares –, sua hipocrisia fica clara para todos.

Talvez. Claro que Hillary não examinou a hipocrisia do apoio dos EUA a ditaduras na região que também fingem apoiar a democracia e reprimem seu próprio povo. Só falou na Síria.

Na sexta-feira passada, milhões de eleitores no Irã – homens e mulheres – escolheram seus novos legisladores entre milhares de candidatos às eleições parlamentares. Os críticos podem ter razão em que essas eleições não são nada mais que um processo de seleção entre as elites conservadoras dominantes (confira-se também as eleições em curso nos EUA), mas isso é muito mais do que os cidadãos de alguns estados apoiados pelos EUA jamais têm a oportunidade de fazer.

No entanto, foi na questão de Gaza que a hipocrisia de Hillary brilhou de verdade. Eis aqui o que ela disse sobre a Síria:

Os EUA acreditam firmemente na soberania e integridade territorial de todos os estados-membro, mas não acreditamos que essa soberania exija que este conselho fique calado quando governos massacram seu próprio povo, ameaçando a paz e a segurança regionais no processo. E rejeitamos qualquer equivalência entre os assassinatos premeditados de uma máquina militar governamental e as ações de civis que estão acossados e são levados a ações de autodefesa.

Clinton apoiava ali, explicitamente, o direito dos sírios de utilizarem a luta armada para resistir a seu governo, e inclusive argumentou que essa luta armada é moralmente superior. Muito bem. O que ela disse sobre Gaza, que está há cinco dias sob bombardeio israelense não provocado, que matou mais de vinte pessoas e feriu dezenas?

Permitam-me também condenar nos termos mais duros o lançamento de foguetes de Gaza ao sul de Israel, que continuou durante o fim de semana. Chamamos os responsáveis a que ajam imediatamente para cessar esses ataques. Chamamos ambos os lados – todos os lados – a que façam todos os esforços para restaurar a paz.

Só isso. Nem uma palavra de compaixão pelas famílias de palestinos civis mortos nos ataques israelenses. Ela omitiu o fato de que Israel começou a rodada de violência na sexta-feira com o assassinato premeditado, por sua máquina militar governamental, dos palestinos que Israel acusa de serem o “cérebro” dos ataques.

Pois então, Israel realizou uma execução extra-judicial de pessoas a quem acusa de crimes num território ocupado.Como já expliquei antes, Israel nem se preocupa, ao contrário até mesmo da China ou do Irã, em processar palestinos que condena à morte, em segredo e in absentia. Simplesmente vai direto à fase de execução.

Mas tudo isso está certinho para Hillary – ela nem mesmo o menciona. E, depois de 63 anos de expropriação, limpeza étnica e ocupação, os palestinos têm em algum momento direito à autodefesa? Os palestinos são jamais considerados, como os sírios, “ civis que estão acossados e são levados a ações de autodefesa”?

Claro que não. Em vez disso, Hillary repetiu os velhos e já cansados slogans.

A única forma de que os palestinos consigam qualquer coisa, ela insistiu – até mesmo enquanto as bombas israelenses os acossam, os executam e arrancam sua terra para mais colônias exclusivas para judeus – é através de “negociações” de cartas marcadas, que nunca foram a lugar nenhum exatamente porque os EUA têm suas enormes mãos colocadas na balança em favor de Israel.

Ontem na ONU, Hillary Clinton mais uma vez entregou um cheque em branco para que Israel faça o que quiser, com certeza de impunidade e apoio irrestrito dos EUA.