Homofobia nos bancos de sangue de Portugal

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Um requerimento do deputado do Bloco de Esquerda de Portugal, João Semedo, confirmou uma prática nefasta dos bancos de sangue do país: os homossexuais simplesmente são impedidos de fazer doações. A ação parlamentar surgiu a partir da denúncia de uma mulher que se dirigiu ao hospital de Santo Antônio, no Porto, tendo sido impedida de dar sangue por ter declarado que manteve uma relação homossexual.

"A necessidade de garantir que os potenciais dadores não têm comportamentos de risco que, em termos objetivos e cientificamente comprovados, podem constituiruma ameaça à saúde e à vida dos potenciais beneficiários, leva à exclusão dos potenciais dadores de sangue masculinos que declarem ter tido relações homossexuais", diz a resposta assinada pela chefe de gabinete da ministra da Saúde em relação ao tema.

"Esta restrição é justificada cientificamente pelas elevadas taxas de prevalência nos homossexuais de sexo masculino de doenças graves transmissíveis pela transfusão de sangue", prossegue a resposta do governo, que conclui que a discriminação nos serviços de recolha de sangue não é feita "em função da sua orientação sexual, mas tão só com base na avaliação do risco potencial associado ao estado de saúde e aos hábitos de vida dos dadores".

A resposta do governo não explica porque é que uma lésbica foi impedida de dar sangue no Porto e insiste na necessidade de excluir os homossexuais masculinos. O deputado João Semedo voltou a contestar a discriminação "com base em preconceitos e em premissas sem qualquer bse científica ou legal".

O deputado bloquista diz que "o ?critério estatístico? é inteiramente falacioso, já que a infecção VIH/Aids aumenta sobretudo entre heterossexuais. Paralelamente, não existem práticas sexuais exclusivas dos homossexuais, sendo que a teoria de que estas práticas afectarão a qualidade do sangue é extremamente perigosa, e apenas poderá dar falsas seguranças aos cidadãos beneficiários do sangue recolhido".

O Coordenador Nacional para a Infecção VIH/Aids, Henrique Barros, também insurgiu-se contra a prática ditada pelo governo e disse que "não há razões" para excluir qualquer grupo de pessoas da doação de sangue, lembrando que já não existem grupos de risco.

O SOS Racismo também reagiu em comunicado à posição do governo. "Não seria mais sensato questionar os dadores sobre atos que sejam objetivamente de risco tais como partilha de seringas, relações sexuais sem proteção? Que prove o Ministério da Saúde que as pessoas correm mais riscos em contrair o HIV por terem relações homossexuais. Se não, repetimos, a justificação é absurda e injustificável", diz o comunicado da associação anti-racista.

Em comunicado de imprensa a Não te Prives - Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais, escreve que "proibir homens homossexuais de doar sangue só por terem relações homossexuais é manifestamente uma prática discriminatória sem qualquer fundamento científico", que viola a Consituição portuguesa, onde se proíbe a discriminação "em função da sua orientação sexual". "Agora, o Ministério da Saúde assume aquilo que a prática de muitos hospitais vinha provando e que várias organizações denunciavam: uma prática discriminatória que põe de lado milhares de potenciais doadores/as quando existe sempre necessidade de sangue." E sugere que o questionário passe a perguntar aos dadores "se têm comportamentos de risco", em vez de se perguntar qual a sua orientação sexual.

Também a associação ILGA-Portugal partilha esta proposta e considera que a orientação seguida nos serviços de saúde "perpetua um preconceito e um estigma" quando "a Constituição da República Portuguesa é a única na Europa que proíbe explicitamente, desde 2004, a discriminação com base na orientação sexual".

Ministério português mente na resposta

A resposta do Ministério da Saúde ao requerimento do deputado João Semedo é categórica na defesa da interdição da doação de sangue por parte de homossexuais, alegando que "verifica-se que todos os países da Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália, entre muitos outros, têm por regra não autorizar a dádiva de sangue por homens que têm relações sexuais com homens". Uma versão que é desmentida agora pela responsável europeia pela Saúde, levando o Bloco a pedir explicações à ministra da Saúde sobre o motivo de ter prestado informação errada à opinião pública.

"Poder-se-ia dizer que é incompetência ou ignorância, mas na verdade é mais do que isso. Há uma tentativa de manipular as pessoas, acenando-lhes com leis e proibições que afinal não existem", disse Francisco Louçã. "O governo está a criar uma cultura de discriminação" que é "profundamente ofensiva da dignidade das pessoas", acrescentou o coordenador bloquista, dizendo que a situação é ainda mais grave por partir "de quem tinha de ter mais cuidado, por ter conhecimento técnico e científico sobre a questão".

O ex-comissário nacional de luta contra a Aids juntou-se ao coro de protestos e diz mesmo que "Portugal seria o primeiro país da Europa a prever a exclusão de homossexuais masculinos da dádiva de sangue". Em declarações ao Diário de Notícias, Machado Caetano comentou também as declarações do presidente do Instituto Português do Sangue, dizendo que elas "mostram ignorância e são lamentáveis. Um homossexual que se proteja tem tantas possibilidades de estar infectado como um heterossexual que faça o mesmo. E há muitos casais que têm mais cuidado do que outros heterossexuais", sublinha o ex-comissário.

Machado Caetano junta-se assim às vozes que exigem a demissão de Gabriel Olim, que justificou a exclusão dos homossexuais enquanto grupo, argumentando que "a prevalência de infecção VIH/sida é maior em homens que têm sexo com homens". Machado Caetando diz que o presidente do Instituto "não está em condições adequadas para continuar a exercer" o cargo.

Entrevistado pela Antena 1, Gabriel Olim insistiu nas regras que discriminam estes dadores, afirmando mesmo que os homossexuais que querem dar sangue "não podem estar de boa fé", e não aceita que andem "a testar o sistema".

Com informações do Esquerda.net.