A Intolerância Legislativa

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A Câmara Municipal de Fortaleza perdeu nesta terça-feira (23) uma grande chance de aprovar um texto exemplar de tolerância e diversidade como nortes do Plano Municipal de Educação. Em mais uma demonstração do perigoso conservadorismo que vem se estabelecendo nos legislativos brasileiros, a chamada Casa do Povo preferiu, por 25 votos a 15, aprovar uma emenda que retirou do citado PME diretrizes que propunham o incentivo à pacificação de diálogos, à superação de preconceitos, discriminações, violências sexistas e homofóbicas, como também o incentivo à criação de diretrizes c orientações para o sistema de ensino público e privado no reconhecimento positivo e respeito à identidade de género. Foi uma derrota de Fortaleza, mas acima de tudo, uma derrota do bom senso, da educação e da humanização que tanto estamos perseguindo nestes tempos em que grassa a intolerância. Fortaleza, como as demais capitais brasileiras, é uma cidade onde justamente é tão necessário o  incentivo à pacificação, ao diálogo como arma do fim dos preconceitos e ao respeito às diversidades que o texto original da Lei previa. Um dos vereadores que mais combateu a medieval emenda é também um dos mais atingidos por ela: Paulo Diógenes, humorista conhecido nacionalmente, criador da personagem Raimundinha, que chegou a chorar no plenário. Em discurso emocionado, Paulo lembrou o que sofreu de preconceito enquanto criança na escola e ainda sofre até hoje, por ser gay. Estive presente em seu belo casamento, há dois anos, quando Paulo e seu companheiro oficializaram uma união que finalmente foi permitida para milhares em solo nacional, após uma histórica decisão do Supremo Tribunal Federal e uma postura firme do Conselho Nacional de Justiça. No rol de padrinhos, o Prefeito de Fortaleza, Roberto Claudio e a primeira dama Karol Bezerra. Lembro que naquele dia comentei com a minha esposa que estávamos vendo a história acontecer. Devo ter sido muito otimista. Infelizmente, o parlamento de Fortaleza não é um exemplo isolado, pois a cada novo dia surgem mais exemplos de retrocesso nos direitos civis em nosso país. No Congresso Nacional, outro parlamentar que se opõe ferrenhamente à intolerância e ao preconceito, o deputado federal Jean Wyllys, presencia diariamente o acirramento do fundamentalismo na Câmara Federal, onde a onda conservadora trabalha em várias frentes e em tempo integral. Num momento no qual até mesmo a Igreja Católica sinaliza com a bandeira da tolerância através das vozes de vários de seus líderes, principalmente após declarações recentes do Papa Francisco, outros religiosos como Silas Malafaia e Marco Feliciano são apenas alguns de tantos outros nomes que, em nome da fé, discriminam por tabela o direito à cidadania de quem nasceu diferente. Vozes que arrebanham milhões de fiéis e de votos e vão configurando parlamentos que refletem o seu eleitorado. Nesse triste diapasão, Jean e Paulo são ao mesmo tempo atores e vítimas de suas próprias casas legislativas, travando uma batalha desigual, tendo como opositores rebanhos intolerantes e hiperbolizada por meios de comunicação, líderes religiosos e seres ultra-conservadores que parecem ter surgido diretamente da Idade Média para os dias atuais. No meio disso tudo, uma maioria inerte que não toma posição e não percebe o risco que a atual caça às bruxas (lato senso), pode causar a toda nossa imberbe democracia. O discurso de Paulo Diógenes também não sensibilizou a maioria dos vereadores de Fortaleza presentes à sessão. Mesmo assim, o transcrevo aqui. Que suas palavras alcancem muito mais do que os seus colegas de parlamento que não a toleraram:
" Eu ouvi na escola que quem era gay era pedófilo, era pederasta. Gente, eu voltei para casa dizendo que minha vida tinha acabado. Eu tinha 12 anos! Eu não pedi para ser gay, eu nasci gay. Mas eu perguntava “Deus, por que você me fez gay? Por que eu nasci doente? Ele me deu essa doença e ainda me reprova?”. Eu sofri tanto na escola... E eu optei por sofrer? Eu optei por apanhar? Optei por ser apontado na rua? Se deus tem poder de transformação, por que não me transformou? Vocês acham que optei por chegar nessa Câmara Municipal de Fortaleza e ter que ouvir piadinhas de alguns vereadores?
Eu sou cristão, porque jamais julguei algum vereador aqui na casa. Sabe por que eu sou cristão? Porque jamais usei a fé alheia para me eleger.  Vocês falam em família e isso me toca, porque há dois anos a Constituição me garantiu isso.
Cresci com meu pai dizendo “Tome jeito de homem”, e eu quero dizer para vocês: eu sou homem.
Superei todos os preconceitos e hoje tenho meu marido, tenho minha filha, tenho minha família. Vocês não tem procuração de Deus para me julgar. Hoje eu tenho orgulho de ser gay. Tenho uma família e sou feliz. Não misturem religião com política! Aqui não é púlpito de Deus para despejar o ódio de vocês.
Sou gay, sou honesto e o que mais me doeu a vida inteira foi ouvir: “Paulo é uma pessoal boa, inteligente, mas é gay”. Esse “mas é gay” é a pior coisa. Não queiram jogar essas crianças na fogueira, nós estamos pedindo só para os professores saberem como lidar.  Amanhã as pessoas em Fortaleza saberão quem são os Bolsonaros, os Felicianos e os Malafaias da Câmara Municipal."
Ao querido Paulo Diógenes e tantas outras vítimas de intolerância e preconceito Brasil afora, toda minha solidariedade.