Israel: Balanço das atrocidades recentes

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Pense rápido: você teve acesso nos últimos meses, caro leitor, a alguma matéria da grande mídia sobre a situação na Palestina? Não? Sempre que esse for o caso, a ausência de notícias quer dizer o seguinte: a ocupação colonial israelense continua a se expandir, os assentamentos de colonos armados seguem roubando terra palestina, crianças continuam sendo presas e torturadas, os serviços básicos para a população palestina seguem em situação precária, famílias palestinas continuam sendo arrancadas e despejadas de suas casas para dar lugar a colonizações judaicas ilegais segundo a lei internacional. Tudo isso já passou a fazer parte da paisagem. Não é notícia. Ocorre com a população palestina o pior que pode acontecer com qualquer vítima: sua condição já está naturalizada. Neste contexto, Israel só aparece na mídia com a ocasional entrevista de seus líderes manifestando “preocupação” com o programa nuclear do Irã, um país que nunca invadiu vizinho nenhum. Se, no improvável caso de que algum palestino conseguisse furar o bloqueio do exército de ocupação e cometesse algum atentado suicida no interior de Israel, aí sim, claro, teríamos manchetes de primeira página na imprensa de todo o mundo. É o que os palestinos chamam de desumanização. Sua própria condição de seres humanos já não é parte da equação com a qual se discute o problema. Tradicionalmente, os líderes israelenses, trabalhistas ou de direita, pouco importa, sempre jogaram um jogo de gato-e-rato ou esconde-esconde com os insistentes pedidos de negociação. Alegavam que antes que acontecessem negociações os palestinos tinham que “renunciar ao terrorismo”, estivessem ou não acontecendo ataques suicidas. Ou desqualificavam qualquer interlocutor palestino. Primeiro, Israel alegava que com a secular Organização para a Libertação da Palestina (OLP), de Yasser Arafat, não era possível conversar. Depois, com o crescimento do Hamas, inicialmente estimulado pelo próprio estado sionista, era o grupo islamista que não era digno de ser interlocutor. Desde a vitória da extrema-direita nas últimas eleições israelenses – vitória que era, sabemos, o verdadeiro objetivo por trás do inominável massacre a Gaza na virada do ano –, a mais longa ocupação colonial da era moderna entrou em outra etapa. As operações de expansão dos assentamentos colonizadores multiplicam-se e são explicitamente apresentadas como política estatal. Já não há muito interesse em inventar desculpas ou mascarar nada. Em Jerusalém Oriental a situação vai ficando desesperadora. O setor oriental da cidade é considerado território palestino pela lei internacional. Ou seja, é parte do que está ilegalmente ocupado pelas forças coloniais desde 1967. O avanço sobre esse território, desde a vitória da extrema-direita, vem crescendo em ritmo inaudito. Os bairros israelenses de Jerusalém Oriental (ilegais, portanto) já totalizavam 200.000 habitantes no começo de 2009, mais de um quarto da população da cidade. Sobre estes colonos ilegais, é sempre bom lembrar que são invariavelmente movidos pelo objetivo explícito de ocupar terra alheia, por motivos religiosos ou racistas. Muitos são emigrados norte-americanos delirantemente anti-árabes. Andam fortemente armados e têm um histórico de violência. Desde o começo de 2009, mais 2.000 colonos ilegais se mudaram para Jerusalém Oriental, agora não mais para os bairros israelenses, mas para os centros de  população palestina, que vai sendo expulsa de suas casas. Segundo informações da organização israelense não-governamental Ir Amim, mais 750 colonos ilegais devem se instalar em bairros palestinos de Jerusalém Oriental, acirrando ainda mais as tensões. A política de demolições de casas palestinas passou a ser parte do cotidiano de Jerusalém. O encarceramento de crianças chega ao nível mais alto desde o início da ocupação ilegal das terras palestinas. Na madrugada do dia 22/09, mais oito crianças de idades entre 10 e 17 anos foram arrancadas de suas casas em Nablus e Qalqiliya, no norte da Cisjordânia. Segundo a organização Defense for Children International, a média de crianças mantidas em cárceres israelenses chegou a 375 por mês em 2009, um aumento de 17% em relação a 2008. O site electronicintifada.net recentemente relatou a história do garoto Nashmi Muhammad Abu Rahme, de 14 anos, do vilarejo de Bilin, nas imediações de Ramallah. A população do vilarejo havia conseguido, através de protestos não-violentos e iniciativas judiciais, que um tribunal israelense ordenasse o deslocamento do muro do Apartheid, que ali separa os pequenos agricultores de suas próprias terras. A ordem, evidentemente, foi ignorada pelo exército de ocupação e a vingança não se fez esperar.  Nashmi foi arrancado de sua cama às 3 da manhã, algemado, vendado e jogado num jipe: “Durante toda a viagem até a base militar eu fui repetidamente espancado e chutado até sangrar. Tive muito medo”. Lendo histórias como as de Nashmi, você entende o que o humanista israelense e ativista pela paz Uri Avnery vem dizendo há anos: a ocupação não desumaniza somente as vítimas. Ela vai corroendo também a sociedade israelense por dentro, eliminando a possibilidade de que seus cidadãos empatizem com quem sofre. Está marcado para o dia 1 de outubro um ato inédito de luta. Com a subida da extrema-direita ao poder, exacerbaram-se as manifestações explícitas de racismo por parte de Israel contra seus próprios cidadãos árabes. Os 1,3 milhão de árabes israelenses – um quinto da população do país – vêm sofrendo repetidos atos de violência simbólica, como a proibição da comemoração do Nakba, a “catástrofe”, que é como os palestinos designam o confisco a que foram submetidos em 1948. Essa violência simbólica vai se traduzindo, com cada vez mais frequência, em atos de violência física. Diante disso, está convocada uma greve geral dos cidadãos árabes contra o racismo como política estatal. Se ela conseguir incomodar o status quo israelense, talvez você até veja algo na mídia ocidental. Este artigo é parte integrante da Edição 79 da Revista Fórum