Litera-rua, por Ferréz: @migos

Questão de escolha encurtar distâncias, questão não de abrir uma nova janela, mas sim de entrar pela porta, tomar um café, levar alegria e também o desconforto da realidade

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Questão de escolha encurtar distâncias, questão não de abrir uma nova janela, mas sim de entrar pela porta, tomar um café, levar alegria e também o desconforto da realidade A matéria abaixo faz parte da edição 120 de Fórum, compre aqui Por Ferréz Recentemente, fiz uma viagem com alguns amigos e, antes de embarcar, tive de conversar com todos sobre as postagens no Face. Isso porque, num aniversário meu recente, uma foto minha foi postada, na qual estou em casa sentado. Nunca antes tinha postado nada pessoal, não que a luta ideológica não seja pessoal, a arte que exerço e o ativismo sempre são bem pessoais, mas nunca fiquei posando com parente nem em casa simplesmente para gerar notícia. Posto fotos de eventos, palestras e de atividades que têm a ver com meu trabalho, isso sempre no blogue, até que o Face dominou quase tudo e, ao que parece, as pessoas abandonaram os blogues. Essa foto me incomodou muito, me senti mal, minha roupa de dormir, o cabelo amarrado para trás de qualquer jeito, no meu lar, tranquilo e depois de algumas horas. Na madrugada, a foto foi vista e me ligaram. Bom, na viagem foram tiradas mais de 6 mil fotos, placas, carros, ruas, rostos, tudo era fotografado, e imagino a vontade que tiveram de pôr na internet. Acabou na rede, mas sem minha presença. Tenho participado de eventos nos quais não se olha na cara, não se fala o que se quer para o outro, logo se cola o rosto, o abraçam e lhe jogam o espelho negro na cara. Levam isso de você, a imagem, e vão tão rápido como chegaram, não se diz o que foi que leram, ouviram, de que gostaram ou não. Você fica sozinho depois de alguns minutos de flashes e volta tão vazio de conversa como chegou. Sorte que nem tudo são coisas virtuais. Há algumas semanas, começaram a chegar cartas aqui em casa de novo, logo eram dezenas e mais dezenas, crianças de várias escolas com seus desenhos nos envelopes, com suas letras miúdas e caprichadas. Por causa dos livros infantis que escrevo, começaram a gostar desse cara barbudo e com cara de mau; sorte minha que toda noite leio e respondo uma, tudo à mão, como faziam meus antecessores. Uma verdadeira amizade, daquelas duradouras, como meu pai tinha. Os caras chegavam logo cedo para encher a laje no final de semana, a casa lotada, buchada de bode feita pela mulher de um, o dia a dia sendo debatido, muito assunto, pouca fofoca, muito sorriso, pouca intriga, dominó na mesa, apostando feijão, por pura diversão. – Menino, me busca lá outra cerveja. Com certeza, eu ia correndo, o troco era meu. Os amigos do meu pai eram bondosos, pedreiros, encanadores, motoristas, cada um, uma história de vida. Agora tem outra opção, rir da empregada falando errado no Youtube. Amigo virtual é osso. Você faz aniversário, e só um parente daqueles que você nem imaginava que estava vivo lhe ligou, e você posta na rede para chegarem mensagens prontas, com cartão virtual padrão. Você dá seu filho para batizar, e esperou um compadre realmente preocupado, que olhasse para seu filho com amor e lhe desse lições sobre a vida, mas, em vez disso, todo mês chega um e-mail dele perguntando como o moleque está. Você acorda de manhã, se sente só, olha na agenda, vê todos os nomes, pensa em quem poderia ouvir seu desabafo, segurar seu desânimo, abraçar você por pura compaixão. Olha para o computador, a página de seus 3 mil amigos, olha foto por foto, vê as postagens sobre a merda que foi o dia deles, sobre o que comeram ontem e percebe que, no final, não tem ninguém para ligar. E aquele amigo lhe dá uma resposta sempre padrão quando você vai desabafar sobre um assunto pessoal. – Cara, você tem uma família tão bonita. Porra! Você tá me ouvindo? Eu tô querendo falar, quero que você concorde, me fale se estou certo, errado, ou pelo menos finja melhor que me ouve. E finalmente você marcou com um amigo para sair, estão num parque, depois de dois meses combinando, o cara fotografa tudo, a mulher dele puxa o celular, ela edita, ele escreve, o passeio é parado, todo mundo virou editor, escritor, fotógrafo, as pessoas têm de saber daquele momento, que a gente parou de viver para postar. Tenho de mostrar para ser alguém. Tive a possibilidade de comprar um I-phone, mas na hora que peguei na mão, lembrei de todos meus amigos, que ficam na mesa na hora do café, do almoço, mexendo o tempo todo, digitando, olhando, postando, o café esfriando, o papo acabando, parei e coloquei lá, resolvi não participar disso. Quando me trombar, lembra de olhar no rosto, ver o sorriso, estimular o bate-papo, ver cara a cara, dar risada, brigar, ser amigo mesmo, curtir de fato a relação, cutucar de fato, e não com um botão, visitar de verdade, não navegando. Questão de escolha encurtar distâncias, questão não de abrir uma nova janela, mas sim de entrar pela porta, tomar um café, levar alegria e também o desconforto da realidade. Meu pai e minha mãe não estão na rede, então vou tratar todos como faço com eles, vê-los, entender, ouvir, falar, sentir. Afinal, a vida não é que nem o videogame, nem pode usar avatar, nem ganhar outra vida. Vida a gente só tem uma. F