Lugo e o crescimento da esquerda paraguaia

Em entrevista à Fórum, o presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo, fala sobre o golpe parlamentar, as perspectivas para a esquerda paraguaia e seus projetos para o Senado

Escrito en GLOBAL el
Em entrevista à Fórum, o presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo, fala sobre o golpe parlamentar, as perspectivas para a esquerda paraguaia e seus projetos para o Senado Por Mariana Serafini [caption id="attachment_27809" align="alignright" width="300"] (Fábio Rodrigo Pozzebom / ABr)[/caption] Usando as tradicionais camisas Guayaberas, Fernando Lugo recebeu a Fórum em seu gabinete improvisado no comitê da Frente Guasu, um dia após as eleições presidenciais do Paraguai. Eleito senador com pouco mais de 10% dos votos na lista da coalizão da qual é presidente, Lugo se mostra otimista com relação à esquerda paraguaia e vê motivos para comemorar. De acordo com ele, a Frente Guasu teve um grande crescimento durante as eleições e atualmente é a terceira maior força política do Paraguai, atrás dos Liberais e dos Colorados. Quanto à volta do Partido Colorado ao poder, Lugo afirma que vê um posicionamento diferente de Horácio Cartes com relação ao período anterior, em que o partido dominou a Presidência por mais de 60 anos. É otimista a ponto de ver até a possibilidade de alianças, desde que sejam para o bem do Paraguai, de seu povo, e da justiça social. Confira trechos da conversa abaixo. Fórum – Agora, após as eleições, como o senhor avalia o que aconteceu no Paraguai desde que foi derrubado da Presidência da República? Fernando Lugo – Depois do golpe parlamentar de 21 de junho de 2012, claramente se deu um itinerário de fortalecimento do partidarismo tradicional, tanto do Partido Colorado quanto do Partido Liberal, que se consolidaram como duas forças que estão extremamente pungentes no Paraguai. Nós, em 2008, quebramos a hegemonia de um partido que esteve por 62 anos no governo; creio que foi uma relação exitosa a Aliança Patriótica para a Mudança com o Partido Liberal, com os partidos progressistas de esquerda e movimentos sociais, que tiveram um protagonismo importante para a derrota do partido colorado ali. O golpe em 2012 vem causar uma ruptura na aliança em que estávamos compartilhando o poder, o governo, e nós [Frente Guasu] ficamos em um processo de reorganização, reagrupamento das forças de esquerda, progressistas, e isso custou muitíssimo. A Frente Guasu é a união de dez partidos progressistas, que em pouco tempo teve de fazer uma marcha forçada, uma campanha eleitoral, uma reorganização interna e criar uma estrutura eleitoral flexível para afrontar os partidos tradicionais. Com tudo isso, o resultado das últimas eleições, até agora, é positivo porque pela primeira vez os partidos de esquerda e progressistas, do Paraguai se convertem em uma terceira força política importante, eleitoral e politicamente também. Fórum – Em que o seu governo errou para permitir que esse golpe viesse a acontecer? Lugo – A aliança era eleitoral, mas perdemos muito do governo com o Partido Liberal, eles tinham cinco dos dez ministérios. Isso gerou muitas contradições internas em termos ideológicos e programáticos. Por exemplo, a reforma agrária é uma reforma bastante clara nos movimentos progressistas, mas a democratização da terra no Paraguai enfrentou muitas resistências [da parte dos Liberais]. Eles acompanhavam sem muita convicção os programas sociais da Frente Guasu. Então, preferiram ter um governo temporário de um ano e poucos meses a construir e garantir um novo governo com as eleições de abril. Preferiram continuar no poder sozinhos, e as consequên­cias estão muito claras, essa derrota catastrófica, creio que quem mais perdeu foi o Partido Liberal Radical Autêntico com sua candidatura, suas novas alianças e suas propostas. Perderam muitos lugares no governo, perderam o Parlamento, perderam a luta principal pela Presidência da República. Fórum – Para o Paraguai, qual o significado do retorno dos Colorados ao poder? Lugo – Creio que não vai ser um retorno com os mesmos mecanismos de anos atrás. Nós cremos e esperamos que os cinco anos de distanciamento do Partido Colorado signifiquem também um aprendizado nas eleições, pelo menos o discurso até agora é muito mais inclusivo, mais “para todos”, não é essa identificação exclusiva do Partido Colorado como era antes. E dependerá muito de como agirão a partir do dia 15 de agosto, quando assumirem o poder. Veremos suas medidas, suas prioridades e, de acordo com isso, a Frente Guasu também vai avaliar as propostas que apresentarem, pois queremos fazer um grupo de parlamentares que, sobretudo, seja uma oposição racional, e, como já falamos, uma prioridade são as políticas sociais fortes da nossa coalizão. Fórum – Como pretende atuar como senador, cargo para o qual o senhor foi eleito? Lugo – Tenho duas tarefas grandes agora: primeiro, a Frente Guasu tem de se construir como uma estrutura política. O desafio que temos é que estamos em todo o país, recebemos votos em todo o território nacional e precisamos nos articular. Em segundo lugar, vou fazer um trabalho honestamente parlamentar, tivemos a primeira reunião com os candidatos eleitos, cinco senadores, para desenhar o tipo de oposição que vamos fazer e, sobretudo, como podemos direcionar nossa agenda legislativa. Daremos prioridade aos serviços sociais e à justiça social. [caption id="attachment_27810" align="alignright" width="276"] (Antônio Cruz / Abr)[/caption] Fórum – Há quem avalie, depois dessa vitória dos Colorados e da vitória apertada de Maduro na Venezuela, que o ciclo da esquerda na América Latina pode estar se esgotando. O senhor concorda com essa avaliação? Lugo – Há uma articulação solidária muito forte da direita latino-americana, e creio que chegamos a um momento de avaliação crítica de propostas de todos os governos progressistas. Devemos ter atenção com essa vitória com pouca margem do Maduro, devemos fazer o mesmo na Argentina, por esta série de protestos dos cidadãos. Parece que a maior consolidação está no Uruguai e no Brasil, mas, de todo modo, creio que o governar, o exercício do poder, sempre desgasta e precisamos renovar criativamente. Isso serve para todos, tanto para os governos de esquerda quanto para os da direita, estar à altura dos acontecimentos e dos desafios modernos implica uma contínua renovação dos quadros políticos, das políticas, dos programas sociais e isso dá uma dinâmica interessante à política. Fórum – Houve irregularidades no processo eleitoral? Poderia especificar? Lugo – Sim, é evidente que houve irregularidades porque não existe sistema eleitoral perfeito. As irregularidades no Paraguai foram mínimas, aqui o Código Eleitoral estabelecia que se houvesse 20% de irregularidades as eleições seriam canceladas, então com certeza não atingimos esse número. A participação nas eleições foi de quase 70%, isso dá um alto grau de legitimidade às autoridades eleitas. Cremos que houve, sim, irregularidades, tanto no período pré-eleitoral quanto durante as eleições, mas foram mínimas e não influenciaram muito o resultado final dos candidatos eleitos. Fórum – E agora, a Frente Guasu pretende estabelecer alianças com a outra força de grande representatividade da esquerda, a Frente Avanza País? Lugo – Como já dissemos, a Frente Guasu tem uma agenda parlamentar bastante clara, direcionada aos programas sociais e à justiça social. Mas sem sombra de dúvidas estamos abertos a negociar, a discutir nossos projetos com todos os partidos. Pode-se até pensar em um bloco social independente de partido dentro do Parlamento que possa garantir esses trabalhos sociais da Frente Guasu. Fórum – O senhor pretende voltar a se candidatar à Presidência nas próximas eleições? Lugo – Falta muito tempo, ainda vão acontecer muitas coisas, a Frente Guasu vai continuar crescendo e se articulando. Creio que nossa renovação política vai acontecer em todo o país, mas é prematuro dizer que Lugo poderia ser um candidato em 2018.   F
Leia também na edição 122 da revista Fórum:
Entrevista com Dexter: O filho brasileiro de Luther King
Entrevista com David Harvey: E a História não acabou
Redução da maioridade: ilusão e oportunismo 
O domínio da cultura punitiva
Expressões do cárcere
Ladislau Dowbor: Os novos rumos na África