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"Quando você tenta desacreditar uma mulher que foi vítima de um abuso, você também se torna um abusador", diz, em artigo, a ex-militante do PSC que acusou Marco Feliciano de abuso. Leia
Por Patrícia Lelis
Hoje quero falar abertamente sobre abuso. E principalmente para todas as pessoas que me mandaram mensagens absurdas no meu Instagram (@patricialelis) e também na minha página do Facebook. Esse texto está sendo escrito para vocês.
Ao abrir minhas redes sociais, assuntos de assedio não faltaram: José Mayer, um famoso ator da Rede Globo, abusou SIM da figurinista Sussllem Meneguzzi Tonani. A mesma relata que o ator a chamou de “vaca” e passou a mão em sua genitália. O ator, por sua vez, alega que tudo foi um mal entendido e que que “passou dos limites”.
Então, deixa eu ver se entendi: um abuso então agora é tratado como algo que meramente “passou dos limites”? É isso mesmo? José Mayer, deixo aqui o meu conselho para você leia o Código Penal, mais precisamente a Lei n° 2.848, art 213.
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Rolei um pouco mais o “feed” de notícias e logo me deparei com mais um assunto bárbaro: Kari Gilligan, uma linda mulher jovem, que foi brutalmente estuprada pelo dentista Jeovane Dantas em Assu, uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Norte, e que mesmo com todas as provas contra o estuprador, não conseguiu sua devida justiça por se tratar de uma típica cidade de interior, onde o judiciário é facilmente corrompível.
Devido aos fatos, Kari preferiu se mudar do Brasil, pois aqui não se sentia mais segura, e com razão.
O show de horrores não parou por aí: Ontem Brasília parou com o julgamento sobre o assassinato da estudante Louise Ribeiro, que foi morta de forma brutal pelo namorado, e ainda teve gente falando que a culpa era da Louise por optar pelo termino de um relacionamento abusivo.
Infelizmente tem mais: Maria Eduarda Alves, uma jovem de 13 anos que teve a sua vida interrompida dentro de uma escola, e como se não bastasse, ainda tiveram pessoas capazes de dizer que a moça mereceu, pois era “mulher de bandido” e supostamente envolvida com o crime.
E como se não bastasse, me deparei com uma postagem que, sinceramente, me cortou o coração. Um grande amigo meu, que cresceu dentro da igreja comigo, relatando o quanto sofre perseguições da própria família religiosa por não ter escondido sua opção sexual. Vale lembrar aqui que a família arrota “amor e santidade”, mas foi capaz de expulsá-lo de casa, pois “gays vão queimar no fogo do inferno e ele é uma vergonha para a família de pastores”.
Ainda acha que é pouco? Então tudo bem, tem mais: Ontem me deparei com o homem que abusou de mim, e me agrediu, dizendo em rede nacional que eu sou uma louca, mentirosa, psicopata, entre outras palavras de baixo calão que sinceramente me questiono como um dito “homem de Deus” é capaz de usar tais palavras para se referir a alguém.
Sim, ele foi capaz de dizer tudo isso no programa de uma mulher que o atual marido Marcelo de Carvalho é amigo íntimo do estuprador Roger Abdelmassih. Isso mesmo, o ex médico que foi indiciado por mais de 37 estupros. Essa amizade conta com direito a vídeos no Youtube que mostra a amizade de ambos. Minha pergunta que fica: então quer dizer que Luciana Gimenez é pró-estuprador?
Para mim, nitidamente a sociedade tem uma grande dificuldade em acreditar quando uma mulher fala que foi abusada. A maioria já começa a questionar e querer desacreditar a vítima, e sinto muitíssimo por isso, mas vou ter que avisar aos machistas de plantão que, quando isso acontece, você se torna um abusador também.
Tentar desculpar o agressor fazendo com que a vítima se transforme em réu porque supostamente ela teria provocado o estupro devido ao seu comportamento ou a roupa que vestia não muda os fatos sobre o ocorrido. Pela primeira vez eu escrevo abertamente sobre uma sociedade patriarcal e machista, onde a palavra do homem tem mais força do que a palavra da mulher.
Ao longo dessa minha jornada sobre provar um abuso e agressão no STF, eu aprendi diversas coisas sobre a vida, e a maior dela é: Quando um homem começa a dizer que a mulher é louca, mostra o medo que ele carrega da verdade. E também aprendi que denunciar um homem que tenha qualquer tipo de poder nas mãos não é algo fácil.
Esse texto foi escrito com palavras de quem sofreu um abuso, por parte de um Deputado Federal, que usa o nome de Deus para arrotar santidade. Foi escrito por uma mulher que sente no coração uma enorme revolta sobre essa sociedade machista que todos os dias desacredita a palavra da mulher. Foi escrito por uma mulher que constantemente é chamada de puta, vadia, bruxa, mas que sabe que nenhuma dessas palavras a define.
Mas também foi escrito em homenagem a grandes mulheres que todos os dias não desistem da sua luta, que não se calaram perante os seus agressores. Quando eu escrevo “grandes mulheres”, a primeira grande mulher que me vem à cabeça é a minha mãe, que sempre usou de sua enorme sabedoria e amor genuíno para me acalmar e dizer “essa guerra você vai vencer”. E hoje eu quero usar do mesmo amor e sabedoria que minha mãe carrega dentro de si e dizer: vocês não estão sozinhas. A luta não é fácil, mas juntas somos fortes.
Hoje quero que cada mulher que passou por algum tipo de abuso, estupro, agressão, sinta-se abraçada e acolhida com esse texto, que tenha a consciência de que não está sozinha nesse mundo, e que onde existe verdade, existe luta. E onde existe mais de uma mulher lutando pela mesma causa, é certeza de uma vitória.
Eu termino esse texto, com uma frase maravilhosa da maravilhosa Simone de Beauvoir: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”.
Foto: Portal Metrópole