Jorge Wilheim e uma visão para a São Paulo de 2022

Há 60 anos pensando a cidade, urbanista propõe soluções para torná-la mais justa, solidária e segura

Para o arquiteto, falta qualidade urbana em São Paulo (Foto: Divulgação)
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Há 60 anos pensando a cidade, urbanista propõe soluções para torná-la mais justa, solidária e segura

Por Adriana Delorenzo

[caption id="attachment_21037" align="alignleft" width="378"] Para o arquiteto, falta qualidade urbana em São Paulo (Foto: Divulgação)[/caption]

O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim dedicou boa parte dos seus 60 anos de carreira para pensar a cidade de São Paulo, que completa 459 anos neste 25 de janeiro. Foi responsável pelo projeto do Vale do Anhangabaú, pelo Complexo do Parque Anhembi e pelo Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2002, entre outras obras. Aos 85 anos, Wilheim continua propondo soluções para o que chama de “macrometrópole global”, um aglomerado de 26 milhões de pessoas que envolve as regiões de Campinas, Sorocaba, São Paulo, Baixada Santista e São José dos Campos. Seu recente livro, “São Paulo: uma interpretação” (Ed. Senac), traz um conjunto de propostas pontuais para que em 2022, no centenário da antropofágica Semana de Arte Moderna, São Paulo possa se tornar uma cidade “onde todos possam habitar de forma justa, solidária e segura”. Confira a entrevista a seguir.

São Paulo faz 459 anos, o que temos para comemorar neste dia e quais são os principais problemas?

Podemos dizer que hoje se vive melhor do que há 50 anos, a cidade avançou, de alguma forma, sua infraestrutura. Existe já um começo de metrô, um plano diretor, vivemos em um ambiente democrático. Tem coisas para comemorar. A cidadania desenvolveu-se também bastante nos últimos 20 anos. Os cidadãos estão mais conscientes, a quantidade de organizações não governamentais e de movimentos que defendem diversas bandeiras é muito grande, e conseguiram algumas conquistas democráticas importantes.

Por outro lado, o que temos a nos queixar, em primeiro lugar, é o transporte público que continua muito deficiente. Existe um divórcio entre o discurso, que mesmo os técnicos fazem de que o transporte público é importante, e a realidade, na qual o automóvel é sempre beneficiado. Provavelmente nós somos a favor do nosso próprio automóvel, somos contra os automóveis dos outros. É preciso ser mais sério nessa colocação do transporte público como fundamental.

Boa parte Plano de Tranporte Público de 2004, um estudo técnico importante, até hoje, não foi implementada. Os corredores exclusivos de ônibus e a melhoria da qualidade do serviço de ônibus, medidas mais rápidas de implementar, não foram feitos. Temos que recuperar esse tempo perdido.

No campo do planejamento, o Plano Diretor será agora revisto, depois de dez anos, especialmente nos seus aspectos de curto prazo. É importante retomar isso e fazer os planos de bairro. São nos planos de bairro que se discutem as coisas miúdas, que nos alcançam todos os dias, que nos chateiam diariamente. São nas discussões dos planos de bairro que a população consegue uma participação mais eficaz.

Essas são as duas retomadas que eu espero que o prefeito Fernando Haddad faça para recuperar um pouco o tempo perdido nos oito anos passados.

Qual a sua avaliação em relação ao cumprimento do plano e quais são as expectativas para a revisão que se dará neste ano?

O Plano é uma lei, ele vingou, estamos todos sendo regidos por essa lei, portanto é uma coisa positiva. Mas diversos artigos não foram regulamentados. Se o Executivo não quer que determinado artigo de lei funcione, ele simplesmente se limita a não regulamentar. Isso aconteceu com uma dúzia de artigos do Plano Diretor, que têm que ser retomados e regulamentados. Se tivessem sido todos regulamentados, o efeito do plano teria sido maior.

A estrutura geral do plano é dividida em diretrizes de longo prazo de dez anos e as ações estratégicas de curto prazo, que podem ser revistas de quatro em quatro anos. Cada vez que se elege um prefeito, ele pode alterar as ações estratégicas, porém não pode alterar as metas de longo prazo. Isso não foi feito. Nem a gestão Serra, nem a gestão Kassab aproveitaram essa possibilidade que a lei dava de rever as ações estratégicas. Assim algumas coisas se acumularam como, por exemplo, o fato de que nas outorgas onerosas, nas operações urbanas, havia um teto que foi estabelecido por distrito, esse teto foi alcançado, e o mercado imobiliário se queixa que o teto era baixo, e que não se pode mais avançar com prédios em diversos bairros, como Vila Mariana, Pinheiros e outros.

No entanto, isso foi feito cautelosamente para não deixar o aumento da construção no infinito. Deve ser avaliado se esses tetos estão bons, se tem que abaixar ou aumentar. Outra coisa é a questão dos automóveis em cada edifício. Quando você tem um prédio de 30 andares com possibilidade de ter quatro veículos por apartamento, esse prédio se transforma num gerador de tráfego. A rua em frente não está preparada para receber essa quantidade de veículos. Essa é uma questão polêmica que deverá ser enfrentada na revisão do plano.

Em seu último livro, o sr. cita uma frase de Jacques Rousseau (1712-1778): “O interesse público não é o mesmo que o interesse de todos”. Como evitar que os interesses imobiliários prevaleçam?

Nesse ponto temos duas questões. Uma é a verticalização que é a altura, outra é a densidade, quantas pessoas e, principalmente, quantos automóveis. Não vejo dificuldade técnica em ter um edifício de 10, 15, 20 ou 40 andares, desde que ele não faça uma excessiva sombra sobre a vizinhança. Esse problema da ensolação e da sombra foi abandonado há muitos anos. Antigamente o código de obras exigia que cada prédio demonstrasse que não estava tirando totalmente o sol dos seus vizinhos. Quando comecei minha carreira sempre aplicava esse diagrama de ensolação. Isso foi abandonado e temos prédios que tiram totalmente a ensolação dos vizinhos. Também não vejo inconveniente em adensar gente, o que sim, importa, é dimensionar o adensamento de veículos.

O sr. propõe pensar soluções para a metrópole cada vez mais no contexto regional. Como possíveis construir essas relações intermunicipais superando as questões partidárias?

As questões partidárias devem estar sujeitas ao planejamento metropolitano. Nenhum prefeito independentemente do partido dele pode se permitir prejudicar sua população, deixando de discutir e de participar de um planejamento regional. O fato de serem partidos diferentes não pode, de forma alguma, prejudicar a população e isso tem que pesar negativamente. Houve queixa, durante a campanha eleitoral, de que o governo do Estado de São Paulo deixou de aproveitar recursos que eram cedidos pelo governo federal. Mas o governo federal nunca negou nenhum tipo de oferta de financiamento de participação a nenhum dos estados, e tampouco a São Paulo. Os governantes de SP que estão em falta com a sua população. Em contraste a isso nós vemos hoje, nos jornais, a ida do prefeito Fernando Haddad ao governador Alckmin e a assinatura de um convênio entre estado e prefeitura. PSDB e PT. Isso é muito positivo.

Como essas soluções pensadas regionalmente podem beneficiar o cidadão, poderia dar exemplos?

Em 1994 foi editado o Plano Macrometropolitano de São Paulo, feito pela Emplasa, do governo do estado, da qual eu era o diretor. Esse plano não teve efeito algum. Como estudo sim, mas na realidade os governadores não o adotaram. O que falávamos 20 anos atrás é muito atual. Se faz agora o estudo do trem metropolitano, é uma exigência muito saudável com um enorme atraso. Há mais de um milhão de pessoas que se deslocam de um município a outro dentro dessa região macrometropolitana, morando em Campinas, trabalhando em São Paulo, trabalhando em São Paulo, estudando em São José dos Campos. Esse transporte não pode ser feito sobre pneumáticos, com carros e fretados, deve ser feito sobre trilhos. Tem que haver trem. Todas as entradas de São Paulo ficam diariamente entupidas com o congestionamento do trânsito. Ou se muda a estrutura ou não tem saída.

Já dentro do município, as zonas Leste e Norte, tem uma quantidade de trabalhadores muito grande que não encontram emprego na própria região. Existem diversas estratégias em andamento, eu mesmo estou envolvido em uma delas. Estamos tentando descobrir de que maneira aumentar e incentivar os trabalhos e empregos dentro da zona leste, na Operação Urbana Jacu Verde. Começamos a estudar em agosto e deve terminar, provavelmente, em junho. Mas além do emprego, há outros problemas, a zona Leste tem carência de infraestrutura e uma excessiva dependência do chamado centro expandido, onde se concentram os empregos de fato. Isso tem que realmente ser alterado, tanto no plano como em ações estratégicas, para que se tenha mais autonomia nessas áreas periféricas e melhor qualidade de vida.

Qual é o impacto da universalização banda larga gratuita nessa integração regional?

O importante de criar pontos em que qualquer cidadão possa estar ligado na internet e não apenas nos cafés cibernéticos, mas em qualquer lugar. Ele tem uma dupla função, uma que qualquer cidadão possa acessar gratuitamente a internet. A outra é que se essas nuvens ou esses pontos de Wifi sejam em lugares habilitados a receber gente, como clubes, campos de futebol de várzea, escolas, lugares onde as pessoas se juntam. É muito importante que nos espaços públicos haja facilidades e conforto, além do equipamento técnico, para que as pessoas se encontrem. Isso dentro de uma visão de valorização do espaço público. É importante valorizar a rua mesmo, a rua não como um corredor de automóvel. [caption id="attachment_21038" align="alignleft" width="400"] Festival Existe Amor em SP levou milhares à Praça Roosevelt (Foto: Fora do Eixo)[/caption]

No ano passado, vimos diversos eventos organizados pela internet, como o Festival Existe Amor em SP e outros movimentos com o objetivo de ocupar as ruas. Estaria nascendo uma nova cultura do uso dos espaços públicos na cidade?

A população vive nas ruas, não é que está nascendo, é que as ruas não estão boas, há carência de qualidade dos espaços. As calçadas são ruins, os abrigos de ônibus só existem no centro, não existem na periferia, as pessoas ficam embaixo da chuva. Falta realmente qualidade urbana em São Paulo.

Em seu livro, o sr. traz uma visão de São Paulo em 2022, como seria essa cidade ideal daqui a dez anos?

Uma cidade mais justa, com mais inclusão social, menos diferenças, mais homogênea. Esse é o problema de toda a América Latina. A caracterítica do subdesenvolvimento é o distanciamento entre rico e pobre. Isso é típico na América Latina, e por isso todas as políticas sociais têm que ser continuamente e cada vez mais políticas de inclusão social. A primeira coisa que SP poderia ser é uma cidade mais justa, com mais oportunidades para todos. Em segundo lugar, uma cidade que respeite os espaços públicos, com calçadas perfeitas, cruzamentos de ruas que respeitem o pedestre, beleza nas ruas, por exemplo, com jardins, não só em grandes parques, mas pequenos lugares nos bairros, lotes vagos poderiam ser transformados em ponto de encontro público. Em 2022 também poderíamos já ter implantados todos os corredores de ônibus, e que os ônibus sejam confortáveis.

E que a rede de metrô, ainda que não poderá estar completa, esteja melhor do que está hoje. Eu falava isso 15 anos atrás. Não estou falando nada muito novo. A Cidade do México, tão rica e tão pobre quanto São Paulo, fez isso. Começaram no mesmo ano, 1968, eles têm mais de 200 quilômetros e nós, cerca de 60. Alguma coisa falhou.