João Sicsú: Não foi o estagiário, foi o IBGE

O IBGE cometeu uma lambança. Encadeou uma metodologia velha com uma nova, comparando “laranjas com bananas”. Não é aceitável para um órgão que tem alta reputação cometer erro tão primário.

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Por João Sicsú* Normalmente valorosos estagiários cometem erros que são comuns, que fazem parte do aprendizado. Todo doutor em economia já cometeu tais erros. Na grande maioria das vezes os estagiários acertam. Mas, por vezes, comentem o seguinte erro: digitam um zero a mais ou colocam uma vírgula no lugar errado de um número. No passo seguinte, que é fazer um gráfico da referida série histórica que foi digitada, a linha do gráfico dá um salto. Os mais experientes pensam: houve um evento econômico relevante naquele ponto ou “foi o estagiário”. Se você pedir para seu estagiário fazer um gráfico com as variações mensais do índice do volume de vendas do comércio varejista produzido pelo IBGE aparecerá um grande “salto” em janeiro de 2017. Um salto jamais visto na série. Duas possibilidades: os patrões pagaram um 14º salário ou “foi o estagiário”. Nenhuma das duas possibilidades acima. Apenas, o IBGE mudou a metodologia do cálculo do índice. Até aí nenhum problema. Havia uma metodologia utilizada até dezembro de 2016. A partir de janeiro, foi implantada uma nova metodologia. O IBGE é uma instituição que tem capacidade e reputação para fazer tais mudanças. Ninguém pode acreditar em trapaças produzidas pelos funcionários do IBGE. O problema foi encadear a série velha com a série nova e calcular o salto de dezembro para janeiro comparando “laranjas com bananas”. O IBGE cometeu uma LAMBANÇA. Isso já tinha sido apontado por técnicos do IBGE em matéria da Carta Capital (em 29/04), afirmaram que o IBGE “... comparou os dados de janeiro de 2017 dos setores de comércio e serviços, calculados com base em uma metodologia nova, com os dados de dezembro de 2016, calculados na metodologia velha”. Faz pouco tempo, o IBGE fez mudanças e revisões na série do PIB brasileiro. Nenhum problema. Além disso, passou a utilizar a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domícilio) para medir o desemprego e abandonou a PME (Pesquisa Mensal de Emprego). Mas sempre fez revisões para trás nas séries. Dessa forma, são comparadas “bananas com bananas”e “laranjas com laranjas”. Não é aceitável para um órgão que tem alta reputação cometer erro tão primário e tão importante: comparar “bananas com laranjas” e ainda encontrar um resultado surpreendente (6%!!!) e nada comentar. Afinal, que mudança real ocorreu para explicar esse número extraordinário? A nova metodologia tem que ser aplicada ao passado para que tenhamos uma única série e não duas séries coladas por uma “jabuticaba”, um salto de 6% em janeiro. Todos os índices que utilizarem a “jabuticaba” do IBGE para o seu cálculo não terão valor. Desculpa, nem foi o estagiário nem os trabalhadores receberam 14º salário, o erro veio de onde menos se esperava: do IBGE.   *João Sicsú é economista, professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011. É autor do livro Os dez anos que abalaram o Brasil. E o futuro? (editora Geração), entre outros.   (Foto: Marcos Santos/ USP Imagens)