Índice de qualidade de vida de São Paulo será construído pela população

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O Movimento Nossa São Paulo lançou hoje, 15, o projeto de criação de IRBEM, Indicadores de Referência de Bem-Estar do Município, com o objetivo de identificar e categorizar o nível de qualidade de vida dos moradores da capital. Este seria o primeiro indicador a construir um perfil do acesso, aos serviços e equipamentos públicos de qualidade, à cidadania e ao bem-estar.

O índice foi lançado em evento do Movimento Nossa São Paulo, que comemorou o 2º aniversário do movimento e levou ativistas, cidadãos, intelectuais e políticos, inclusive a senadora Marina Silva, para debater indicadores sociais e a necessidade da inclusão de variáveis relacionados à sustentabilidade do desenvolvimento.

Além do objetivo pioneiro, a proposta da forma como o índice é estruturado também quebra padrões. Apesar da parceria com o Ibope em sua execução, a pesquisa será norteada pela vontade do público. A ideia é que os moradores da cidade possam construir o indicador conforme quesitos que eles próprios indicarem prioritários ao se qualificar a qualidade de vida em São Paulo.

A inclusão da percepção dos moradores sobre sua qualidade de vida em um índice tem a intenção de estimular a participação cidadã. “A pesquisa não será feita por um grupo de sábios, a ideia é fazer uma construção participativa”, diz Oded Grajew. Ele acredita que a medida vai de encontro à defesa do movimento pela democracia participativa e da atuação cidadã, e comenta: “muita gente vai se incomodar com sua vida após realizar a pesquisa. Vai ser um exercício individual e coletivo bastante importante”.

A pesquisa também pretende ser, além de um exemplo para todo o Brasil, um incentivo para a elaboração de políticas públicas que busquem uma melhora nos níveis dos indicadores que forem identificados. Como afirmou o filósofo Mario Sergio Cortella em palestra durante o evento, o indicador não deve somente constatar a situação presente, mas “para iluminar, para mostrar o caminho”.

A secretaria de educação do município já se comprometeu a levar para os alunos das escolas públicas a consulta de formação de prioridades na metodologia da pesquisa. Grajew afirma que o Movimento Nossa São Paulo levará a consulta também a escolas privadas, empresas e ao público em geral. A consulta será aberta ao público dia 15 de junho e se encerrará em 30 de setembro e estará disponível no portal do movimento. Os dados colhidos darão base para que pesquisadores do Ibope estruturem a metodologia da pesquisa, que resultará em um questionário a ser avaliado pela população em outubro. Nesse mês serão selecionados os itens prioritários e incorporados em pesquisa anual do movimento. No mês seguinte será realizada a pesquisa em amostra proporcional aos diversos segmentos da população. O resultado sairá no 456º aniversário de São Paulo, em janeiro do ano que vem.

Indicadores
Os indicadores econômicos e sociais são fenômenos modernos na história política, mas seu desenvolvimento tem sido gradual e com muitas falhas. O índice universal mais utilizado atualmente para comparar países e medir o nível de desenvolvimento de uma região administrativa é o PIB (Produto Interno Bruto). A mesa de debates do evento em que se lançou o novo indicador social levantou os problemas dos atuais indicadores utilizados para medir o desenvolvimento. O mais criticado foi o PIB.

Há 29 anos, a ONU já questionava este e outros índices econômicos que desconsideravam variáveis sociais para medir o desenvolvimento de um país. “O desenvolvimento não pode ser entendido como crescimento econômico”, sustentou José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP. Ele diz que o PIB é a pior medida de desenvolvimento econômico, mas que o problema está na forma de realizar a contabilidade nacional.

O PIB nasceu antes da Segunda Guerra Mundial como forma de os governos preverem o quanto dispunham de recursos e de quanto precisariam para financiar a guerra. Portanto, o índice desconsidera os recursos que não servem como moeda de troca nem para alimentar o capital, como a produção gerada pelo trabalho doméstico – que geralmente recai sobre as mulheres, excluindo a dupla produtividade que a maioria exerce no país. “Ao contrário do que se pensa, houve uma discussão imensa acerca da inclusão sobre as variáveis que hoje estão fora do cálculo do PIB”, diz Veiga.

Na década de 1950, as inconsistências do PIB com seu uso para identificar níveis de desenvolvimento mostraram-se quando se constatou que países com altas taxas de PIB não apresentavam sinais de desenvolvimento. A pobreza aumentava, a educação piorava. “Isso não é desenvolvimento”, diz. “Estamos fazendo a conta errada usando o PIB”, apontou Ladislau Dawbor, que também esteve presente na mesa. Ele ainda criticou o foco do mundo atual somente no crescimento econômico e ainda brincou: “crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa”.

Da constatação da ineficácia do uso do PIB até uma proposta alternativa passaram-se 40 anos. Foi só na década de 1990 que surgiu o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que, na opinião de Veiga, “foi mais uma gambiarra”. Ele entende que, apesar do avanço ao se considerar expectativa de vida e acesso à educação, o índice falha ao usar o PIB per capita para calcular o terceiro componente do índice: o nível de vida. O professor lembra que as crescentes desigualdades sócio-econômicas impedem que se faça uma média da renda de cada cidadão de um país baseado no PIB.

“Mas há notícias novas e animadoras: o IDH está sendo reformulado e até 2010 surgirá uma nova proposta”. Dentro desta reformulação formaram-se três comissões para estudar e estruturar formas de incluir novas variáveis: sustentabilidade, grau de satisfação da população com sua vida. Também foi criada uma comissão que pretende corrigir os “clássicos erros” do PIB.

Dawbor defende que o tempo deveria entrar na contabilidade do PIB, pois lembra que o tempo é um recurso escasso e não-renovável, além de ter valor. “Se você contar o tempo que as pessoas perdem de seu trabalho na fila do banco, que elas perdem dentro do ônibus, isso tudo é renda que não foi gerada”, explica.