Jovem brasileiro quer levar tecnologias sociais para a Libéria

Vinícius Zanotti pretende construir uma Escola de Bambu, com fossa séptica biodigestora e cisterna de placa, na periferia de Mondóvia

Escola construída por Sabato (Foto: Vinícius Zanotti)
Escrito en NOTÍCIAS el

Vinícius Zanotti pretende construir uma Escola de Bambu, com fossa séptica biodigestora e cisterna de placa, na periferia de Mondóvia

Por Felipe Rousselet

Libéria, país africano com pouco mais de 4 milhões de habitantes, sexto pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, devastado por uma guerra civil que durou 14 anos, envolvendo crianças. Um país que praticamente não possui os serviços públicos mais básicos, como abastecimento de água, esgoto, energia elétrica, transporte e, principalmente, educação. Vinícius Zanotti, 27 anos, jornalista brasileiro formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, teve o desejo e a oportunidade de conhecer este país e a dura realidade da sua população. Deste encontro surgiu uma grande amizade e um projeto, a Escola de Bambu.

Leia também:
Últimos dias para se inscrever no Concurso Aprender e Ensinar - Tecnologias Sociais
Tecnologia deve estar a serviço da transformação social

Em 2010, Zanotti decidiu conhecer a África, após morar um ano na Irlanda. O destino escolhido foi a Libéria. Uma viagem, programada para durar 15 dias, que foi prolongada por conta de um sério imprevisto.

“Era para ficar 15 dias, no décimo quinto eu peguei malária, e decidi receber o tratamento na Libéria e não voltar para a Europa. Acabei ficando dois meses”, conta Zanotti.

[caption id="attachment_19799" align="alignleft" width="300"] Vinícius Zanotti e Sabato Neufville (Foto: Reprodução / Facebook)[/caption]

 O amigo

Durante a sua recuperação da malária, Zanotti conheceu o liberiano Sabato, de 34 anos, e que adotou 9 crianças órfãs de guerra. Com o seu salário de U$ 800 mensais, que ganha trabalhando como prestador de serviços na missão que a ONU mantém na Libéria, Sabato construiu uma escola feita com bambus trançados. O objetivo era que as 300 crianças da periferia de Monróvia, capital do país, pudessem ser educadas na comunidade de Fendell. Sabato insistiu para que o novo amigo brasileiro conhecesse a escola construída por ele.

“Entrando ali eu senti que alguma coisa tinha que ser feita. É uma comunidade que não é abastecida com banheiros, com água, energia, enfim, o básico não existe lá”, comenta.

Diante da precariedade da escola construída com esforço e dinheiro do amigo liberiano, o jovem jornalista brasileiro decidiu gravar um documentário sobre a iniciativa de Sabato. Porém, durante as filmagens, Zanotti contraiu febre tifoide. [caption id="attachment_19801" align="alignleft" width="300"] Escola construída por Sabato (Foto: Vinícius Zanotti)[/caption]

“Fiquei três dias internado, o médico me tratando de uma diabetes que não existia, meu açúcar caiu em 35%. Passei muito mal mesmo, a malária não foi tão sofrida quanto a febre tifoide. Achei que ia morrer. Foi quando fui para a casa de Sabato, os filhos dele cuidaram de mim, e assim nossos laços se estreitaram”, conta o jornalista.

O projeto Escola de Bambu

Após concluir o documentário, Zanotti juntou as forças, e os amigos, para começar uma campanha para construir uma escola com estrutura adequada na comunidade de Fendell, onde Sabato construiu a escola que o inspirou. Nascia assim o projeto Escola de Bambu.

Além de construir a escola, o projeto visa também que as técnicas sejam aprendidas pelos liberianos envolvidos no processo de construção. A ideis, segundo Zanotti, não é só construir uma escola, é que os liberianos se apropriem dessa tecnologia social.

"Na Libéria existem duas florestas de bambu. A gente vai utilizar o bambu como elemento estrutural, que é uma forma que eles não utilizam, não possuem essa técnica. Queremos ensinar para eles possam reproduzir. O bambu você tira da natureza, em três anos ele cresce, é sustentável e gratuito, diferente do ferro em uma construção”, diz Zanotti.

Tecnologias Sociais

Além da técnica de construção utilizando o bambu como elemento estrutural, serão aplicadas outras tecnologias sociais na futura escola, como um gerador de energia construído a partir de imãs retirados de HDs usados de computadores, fossas biodigestoras e cisternas.

“O gerador feito com imãs de HDs foi desenvolvido pelo Peetsa, que é o nosso bioconstrutor. Esse gerador já foi aplicado no Brasil em quatro comunidades na Amazônia e no Vale do Ribeira”, esclarece Zanotti.

O jornalista enfatiza que essas tecnologias sociais, uma vez aprendidas pelos liberianos, não serão úteis apenas para a Escola de Bambu, e sim para toda a comunidade de Fendell.

“A parede [da Escola de Bambu] vai ser de tijolo adobe, com uma forma de construção para que seja mais durável. Eles já produzem o tijolo adobe, mas as casas esfarelam, caem. E existe uma técnica de aperfeiçoamento para esses tijolos. O mesmo com a fossa biodigestora, eles constroem essa fossa e podem produzir adubo para as plantações. E o mesmo processo ocorre com o gerador de energia. A construção da escola é a própria escola.”

Para o idealizador do projeto Escolas de Bambu, a incorporação das tecnologias sociais nas políticas públicas é de fundamental importância, pois são simples, baratas e melhoram a qualidade de vida da comunidade. “É fundamental a gente ter conhecimento do que está rolando do mundo e onde podemos crescer em termos sustentáveis e de tecnologias sociais. Vamos usá-las, vamos reaplicá-las. Vamos fazer o governo instalar. A implementação tem que ser feita com a iniciativa pública”, comenta Zanotti.

Assista ao vídeo sobre a construção e o funcionamento do protótipo do gerador

Bambuzeiros

Para que o projeto Escola de Bambu saia do papel ele esbarra na dificuldade de angariar recursos. O plano é começar a construir a escola em janeiro de 2013, para que ela esteja pronta antes da época das chuvas na Libéria.

Apesar de ser um projeto relativamente barato, com um orçamento de R$ 400 mil reais, Zanotti afirma que tem sido muito difícil encontrar apoio. “A captação é difícil. É um projeto muito barato, mas para viabilizar é impressionantemente difícil. As empresas daqui querem investir no Brasil, as de lá tem uma lógica mais exploratória. O que temos feito são festas, vendas de camisetas, DVD’s, pedindo dinheiro para as pessoas”, esclarece.

O jornalista destaca a transparência e a responsabilidade para com o dinheiro arrecadado. “A gente não tem nome, não tem ninguém, começa do nada. Um bando de moleque barbudo, cabeludo, que quer construir uma escola no meio da Libéria”, conta Zanotti. “Ninguém aqui ganha, não saí um almoço do dinheiro, e a gente almoça todo dia. Viajamos pra caramba e não tem um pedágio, uma gasolina, uma conta de telefone. Imagina, ligamos pra Libéria, pra Brasília, pra Campinas, não tem uma conta telefônica. Essa conta é nossa”, completou.

As pessoas interessadas em colaborar com o projeto podem acessar o site da Escola de Bambu. O projeto possui diversos produtos para a venda como, por exemplo, uma camiseta desenhada pelo estilista, e “bambuzeiro”, Ronaldo Fraga. Também está disponível uma conta bancária para receber doações. Toda a prestação de contas está disponível para consulta no site.