Irma Passoni explica valores da tecnologia social

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Na segunda parte da entrevista, Irma Passoni, gerente executiva do Instituto de Tecnologias Sociais (ITS) explica a preocupação com a metodologia e a apropriação do conhecimento pelas comunidades que utilizam tecnologias sociais.

Leia a abertura da entrevista: “Tecnologia social é a ponte entre a necessidade e a solução do problema” 
Leia a primeira parte da entrevista: Informação qualificada para o enfrentamento


Fórum – Como definir tecnologia social?
Irma Passoni –
Tecnologia social é a ponte entre a necessidade e a solução do problema. É direcionada a gerar trabalho e renda, promove os direitos humanos, contribui para profissionais da academia compreenderem o mundo.
Nossa preocupação maior é com a metodologia. A tecnologia social pode até resultar um produto, dispositivos ou equipamentos, mas ligado a um processo transformador. Não sou um ser máquina, sou um ser humano, e essa metodologia precisa me ajudar a me sentir mais gente, construindo, modificando. São coisas que só consigo conversando com outras pessoas, porque na interação, as pessoas vão se apropriando do conhecimento e construindo transformação social ao buscar solução para problema prático. São novos serviços, inovações sociais, organizações e novas visões de gestão.

Fórum – Quais são os valores necessários em projetos de tecnologia social.
Irma –
Produzimos uma série de debates para identificar os valores que a tecnologia social tem de trazer e indicadores para medir. É preciso promover inclusão cidadã, verificar se ela gera participação, se trata de problema de relevância social, se a solução é eficaz e tem durabilidade, se garante acessibilidade a todos – especialmente pessoas com deficiência física e mental –, se tem sustentabilidade econômica e ambiental. É preciso ainda produzir organização e sistematização, quer dizer, é importante que as pessoas escrevam suas histórias e experiências. É preciso haver uma dimensão pedagógica, criar bem-estar e trazer inovação social. Finalmente, um indicador importante é que as pessoas tenham vontade de comemorar e celebrar a caminhada. É um processo longo, que não é feito de um dia para o outro, mas a metodologia vai alavancando novas ações a ponto de a coisa "perder o controle", o que é bom, porque significa que pessoas tomaram controle.

Fórum – Como se dá essa inovação?
Irma –
A inovação não ocorre só dentro da fábrica, nas empresas, mas a forma como pessoas compreendem a necessidade, encontram soluções juntos e conseguem encontrar soluções. Elas mesmas vão incorporando e fazendo com que tenham mais conhecimento. Na informática, não basta aprender a digitar, mas entender como construo o conhecimento, como uso e para que serve a informação. Tenho que ser produtor e usuário de informação, e não um digitador de ponta de dedo.

Fórum – Quem faz tecnologia social?
Irma –
Os atores da tecnologia social são associações civis, populações tradicionais que foram acumulando seu saber popular, usando conhecimento e tecnologia local. Povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, catadores também têm tecnologias. Mas também pessoas que estão em programas de tecnologia, em instituições de ensino e nos poderes públicos. Uma das mais claras, na minha visão, é o Poupa Tempo, que centralizou todos os serviços de emissão de documentos em um mesmo lugar de forma integrados. Empresas com responsabilidade social também, assim como cooperativas e sindicatos. Tecnologia social não é propriedade de um grupo específico, mas tem condições. É o saber popular conversando com o acadêmico para resolver problemas que a população tem, em sintonia com Constituição de 1988, no artigo 718, com as conclusões da CPI Causas do Atraso e com a criação da Secretaria para Inclusão Social em 2004 [Secis].

Fórum – A partir da criação da secretaria, pode-se dizer que as Tecnologias Sociais são uma política pública?
Irma –
Estamos tentando tornar política pública permanente a partir do projeto de lei construído pelo ITS com as entidades do Fórum Brasileiro de Tecnologia Social e Inovação. O projeto [3449/08] foi apresentado pelo deputado Rodrigo Rollemberg [PSB] cria o Programa de Tecnologia Social, Protecsol.

Fórum – A senhora poderia citar exemplos onde a metodologia do ITS foi aplicada?
Irma –
A metodologia chamada Desenvolvimento Local Participativo foi fruto de um processo que identificou experiências, juntou pessoas para discutir, buscou na academia as teses nessa área, reconstruiu e aplicou [os conhecimentos na prática]. Fizemos isso por exemplo em Cidade Ipava, na Zona Sul de São Paulo e em duas localidades do Distrito Federal, a cidade satélite de Itapoã e o bairro de Mestre d?Armas, em Planaltina.
A população é mobilizada por meio de uma entidade local, e eles decidem se querem fazer desenvolvimento local. Escolhem moradores para serem pesquisadores, que vão fazer um levantamento de dados em uma pesquisa local, residencial e comercial. Essas pessoas são capacitadas, aprendem a digitar os dados, organizam as informações, e as “devolvem” aos moradores. Eles trabalham os dados, identificam os problemas marcantes e decidem priorizar ações. Ao fazer isso, definem a quem vão se dirigir – que atores do poder público, por exemplo. E fazem uma declaração que reflete os anseios, aponta as necessidades do local. Uma assembléia é feita com toda a comunidade e a declaração é entregue aos representantes do poder público.
Em Itapoã, por exemplo, são 85 mil moradores que só têm uma escola de primeira a quarta série do ensino fundamental. A maioria é analfabeta, mora no bairro há 5 anos e uma em cada três está desempregada. A renda media é de um salário mínimo, o que quer dizer que só têm dinheiro para a alimentação. Não há estrutura, a maioria do comércio é informal, sem possibilidade de sequer organizar um plano de negócio, sem capacitação e treinamento.
Eles priorizaram a construção de escolas, segurança, e infra-estrutura de saneamento. Solicitam serviços bancários – porque às vezes gastam dinheiro mais dinheiro no transporte para pagar uma conta menor do que preço do ônibus. Pediram curso de informática e computação, oficinas de costura, querem organizar salão de beleza, lanchonete, lojas.

Foto: MDS
Cisterna
Construção de cisternas é exemplo de tecnologia social, porque 
envolve apropriação de conhecimento pelas comunidades


Fórum – O poder público pode fomentar o processo de desenvolvimento local com tecnologias sociais?
Irma –
O ITS tem a experiência da padaria Pãosol, em Osasco, montada dentro dos parâmetros de segurança alimentar, com exigências do Ministerio da Saúde, procedimentos corretos para lidar com alimentos. Pessoas cadastradas em programas sociais se capacitaram para fazer alimentos, e ganharam certificado do Senai e estão tocando empreendimentos. Fizemos também a capacitação de tecnologia e design de uniformes escolares na mesma cidade. Foram produzidos 1 milhão de peças para alunos da rede pública. Para isso, foi necessário alterar a legislação do município. Agora, quando um produto é fabricado pela comunidade, gerando trabalho e renda, formação e sustentabilidade, a prefeitura pode comprar de empreendimentos da economia solidária.
Tecnologia social pode ser pensada, escrita, falada, mas para entender a teoria, é preciso fazer. Essa preocupação com a formação também está nas cisternas e no soro caseiro. Não é só misturar açúcar, sal e água. Isso não é tecnologia social, se fosse, bastaria dar a mistura pronta em vidro. O que muda quando a Pastoral da Criança começa a fazer o soro é a integração das pessoas a formação.


Leia a abertura da entrevista: “Tecnologia social é a ponte entre a necessidade e a solução do problema”
Leia a primeira parte da entrevista: Informação qualificada para o enfrentamento