Mídia de massa ignora mortos iraquianos

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Corria o ano de 1994. Imagens do cantor Michael Jackson e de sua esposa na época, Lisa Marie Presley, cobriam páginas e mais páginas da imprensa norte-americana.
Enquanto isso, o genocídio em Ruanda ficava escondido para o público. Quando o casamento e o divórcio de figuras populares conseguem mais destaque do que a guerra do Iraque ou a privacidade dos cidadãos comuns, ameaçada pela “guerra contra o terror” do governo, o público enfrenta “uma emergência da verdade”, segundo o diretor do Project Censored. Para atender a emergência, esta organização acadêmica sem fins lucrativos que depende da Fundação da Universidade Estadual de Sonoma, no Estado da Califórnia, compila a cada ano 25 notícias ignoradas pelos meios de comunicação de massa.

Desde 1976, quando Carl Jensen fundou este centro de pesquisas, os artigos são selecionados para integrar um anuário de informes controvertidos e quase desconhecidos. A organização, agora presidida por Peter Phillips, professor de sociologia na Universidade Estatal de Sonoma, trabalha com estudantes e educadores dessa instituição para avaliar e selecionar quais entre 700 e mil artigos apresentados anualmente ficam entre os últimos 25. Depois, um painel de juízes, entre eles figuras celebres das artes e da academia, como Noam Chomsky e Susan Faludi, classifica os 25 artigos por ordem de importância.

Como se determina o que constitui censura? “Definimos a censura moderna como a sutil, mas constante e sofisticada, manipulação da realidade em nossos meios de comunicação de massa”, diz o site ProjectCensored.org. A organização apresenta uma serie de critérios pela qual uma notícia pode ser considerada “censurada”. Um deles diz que é aquela que “contém informação que a população geral dos Estados Unidos tem o direito e a necessidade de saber, mas à qual tem acesso limitado”. De fato, nenhum dos informes selecionados figurou na grande imprensa, tendo aparecido em um reduzido grupo de mídia independente, livre das restrições da propriedade corporativa.

A primeira notícia da lista deste ano é a resposta a uma pergunta que passou despercebida para a imprensa dominante: quantas vidas iraquianas foram perdidas por causa da ocupação norte-americana? A resposta: um milhão. Essa estimativa, a cargo da firma britânica Opinion Research Business (ORB), apareceu em apenas três mídias independentes: Inter Press Service (IPS), AlterNet e After Downing Street. Michael Schwartz, da rede de organizações não-governamentais After Downing Street, também refutou em Censored a idéia de que a maior parte da violência é entre iraquianos: a proporção de mortes de cidadãos desse país causadas por norte-americanos é de aproximadamente 80%.

Censored também destacou o que pode ser a conseqüência mais abominável da censura da mídia: a falta de conscientização do público. Segundo pesquisa contratada em fevereiro de 2007 pela agência de notícias Associated Press, na qual se perguntava quantos iraquianos morreram em razão da ocupação, as respostas mais comuns dos cidadãos norte-americanos entrevistados situavam esse número em menos de 20 mil, recordou Schwartz em Censored. “Esta ignorância maciça, como tantos outros elementos da história da guerra do Iraque, não receberam nenhuma cobertura na imprensa de grande circulação, nem mesmo por parte da Associated Press, que encomendou a pesquisa”, acrescentou.

Muitas das notícias incluídas na compilação deste ano versaram sobre a mais recente fase do conflito no Iraque, bem como sobre as preocupações relativas à privacidade em meio a um recrudescimento das medidas de segurança impostas pelo governo norte-americano. Em terceiro lugar figura um informe sobre os benefícios obtidos por certas empresas em conseqüência da guerra, através do programa InfraGard, iniciado em 1996 em Cleveland, com a participação de 350 empresas que integram a lista das 500 principais da revista Fortune.

Ao facilitar informação sobre indivíduos particulares ao Escritório Federal de Investigações (FBI) e ao Departamento de Segurança Interna, cerca de 23 mil empresas privadas conseguiram que esses organismos as alertassem sobre possíveis atentados antes mesmo do público e de determinados funcionários eleitos nas urnas, informou The Progressive em um artigo escrito por Matt Rotschild. O FBI divulgou um desmentido em fevereiro, mas Rothschild reafirmou o que escreveu. Também estão na lista – em nono lugar – as audiências da campanha “Soldado de Inverno”, realizadas em março em Silver Springs, no Estado de Maryland, organizadas pela associação Veteranos Contra a Guerra.

O objetivo dessas audiências foi denunciar ao público e às autoridades abusos e crimes cometidos pelas tropas norte-americanas. Trezentos veteranos do Iraque e do Afeganistão revelaram atrocidades que viram ou das quais participaram, como profanar cadáveres e atacar objetivos civis. Estas audiências foram cobertas apenas por três meios de comunicação (The Nation, One World e Inter Press Service) e uma emissora de rádio, a Pacifica Radio. Se o governo dos Estados Unidos considera que uma pessoa, direta ou indiretamente, põe em risco suas operações no Oriente Médio, o Departamento do Tesouro pode confiscar suas propriedades e congelar seus bens. Esta notícia ocupa o quinto lugar na lista.

Dois decretos dão essa faculdade ao Departamento do Tesouro, uma em julho e outra em agosto de 2007. O primeiro limitou-se ao Iraque. O segundo, baixado por ocasião da guerra o Líbano, ampliou seu alcance às ações, violentas ou não, que debilitaram sua posição nesse país. Por este decreto, os familiares dependentes desses indivíduos (cônjuge, filhos) também teriam seus bens congelados, e não seria permitido receberem assistência humanitária, segundo Censored. Estes decretos foram cobertos por The Progressive e por Global Research. Os meios de comunicação de massa acompanharam de perto notícias como a gravidez da atriz Angelina Jolie e os conflitos conjugais do ator Alec Baldwin, mas os informes sobre as conseqüências da guerra do Iraque e as preocupações sobre a privacidade permaneceram ocultos.

Circulou informação nova sobre abusos e mortes em centros de detenção juvenil e a respeito da quantidade sem precedentes de prisões por posse de maconha nos Estados Unidos. Alguns jornalistas também informaram sobre os benefícios econômicos obtidos por empresas por participarem da lei de educação “Que nenhuma criança fique para trás”, e também sobre a aprovação de métodos de tortura por parte da Associação Psiquiátrica Norte-americana, cujos membros ficaram livres de dar assistência nesses abusos. Tais notícias ficaram enterradas sob as imagens das novas aventuras de Paris Hilton. E estas são apenas as 25 principais. (IPS/Envolverde)