Lei de cotas étnico-raciais nas universidades do país completa três anos

Desde 2012, a Lei das Cotas nas Universidades (Lei nº 12.711/2012) já disponibilizou 150 mil vagas para estudantes de escolas públicas autodeclarados negros, pardos e indígenas, em universidades e institutos federais públicos; confira detalhes do que mudou nesse período

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Desde 2012,  a Lei das Cotas nas Universidades (Lei nº 12.711/2012) já disponibilizou 150 mil vagas para estudantes de escolas públicas autodeclarados negros, pardos e indígenas, em universidades e institutos federais públicos; confira detalhes do que mudou nesse período Por Marcela Belchior, na Adital No último dia 29 de agosto, a Lei das Cotas nas Universidades (Lei nº 12.711/2012) completou três anos. A medida é resultado de uma longa mobilização dos movimentos sociais pela igualdade racial para ampliar o acesso da população negra ao ensino superior. Já ofereceu, nesse período, 150 mil vagas para estudantes de escolas públicas autodeclarados negros, pardos e indígenas, em universidades e institutos federais públicos. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR), a medida já ofertou aproximadamente 150 mil vagas para negros e o número exato de vagas ofertadas em 2015 estará disponível apenas em 2016. O consolidado de informações fornecidas pelo Ministério da Educação (MEC), referente aos anos de 2013 e 2014, mostra que a Lei está sendo cumprida pelas 128 instituições federais de ensino que, atualmente, participam do sistema. Inclusive, pode-se destacar que as metas estabelecidas pela Lei de Cotas estão sendo atingidas antes mesmo do que era previsto. Os dados oficiais indicam que, em 2013, o percentual de vagas para cotistas foi de 33%, índice que aumentou para 40%, em 2014. Para se ter uma ideia do avanço, a meta de atingir 50% está prevista para 2016. A quantidade de jovens negros que ingressam no ensino superior também cresceu em proporção semelhante: em 2013, foram 50.937 vagas para negros e, em 2014, 60.731. Em 2013, 33% das vagas eram destinadas a cotistas. Deste total, 17,25% eram negros. Em 2014, 40% das vagas foram para cotistas, sendo que os negros representaram 21,51% dos alunos. De acordo com a ministra da Seppir, Nilma Lino Gomes, os números demonstram o sucesso da política na inclusão de jovens negros na universidade. "Em três anos, a Lei de Cotas nas universidades provou ser um instrumento eficaz para reduzir as desigualdades existentes na sociedade. A medida permitiu o ingresso no ensino superior de jovens que, normalmente, não teriam essa chance”, avalia a gestora. Além das vagas garantidas pelas cotas, os estudantes negros têm acesso a outros instrumentos oferecidos pelo governo federal, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), que auxiliam no ingresso e na permanência em instituições privadas de ensino superior. Dados do MEC informam que os negros são maioria nos financiamentos do Fies (50,07%) e também nas bolsas do Prouni (52,10%). Atualmente, a Seppir discute em conjunto com o MEC uma política de cotas para a pós-graduação. Mesmo sendo lei, a questão ainda é controversa. Há setores dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada que argumentam serem as cotas universitárias uma política apenas de caráter compensatório, e não focando nas causas das desigualdades raciais e étnicas no Brasil. Além da miscigenação da população, que indica a ancestralidade africana na maioria das brasileiras e dos brasileiros. Em entrevista à Adital, a secretária nacional da Pastoral da Juventude da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Aline Ogliari, enfatiza que os setores historicamente privilegiados da população ainda rejeitam a ideia. "A gente sabe que o racismo não foi superado por causa da política de cotas. Esses setores de elite querem manter os privilégios”, afirma. "Num país altamente racista como o Brasil, não há igualdade no acesso à educação. A política de cotas é inclusiva e necessária, (...) pelo tempo que for preciso”, defende. Facilitador em São Paulo da Rede Ecumênica da Juventude (Reju), Daniel Mariano, avalia que, abrindo as portas das universidades para esse público, é possível corrigir diversos aspectos da dívida com a população historicamente discriminada no país. "Eu estudei na Universidade de São Paulo [USP] e percebia muito a diferença nas universidades que tinham cotas e as que não tinham até então. Às vezes, os estudantes que entram pelas cotas têm alguma defasagem de ensino — o que pode acontecer —, mas não é uma defasagem que não possa ser corrigida nos primeiros anos da universidade”, destaca, em entrevista à Adital. "No caso da minha universidade, conheci várias estudantes negras participando do [programa] Ciência Sem Fronteiras. Foram a outros países, entre eles a Espanha. Ou seja, a cota acaba corrigindo uma parte do problema histórico envolvendo a população negra”, afirma Mariano. O facilitador da Reju também avalia como positiva a relação da comunidade acadêmica com os alunos cotistas. Antes da implantação do regime de cotas nas universidades federais, a discriminação contra cotistas por parte de estudantes que ingressaram pelo sistema universal era um dos aspectos que inspiravam receios. "Na comunidade acadêmica de que participei, na área de Humanas, a maioria das pessoas no percurso do curso, nas discussões, no debate, ia compreendendo. Nunca presenciei nenhum tipo de discriminação ou racismo por conta das cotas”, relata. Como funcionam as cotas A lei reserva, no mínimo, 50% das vagas das instituições federais de ensino superior e técnico para estudantes de escolas públicas, que são preenchidas por candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à presença desses grupos na população total da unidade da Federação onde fica a instituição. A norma também garante que, das vagas reservadas a escolas públicas, metade será destinada a estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. Memória O primeiro Projeto de Lei propondo ações afirmativas para a população negra é de 1983, de nº 1.332, de autoria do então deputado Abdias Nascimento. Em 2012, as ações afirmativas foram consideradas constitucionais por unanimidade no Superior Tribunal Federal (STF), em julgamento histórico, com relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Na ocasião, o jurista lembrou que, em 2012, apenas 2% dos negros conquistavam diploma universitário no Brasil e afirmou que aqueles que, hoje, são discriminados têm um potencial enorme para contribuir para uma sociedade mais avançada. Foto: Marcelo Camargo/ABr