Maria do Rosário sobre ocupações de estudantes: “É um movimento profundamente pedagógico para todos”

Em entrevista à Fórum, deputada faz um panorama sobre os retrocessos gerados pela PEC 241, agora PEC 55 no Senado, e pela reforma no ensino médio imposta pelo governo Temer.

São Paulo - Defensora e representantes do Upes, Marcus Kauê, Camila Lanes, Angela Meyer e Lucas Penteado conversam sobre decisão de manutenção das ocupações das escolas (Rovena Rosa/Agência Brasil)
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Em entrevista à Fórum, deputada faz um panorama sobre os retrocessos gerados pela PEC 241, agora PEC 55 no Senado, e pela reforma no ensino médio imposta pelo governo Temer Por Maíra Streit Fórum – Qual a sua avaliação a respeito das ocupações em escolas de todo o país? Que mensagem essa juventude tem passado sobre a necessidade de uma educação mais consciente e participativa? Maria do Rosário – Considero que as ocupações em todo o Brasil demonstram a consciência política da nossa juventude. Essas meninas e meninos estão se apropriando da escola como um espaço seu e lutando pelo direito a uma educação de qualidade. Trata-se de um movimento profundamente pedagógico para todos os que participam e para a escola em si. Além do debate educacional propriamente dito, estão mostrando para a sociedade que ela não pode aceitar passivamente os inúmeros e contínuos ataques que a democracia sofre no Brasil. Esses jovens são o rosto renovado, mais horizontal, menos institucionalizado, de uma inquietude que há muitas décadas é símbolo do movimento estudantil, que nos momentos mais difíceis sempre demonstrou sua força por meio de jovens que lutaram e lutam em prol de ideais libertários de justiça, igualdade, e em prol da democracia. É importante também que eles tenham se apropriado da linguagem e da capacidade de enfrentarem as medidas tomadas pelo governo Temer e pelo Parlamento, conscientes do que significa a PEC 241, agora PEC 55 no Senado, e a MP 746, que reforma autoritariamente o ensino médio. Fórum – A morte de um adolescente em uma das escolas ocupadas no Paraná está sendo constantemente usada para tentar deslegitimar o movimento. Como a senhora tem visto as notícias sobre esse episódio? Maria do Rosário – Nós não podemos nos conformar com a morte de um menino, é preciso que o crime seja investigado e os culpados responsabilizados. Nós tampouco podemos aceitar a sua instrumentalização por parte daqueles que promovem o ódio, que é a força motriz de tragédias como a deste adolescente, sua família, e toda aquela comunidade escolar. Essa busca pela deslegitimação realmente está acontecendo. Vi isso em uma reunião da Comissão Mista da Medida Provisória nº 746, na semana passada. As tragédias nascem de muitos lugares, e nós devemos procurar estabelecer um lugar na educação que possibilite um diálogo, porque, sem diálogo, não existe possibilidade de encontramos soluções. Não será perseguindo aqueles que tão jovens já lutam por seus direitos, que conquistaremos a educação que nossa juventude precisa ou que garantiremos um ambiente escolar seguro, que é o desejo de todos e todas. O governo Temer e seu ministro da Educação, com apoio de governos estaduais, promovem uma série de ações violentas contra os estudantes. As manifestações da juventude têm sido reprimidas violentamente pelas polícias orientadas por estes governos. Grupos de direita tentam invadir as escolas e promovem o terror físico e psicológico contra os adolescentes. Como se essa violência não bastasse, o ministro da Educação enviou, em 19 de outubro, um ofício aos diretores dos Institutos Federais exigindo que remetam ao MEC uma lista dos estudantes que participam dos movimentos. O incentivo à delação é a prática pedagógica deste governo? O que o ministro da educação busca com esta medida é que a relação de respeito entre professores, diretores e educandos seja rompida. É a falta de ética de um governo que, não ao acaso, busca tirar da escola todo o seu conteúdo humanista, por meio desta MP 746. Fórum – Por que a PEC 241, agora PEC 55, é tão prejudicial em um país que demanda fortes investimentos em educação e outros gastos sociais? Maria do Rosário – A PEC 55 que agora tramita no Senado, antiga PEC 241 na Câmara, é extremamente nociva, pois corta investimentos em áreas essenciais como saúde e educação, estabelece uma lógica no Estado brasileiro na qual a população será sacrificada hoje e as gerações futuras ainda mais, mesmo após a superação da crise. Significa que, nos próximos vinte anos, ainda que o país retome sua trajetória de crescimento econômico, que a arrecadação de tributos aumente, que a sonegação fiscal seja enfrentada e, assim, o Brasil possa dispor de mais receitas, seguirá estagnado por um limite abstrato e nefasto para questões extremamente concretas. Assim, áreas centrais retrocederão e não haverá espaço para inovações por duas décadas. A educação não poderá mais criar programas transformadores como o ProUni, o ReUni, e o Ciência sem Fronteiras, nem contratar mais profissionais e remunerá-los da maneira adequada. Menos ainda cumprir as metas do Plano Nacional de Educação. Até mesmo os investimentos constitucionais em educação estão em risco, pois com o teto proposto, seria imperativa sua suspensão. E tem mais. O poder ou órgão que extrapolar o teto da PEC 55 ficará proibido de conceder aumentos a servidores públicos, realizar concursos ou quaisquer alterações que gerem despesas. Trata-se de tolher o futuro de toda uma geração. Fórum – A senhora integra a comissão que irá analisar a MP 746, que prevê a reformulação do ensino médio. Qual a sua avaliação em relação às propostas apresentadas? Maria do Rosário – Na minha avaliação trata-se de uma reforma que tem o potencial de aprofundar problemas já existentes na educação brasileira. Realizar uma reforma desta natureza sem considerar a opinião dos estudantes, professores, e pesquisadores é um crime, vai levar a construção uma escola ainda mais distante da realidade dos alunos, o que contribuirá para a evasão escolar, que é hoje um dos principais desafios que enfrentamos quando se trata do ensino médio. O Plano Nacional de Educação (PNE), esse sim fruto de intenso e extenso debate, deveria guiar as decisões dos governos, contudo várias de suas metas serão frontalmente atacadas caso essa MP venha a ser implementada. Enquanto o PNE estabelece que é preciso garantir que todos os professores e professoras da educação básica possuam graduação na área de conhecimento em que atuam, a MP passa a permitir que profissionais com “notório saber” possam dar aulas de conteúdos de áreas afins à sua formação. Dilma, que abriu mais de 100 mil vagas em licenciaturas para corrigir esta distorção, enfrentou o problema. Temer, além de agravá-lo, quer ir além. Como se isto não fosse suficiente, a MP altera ainda o artigo 26 da lei 9396/96 (LDB) que define os componentes curriculares obrigatórios da educação básica, composto pelas etapas da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Desta forma, se aprovada a MP ficarão obrigatórias somente as disciplinas de português e matemática. Trata-se uma medida para o empobrecimento cultural e educacional do currículo escolar, uma vez que todas as demais disciplinas estarão relativizadas. Todas as formas de expressões lúdicas perdem espaço com essa MP. Contrariando até mesmo a Constituição Federal, em seu artigo 208, em que se estabelece o dever do Estado para com a Educação, determina-se a sua garantia por meio do acesso aos “níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística”. Antes previstas a todas as etapas da Educação Básica, a MP termina com a obrigatoriedade do ensino de Arte e de Educação Física no ensino médio. Além disso, as disciplinas de Filosofia e Sociologia desaparecem completamente dos currículos. A educação básica, conforme a legislação, deve qualificar para o trabalho, mas também assegurar uma formação para o exercício da cidadania. Qualquer reforma tem de ser calcada nessa concepção, e não na lógica da MP, que estabelece uma visão mercadológica, onde a educação tem finalidade meramente instrumental. Não se trata de medida isolada, integra um conjunto de iniciativas tomadas pelo governo ilegítimo contra a educação. Estes que comprometem o financiamento da educação com a PEC 55, que congelará os investimentos por vinte anos, e promovem a entrega do Pré-Sal, que poderia prover os recursos necessários para a valorização e qualificação dos profissionais da educação, e enfrentar problemas estruturantes da educação brasileira, impedem também a perspectiva crítica e transformadora das escolas, reduzindo conteúdo, impedindo a livre expressão de ideias e debates por meio de programas falsamente “sem partido”, promovendo a perseguição aos docentes e aos estudantes e excluindo do ambiente escolar a diversidade humana. É uma escola amordaçada o que eles querem construir. Fórum – De maneira geral, faltou diálogo com os Conselhos de Educação e a comunidade escolar sobre essas mudanças? Maria do Rosário – Sim, e não só com o conselho, mas com a sociedade como um todo. Os inúmeros erros deste processo se iniciam pelo envio de uma Medida Provisória. De acordo com a Constituição, MPs devem ser utilizadas em caso de relevância e urgência, não há dúvidas de que o tema é relevante, mas não há um dispositivo da 746 que entra em vigor de imediato, aliás, grande parte do que prevê a MP depende da Base Nacional Curricular Comum que está em fase de elaboração, logo não há urgência e o debate deveria ser feito no Parlamento, inclusive aproveitando o trabalho de anos de uma comissão que discutiu a reforma do ensino médio nesta Casa. Agora é preciso que façamos esta Comissão de fato acontecer da melhor forma possível. Eu realmente não acredito que a medida provisória seja o melhor caminho, mas se está colocado eu vou fazer parte desse debate. Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil