Marta e o PT

O mandato é da senadora ou do partido? Mouzar Benedito mostra que esta não é uma questão tão simples como parece

Escrito en BRASIL el
O mandato é da senadora ou do partido? Mouzar Benedito mostra que esta não é uma questão tão simples como parece Por Mouzar Benedito Marta Suplicy saiu do PT, dizendo que o partido está desfigurado, fugiu dos seus princípios. Demorou vinte anos mais que eu para perceber isso. Fui filiado ao PT desde a sua fundação até o final de 1994. Acho que já contei essa história na revista Fórum ou no seu blog, há muito tempo, não me lembro. O primeiro núcleo do partido na região do bairro de Pinheiros, em São Paulo, funcionava na minha casa. Eu vivia mais desempregado do que empregado, ganhando pouco, mas mesmo na maior dureza dava religiosamente 4% de tudo que eu ganhava ao partido. Todos ou quase todos os filiados faziam isso, não era coisa minha. Os parlamentares davam ao partido uma porcentagem maior do que ganhavam em seus cargos. Era assim que o PT mantinha. Em 1994, na campanha de Lula para presidente da República, disputando com Fernando Henrique Cardoso, fui conhecer a sede da campanha, na Barra Funda, perto da sede do jornal Brasil Agora, do PT, em que eu trabalhava ganhando um salário simbólico, tinha que fazer muitos trabalhos fora, para me manter. E dava 4% de tudo ao partido. Chegando à sede da campanha do Lula, fiquei surpreso: era um predinho de quatro andares, muito luxuoso, com mocinhas de uniforme contratadas, contratadas de uma agência, para receber os visitantes. Para entrar no prédio, precisava parar na portaria, se identificar, receber um crachá... Fiquei encabulado. Encontrei um dirigente do partido e comentei com ele: “Não é com os 4% que a gente dá que estão sustentando isso”. E a resposta foi outra surpresa para mim. Ele disse todo pomposo que um banco deu quinhentos mil dólares para a campanha e uma empreiteira deu outros quinhentos mil. Era muito, na época. Chiei. Falei com ele: “Ô, cara! A gente sempre diz que os bancos e as empreiteiras dão dinheiro para candidatos para receber muito mais depois que ele é eleito. Pro PT vai ser diferente? Deram por ideologia?”. Ele não ligou. Apontou um cara todo mauricinho ali perto e disse que era um ex-membro da equipe de Delfim Netto, que estava ganhando 75 mil dólares para fazer o programa econômico de um possível governo Lula. “Esse não é mais o meu partido”, falei muito decepcionado. Dali, fui ao Diretório Nacional, avisei que ia me desfiliar e os meus motivos para tomar essa decisão. Em seguida fui ao jornal e pedi demissão. Publiquei no boletim Linha Direta, do próprio PT, um artigo falando sobre a minha saída e os motivos que me levaram a isso, depois de uma militância de anos: o partido passou a receber dinheiro de empresas e bancos e trocou o discurso socialista por um moralista, dizendo que os outros partidos eram cheios de corruptos, só o PT que não. Ora, escrevi, não tinha corruptos porque não tinha poder, cargos. Quando tivesse, eles apareceriam. Muitos petistas, principalmente dirigentes, passaram a me odiar. Agora a Marta sai, mas quer manter o cargo de senadora, dizendo que os votos foram para ela e não para o partido, já que eram eleições majoritárias. Teoricamente, como não sou mais petista, não tenho nada com isso. Mas como votei nela, acho que tenho, sim. Depois da minha desfiliação, mesmo contrariado com os descaminhos do PT e com suas alianças, votei em alguns candidatos petistas. Inclusive no Lula e na Dilma. Mas não foi bem um voto neles por serem do PT, foi por não ter alternativa. Ou eram eles, ou entrava um tucano. Se tivesse candidatos com chances mais à esquerda, teria votado neles. Era um voto “contra” o outro pior. E sempre deixei isso claro. Isso prova que meu voto foi na Marta, e não no PT? Em parte, sim. Mas se ela fosse candidata por outro partido eu teria votado nela? Se fosse por um partido de direita, como o PPS, por exemplo, não votaria de jeito nenhum. Se fosse candidata pelo PSB, poderia receber meu voto, talvez. Qualquer um reconhece que a política brasileira virou uma geleia geral, em que tendências ideológicas, ética, essas coisas esperáveis de uma política saudável, foram para o brejo há muito tempo. Sobre isso fiz uma espécie de imitação de haicai que vale para governos tucanos, petistas e todos os outros: Em nome da boa Governabilidade, A ética virou saudade. Então, não existe pureza partidária. Sei que embora muitos dos melhores quadros do PT tenham saído do partido pela “porta da esquerda”, sobrou gente boa no nele. Uma minoria, mas sobrou. Por tudo isso, voltando à Marta e sua pretensão de manter o mandato, a coisa aí é relativa. Não sei se sim ou não, isso é lá com ela e o PT. Quando saí do PT, entreguei o emprego. Ela foi eleita, é diferente. Mas seria eleita por outro partido? Tudo indica que ela vai para o PSB, que não é mais o PSB de antes, mas não é dos piores e há gente boa nele, bem acima da respeitabilidade média dos políticos que abundam em nossos legislativos e executivos. Quem encara a política como uma carreira e quer ter de sucesso nela, e julga que sucesso, no caso, seja ganhar eleições para cargos como prefeito de São Paulo e governador, não vai optar pelo PSOL, por exemplo. Então, tudo bem. Mas o PSB está para se fundir com o PPS. Isso já vai além de uma coligação oportunista como tem acontecido muito e parece até “normal” na política brasileira. Depois de Lula e Haddad irem à casa de Maluf cabalar apoio eleitoral, com a lógica de alguns minutos na TV e formação de uma base governista mais ampla, é possível esperar as coisas mais intragáveis, de tapar o nariz, nas coligações para as eleições. Se coligar com direitistas já é, do meu ponto de vista, um pragmatismo indecente, fundir-se com eles é muito mais. É um pulo decisivo para a direita. Também não tenho nada com isso, é problema deles, mas não sei o que estão pensando os políticos do PSB que eu respeito. Imagino que alguns devem estar bem insatisfeitos. Com essa fusão, a coisa complica. Pena que não tenha como ela devolver o meu voto. Foto: Antonio Cruz/ABr