Ministério expressivo, por Antonio Albino Rubim

Intencionalmente ou não, o ministério demarcou, sem subterfúgios, um outro Brasil. Um país com passado presumido, presente afirmado e futuro pretendido. Ele expressa, com toda força, o Brasil da casa-grande.

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Intencionalmente ou não, o ministério demarcou, sem subterfúgios, um outro Brasil. Um país com passado presumido, presente afirmado e futuro pretendido. Ele expressa, com toda força, o Brasil da casa-grande Por Antonio Albino Canelas Rubim*  Afirmar que uma imagem vale mil palavras se tornou um senso comum na “civilização das imagens” em que vivemos. Hoje, proliferam suportes tecnológicos e as imagens invadem toda a sociedade. Como desafio, caberia perguntar o que pode valer por mil palavras e mil imagens nesta contemporaneidade contaminada por imagens e palavras? Walter Benjamin lidou com a noção de mônada, inspirado nas formulações de Leibniz. Para Benjamin, as mônadas configuram partes-todo e não somente partes do todo. Ou seja, elas são fragmentos que possuem a singular capacidade de condensar e reter o todo, em seus vestígios de passado, marcas de presente e possibilidades de futuro. Hipótese aventada: as mônadas dizem mais que mil imagens e palavras, ainda que elas se expressem acionando também imagens e palavras. A formatação do ministério Temer, após 13 anos do PT no governo nacional, adquiriu o caráter de mônada. Ele constituiu e sintetizou, de maneira exemplar, o espírito deste tumultuado tempo de tensões e passagens, em que estamos submetidos. Senão, vejamos. O ministério se conforma com homens brancos, maduros, experimentados profissionais do sistema político. Intencionalmente ou não, ele conseguiu expressar as linhas de força da atualidade, mais que quaisquer usos de milhares de imagens e palavras. Ele, com admirável nitidez, afirmou um Brasil imaginado como uniforme e unitário. A ausência de mulheres foi, de imediato, notada por diversos segmentos da sociedade brasileira e internacional, pois ela ocorre justo em um processo de impedimento de uma mulher exercer a presidência da Nação, para a qual foi devidamente eleita pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros. Ademais, tal falta não acontecia há mais de 40 anos, desde o governo ditatorial de Ernesto Geisel. Entretanto, as faltas são bem mais amplas. Faltam jovens, faltam negros, faltam trabalhadores urbanos e rurais, faltam indígenas, faltam homossexuais (assumidos), faltam deficientes físicos, dentre outras faltas. Em suma, faltam todas as diversidades sociais, étnicas, sexuais e culturais que compõem o Brasil atual. Diversidades que o país, mesmo tateando e com dificuldades, vinha aprendendo a acolher e tratar. Intencionalmente ou não, o ministério demarcou, sem subterfúgios, um outro Brasil. Um país com passado presumido, presente afirmado e futuro pretendido. Ele expressa, com toda força, o Brasil da casa-grande. Já não adianta buscar remediar este acontecimento, agregando possíveis simulacros de diversidade ao governo. O recado está dado. No Brasil da casa-grande recuperada não há espaço para (sua) diversidade. Ela deve ser, mais uma vez, silenciada e invisibilizada. No ar, pairam questões vitais: será possível realizar tal percurso sem recorrer ao autoritarismo para impor aos “subalternos” que eles “saibam” seu lugar na sociedade? Será que os “excluídos”, depois de experimentar outros ambientes democráticos e sociais, vão aceitar, sem mais, retornar aos lugares de confinamento e ao silenciamento, que os tornam invisíveis na sociedade? *Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e professor do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA Foto de capa: Valter Campanato/ Agência Brasil