Juca Kfouri: A quem bate panelas de "barriga cheia" falta "senso do ridículo"

Para jornalista, "panelaço" ocorrido ontem em algumas cidades do Brasil "não foi contra a corrupção"; "foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade"

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Para jornalista, "panelaço" ocorrido ontem em algumas cidades do Brasil "não foi contra a corrupção", "foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade" Por Redação O jornalista Juca Kfouri se manifestou em seu blog sobre o "panelaço" ocorrido ontem (8), em algumas cidades do Brasil, durante o pronunciamento de Dilma Rousseff (PT). Para ele, o evento, ocorrido "não foi contra a corrupção". "Foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando  aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade", escreveu. Leia o texto na íntegra: "O panelaço da barriga cheia e do ódio Nós, brasileiros, somos capazes de sonegar meio trilhão de reais de Imposto de Renda só no ano passado. Como somos capazes de vender e comprar DVDs piratas, cuspir no chão, desrespeitar o sinal vermelho, andar pelo acostamento e, ainda por cima, votar no Collor, no Maluf, no Newtão Cardoso, na Roseana, no Marconi Perillo ou no Palocci. O panelaço nas varandas gourmet de ontem não foi contra a corrupção. Foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando  aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade. Elite branca que não se assume como tal, embora seja elite e branca. Como eu sou. Elite branca, termo criado pelo conservador Cláudio Lembo, que dela faz parte, não nega, mas enxerga. Como Luís Carlos Bresser Pereira, fundador do PSDB e ex-ministro de FHC, que disse: 'Um fenômeno novo na realidade brasileira é o ódio político, o espírito golpista dos ricos contra os pobres.  O pacto nacional popular articulado pelo PT desmoronou no governo Dilma e a burguesia voltou a se unificar.  Surgiu um fenômeno nunca visto antes no Brasil, um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, a um partido e a um presidente.  Não é preocupação ou medo. É ódio.  Decorre do fato de se ter, pela primeira vez, um governo de centro-esquerda que se conservou de esquerda, que fez compromissos, mas não se entregou.  Continuou defendendo os pobres contra os ricos.  O governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres.  Nos dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força.  Não por parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia insatisfeita.  Quando os liberais e os ricos perderam a eleição não aceitaram isso e, antidemocraticamente, continuaram de armas em punho.  E de repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo.' Nada diferente do que pensa o empresário também tucano Ricardo Semler, que ri quando lhe dizem que os escândalos do mensalão e da Petrobras demonstram que jamais se roubou tanto no país.  'Santa hipocrisia', disse ele. 'Já se roubou muito mais, apenas não era publicado, não ia parar nas redes sociais'. Sejamos francos: tão legítimo como protestar contra o governo é a falta de senso do ridículo de quem bate panelas de barriga cheia, mesmo sob o risco de riscar as de teflon, como bem observou o jornalista Leonardo Sakamoto. Ou a falta de educação, ao chamar uma mulher de 'vaca' em quaisquer dias do ano ou no Dia Internacional da Mulher, repetindo a cafajestagem do jogo de abertura da Copa do Mundo. Aliás, como bem lembrou o artista plástico Fábio Tremonte: 'Nem todo mundo que mora em bairro rico participou do panelaço. Muitos não sabiam onde ficava a cozinha'. Já na zona leste, em São Paulo, não houve panelaço, nem se ouviu o pronunciamento da presidenta, porque faltava luz na região, como tem faltado água, graças aos bom serviços da Eletropaulo e da Sabesp. Dilma Rousseff, gostemos ou não, foi democraticamente eleita em outubro passado. Que as vozes de Bresser Pereira e Semler prevaleçam sobre as dos Bolsonaros é o mínimo que se pode esperar de quem queira, verdadeiramente, um país mais justo e fraterno. E sem corrupção, é claro!" (Foto: Renato Leite Ribeiro/Agência Pública)