(Im)Previsível

Como a Sociologia ajuda a explicar o sucesso de Ana Paula no Big Brother Brasil 16.

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Como a Sociologia ajuda a explicar o sucesso de Ana Paula no Big Brother Brasil 16 Por Murilo Cleto* A mineira Ana Paula Renault tem 34 anos. Formada em Jornalismo, nunca exerceu a profissão ou mesmo qualquer outra atividade profissional na vida e, como apresentada pelo teaser da mais nova edição do Big Brother Brasil, se orgulha de ser suportada pelo pai. Logo no início do programa, Ana Paula causou escândalo ao se assumir machista. "Eu era muito feminista. Mas acho que o mundo tem que ser machista. Acho que a mulher pode levar o café da manhã na cama, e o homem fazer seu papel de provedor. A mulher está muito pra frente e os homens estão ficando cada vez mais bobos. Não estou atrás de direitos iguais. De jeito nenhum", disse numa conversa com Harumi. Com o passar das semanas, no entanto, as posições controversas da participante passaram a jogar a seu favor. Se, por um lado, a presença de Ana Paula na casa tem se tornado cada vez mais insustentável graças aos incontáveis barracos, por outro o público já deu sinais o suficiente de que não vai abrir mão dela tão facilmente como gostariam seus colegas, como demonstraram todas as experiências em que a sua popularidade foi posta à prova. Mas há algo de previsível nesta imprevisibilidade explosiva que tanto cativou o público do reality global. Ana Paula e o Big Brother Brasil não estão descolados do tempo em que vivem e o reproduzem, assim como são resultado dele. Em O Declínio do Homem Público: As Tiranias da Intimidade, Richard Sennett demonstra como a relação do homem com o espaço público foi alterada ao longo dos tempos, especialmente a partir da segunda metade do século XX, quando, de acordo com o sociólogo, triunfaram as “tiranias da intimidade”. No século XIX, a vida privada era considerada um refúgio idealizado, um mundo exclusivo dotado de valor mais elevado que o domínio público. É por isso que relações extraconjugais na era vitoriana aconteciam mais publicamente do que se imagina. No limbo moral do “lado de fora”, o peso da traição era outro. Com a emergência da sociedade do espetáculo, nas últimas décadas, a superioridade moral da vida privada se desdobrou numa verdadeira avalanche de intimidade na esfera pública. E a cultura das celebridades é mais uma evidência disso. Se boa parte deste mercado gira em torno de suas atividades profissionais, outra, por sua vez, sobrevive em função de sua privacidade, tornando cada vez mais tênue a fronteira entre público e privado. Quer dizer, para as celebridades do show business, a exposição das suas preferências gastronômicas ou dramas em relacionamentos amorosos é tão importante quanto a produção do último disco ou a gravação da última novela. Sabe-se que muitas figuras públicas mantêm, elas próprias, contato com fotógrafos paparazzi para combinar “flagras” em restaurantes e baladas. Aqui, os holofotes não interessam somente à mídia que faz as imagens circularem o mundo, mas à própria figura exposta. Isso acontece, em grande medida, porque as máscaras da vida pública já não interessam a espectadores imersos no voyeurismo da contemporaneidade. Neste sentido, ganham força os valores de sinceridade e autenticidade. E é deste paradigma que se retroalimenta o Big Brother Brasil. No fim das contas, o que está em jogo no reality é a capacidade de demonstrar ao público o quão verdadeiro se é dentro dele. Não por acaso, os seus vencedores são jogadores que, ao menos nas aparências, abdicaram da condição de jogadores para libertar a real persona escondida pelo teatro do jogo. Com este objetivo, suspeita-se que participantes tenham simulado sotaques e inventado trajetórias de vida que soassem mais simples, orgânicas, como é o caso do vencedor da última edição, Cézar Lima. Para ganhar o Big Brother, é preciso, acima de tudo, fingir não fingir. Em geral, explosões de temperamento no programa produzem efeitos contrários aos que produziriam convencionalmente na polidez da vida pública. Ou seja, em vez de repudiadas, são abraçadas pelo público espectador como certificados de autenticidade. Ana Paula deve saber disso. Assim que a conversa com Bial acaba, costuma partir armada até os dentes para cima dos desafetos. Ao rival Renan, disse certa feita: “você é feio, seu dente é falso e seu cabelo é horroroso”. De repente, as críticas por ser "patricinha" foram rebatidas pelo orgulho de uma personalidade destemida. “E daí? Isso é da minha vida”, ela costuma responder. Diante da sensação cada vez mais intensa de que vive-se numa "ditadura do politicamente correto", usa a percepção egocêntrica do mundo como um trunfo legitimador. “Pelo menos eu sou verdadeira, não sou atriz. [...] Dente de porcelana”, disparou contra Renan logo após a formação do último paredão, no domingo. Ao pedir os votos do público para ficar no programa, Ana Paula assumiu as trapalhadas. Disse que costuma “meter os pés pelas mãos”, mas que isso é resultado de quem ela é e que aquilo não se trata de uma novela. Numa ocasião, chegou a dizer que usaria o dinheiro do prêmio para fazer uma cirurgia plástica. Há quem considere fútil. Mas há, sobretudo, quem considere sincero. Diminuída, a adversária de paredão Juliana disse que prefere sair do que permanecer na casa com Ana Paula e que também é verdadeira, mas de um jeito “diferente”. É como se assumisse a impossibilidade de superar o bloqueio do superego que se vê na mineira. “Ela é louca”, costuma dizer com frequência. Nas redes sociais, verdadeiras legiões têm se mobilizado, espontaneamente, em favor de Ana Paula. A grande maioria dos fãs repete, à exaustão, que a jornalista é um contraponto à falsidade no programa. E, na velocidade da luz, se reproduzem nas redes sociais os memes com ofensas ditas por ela a outros participantes, sobretudo Renan, o “dente de porcelana”, e reações espontâneas de alegria e ódio transformadas em gif. Ana Paula pode não vencer o BBB 16. Mas é impossível negar o seu sucesso estrondoso entre um público que vive sob as tiranias da intimidade. E que ele, no fim das contas, é tão previsível quanto a sua imprevisibilidade. * Murilo Cleto é historiador e mestre em Cultura e Sociedade. Atua como professor no Colégio Objetivo e no curso de Licenciatura em História das Faculdades Integradas de Itararé Foto de capa: Divulgação