Marta coloca o PT na parede: de mãos dadas com o Kassab?

Senadora paulista traduziu em seu Twitter um sentimento que parece comum a boa parte dos petistas e simpatizantes

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Senadora paulista traduziu em seu Twitter um sentimento que parece comum a boa parte dos petistas e simpatizantes

Por Glauco Faria 

Hoje pela manhã, a senadora Marta Suplicy traduziu em seu Twitter um sentimento que parece comum a boa parte dos petistas e simpatizantes: “Como posso, neste momento, me integrar à campanha do Haddad se corro o risco, de uma hora para outra, de me ver de mãos dadas com o Kassab?” A dúvida pontual diz respeito não apenas a ela, mas à própria militância petista e a quem se interessa pelos rumos da política paulistana e nacional.

Em 1988, Luiza Erundina era a candidata oficial do PT à prefeitura de São Paulo. O processo de escolha, por meio de prévias, não foi exatamente pacífico. O candidato da Articulação, grupo do principal líder do partido, Lula, era Plínio de Arruda Sampaio, mas ele foi derrotado pela deputada estadual na escolha da militância. O resto da história, todos sabem: Erundina venceu, ainda que a contragosto de muitos petistas à época, e esteve à frente de uma gestão que teve grandes méritos, mas que também enfrentou conflitos internos bastante educativos para o partido. Dois anos depois, Plínio disputou o governo do estado, ficando em quarto lugar, com 12,1% dos votos.

Esse processo de ampla discussão interna sempre fez parte da vida do PT. Dinâmica que em algumas ocasiões prejudicou o partido; em outras, deixou evidente o acerto da decisão da maioria, como no caso citado acima. Há vários outros exemplos nos quais candidatos de correntes minoritárias conseguiram viabilizar suas candidaturas e vencer eleições. Em outras, não saíram vitoriosos, mas prepararam o terreno para triunfos futuros. Hoje, esse debate mingua cada vez mais no partido, que se iguala em seus processos decisórios a qualquer outra agremiação, à direita ou à esquerda, que concentra a determinação de seus rumos nas mãos de poucos. Em São Paulo, isso fica nítido.

Em plenárias e encontros do PT paulistano, segue a tentativa de convencimento de uma militância que bradou contra Kassab durante anos de que uma aliança com seu PSD é um bom negócio. A aliança é costurada por cima, e o cálculo é meramente eleitoral. Caso as negociações tenham êxito, o prefeito de São Paulo não traz somente o seu partido para a aliança, mas também teria influência para trazer outros que fazem parte da sua base aliada e que outrora foram aliados naturais do PT, leia-se PCdoB, PSB e PDT, aumentando seu tempo de televisão (nesse quesito, o PSD não agrega quase nada). Kassab também tem na manga lideranças populares da periferia que se aproximaram da sua gestão e que fizeram a diferença nas últimas eleições, em 2008. A estratégia isolaria o PSDB, que teria o enorme desafio de viabilizar qualquer um de seus pré-candidatos, todos sem densidade eleitoral.

Além do óbvio ônus político de carregar o alcaide paulistano no colo, constrangendo vereadores e ativistas que lutaram contra medidas elitistas, conservadoras e/ou higienistas da sua gestão, a aliança colabora ainda mais para confundir uma população que não vê na classe política nada além de um amontoado de interesses que se agrupam conforme as circunstâncias. Claro que o objetivo também envolve negociações em outras cidades do estado, assim como preservar a tal aliança para 2014, dando o tiro de misericórdia no mais importante bastião tucano, o governo paulista.

Mas, mesmo que se considere só a questão eleitoral imediata e de 2014, fica a dúvida: a estratégia é eficiente? Se a eleição não for decidida no primeiro turno, como pensam os estrategistas, imaginemos um segundo turno entre Fernando Hadadd e Gabriel Chalita, verdadeiro candidato do governador Geraldo Alckmin. Alguém acha realmente que será uma parada fácil ou ganha? Chalita não terá consigo o ônus da rejeição de Kassab (que deve diminuir, como sempre acontece na cidade com “investimentos pré-eleitorais”, mas não chegará a níveis de excelência) e poderá apontar o tempo todo a incoerência do rival. E não faltará ao peemedebista artilharia pesada de alguém que tem potencial de agregar muito mais o campo conservador do que o adversário.

Outro dado para entrar na conta, muito mais sério, é o “programático”. Que tipo de comprometimento com segmentos político-econômicos que estiveram no comando nos últimos anos vai existir em uma suposta gestão de Haddad? Projetos como o Nova Luz vão ser tocados? A cidade continuará entregue a interesses imobiliários? A ideia é derrotar um inimigo político, no caso, os tucanos, e alimentar um aliado circunstancial que se difere muito pouco do que pensa (e faz) o PSDB?

Mas o que o PT pode perder mesmo antes da disputa começar é a crença de militantes históricos que ainda acreditam que o partido pode voltar a ser diferente. Desde aquele longínquo 1988 que esse tipo de petista vem ficando cada vez em menor número, perdendo espaço para os “militantes profissionais” ou para outros que, por múltiplos interesses, tendem a defender toda e qualquer decisão que venha de cima, com baixíssima capacidade crítica. Perde o partido, perde o debate público e perde a cultura política.

Foto por Agência Senado