Ministério Público recorre de sentença que absolve aluno da USP acusado de estupro

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Para Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado da jovem que denunciou o estudante, decisão é ‘superficial’, pois desconsidera a palavra da vítima e laudos que comprovariam abuso Por Tatiana Merlino e Igor Ojeda, da Ponte Jornalismo O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) entrou com recurso de apelação contra a absolvição, em primeira instância, de Daniel Tarciso da Silva Cardoso, estudante de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) acusado de dopar e estuprar uma estudante de Enfermagem. A entrada do recurso foi feita na última segunda-feira (13/02). A decisão pela absolvição foi dada em 07/02 pelo juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O processo corre sob segredo de Justiça. Na sentença, à qual a reportagem teve acesso, Arroyo justifica sua decisão com base na “inconsistência das declarações da ofendida” e no fato de haver “prova em sentido diverso, a sustentar a versão do acusado, quer de cunho testemunhal (…) como também documental (…)”. Cardoso é denunciado por outros seis casos de violência sexual contra alunas da USP e já foi julgado por matar um homem com oito tiros. Procurado por email para comentar a decisão e as demais acusações contra o estudante, seu advogado, Daniel Alberto Casagrande, afirmou entender “que foi feita justiça” e desconhecer a existência de outras denúncias contra seu cliente. Sobre a reportagem da Ponte que noticiou a absolvição, o advogado escreveu: “Solicito que o nome e a imagem do Daniel sejam excluídos da reportagem, bem como de antigas e futuras. Tenha responsabilidade, por favor, e pare de prejudicar quem já foi declarado inocente pela Justiça. Serve essa comunicação de notificação”. Para Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado da estudante que acusa Cardoso de estupro, a decisão do juiz Klaus Marouelli Arroyo é “superficial”, pois desconsidera as provas que constam dos autos do processo, como laudos psicológicos e psiquiátricos que atestariam que a vítima passou por abuso sexual, e um exame médico que comprovaria escoriações decorrentes de violência. “Casos de violência sexual muitas vezes acontecem entre quatro paredes, sem testemunhas. Por essa razão a jurisprudência dá ênfase à narrativa da vítima”, diz.
O caso A estudante de Enfermagem, também da USP, afirma que o estupro ocorreu no dia 11 de fevereiro de 2012 no dormitório de Cardoso na Casa do Estudante, localizada no bairro de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. De acordo com relato que consta do processo, eles se encontraram em uma festa da USP na sede da Atlética de Medicina, no mesmo bairro, onde a jovem ingeriu uma bebida “batizada”, ou seja, contendo alguma droga dopante. Ela afirma que a partir desse momento não tem lembranças precisas dos acontecimentos, apenas pequenos flashes. Quando recobrou a consciência, Cardoso a estuprava e a continuou violando e ameaçando apesar das suas tentativas de se desvencilhar e pedidos para que parasse. Duas das estudantes de Medicina da USP que acusam Cardoso de estupro foram arroladas como testemunhas na ação do Ministério Público. Ambas igualmente afirmam ter sido dopadas momentos antes da violência. O estudante também é alvo de outro procedimento investigativo, envolvendo uma das vítimas, que denuncia ter sido drogada e violentada por ele em uma festa da faculdade, como relatou nas sindicâncias da USP e na CPI dos abusos na FMUSP que ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A permanência de Cardoso na faculdade e sua colação de grau vem sendo alvo de manifestações de alunos e professores. Cardoso, que pretende se especializar em ginecologia e obstetrícia, concluiu o curso de Medicina em 25 de outubro de 2016. Após a CPI dos abusos realizada na Alesp entre novembro de 2014 e março de 2015, por iniciativa do então deputado estadual Adriano Diogo (PT/SP), a faculdade realizou um processo disciplinar que suspendeu o estudante durante um ano e meio. O fim da suspensão foi alvo de protestos. Em meio às pressões, em novembro de 2016 o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) informou que iria indeferir o registro profissional (CRM) de Cardoso “até ter acesso aos autos de sindicância e processo sob guarda da referida Faculdade”. Em nota enviada à reportagem no dia 10/2 deste ano, a entidade reafirma seu posicionamento. “Até o momento, o Cremesp não recebeu a documentação solicitada à Faculdade para análise do caso. O pedido será reiterado.” Em novembro de 2014, a Ponte Jornalismo revelou, por meio de uma série de reportagens, casos sistemáticos de violência sexual, castigos físicos e discriminação na faculdade de medicina mais importante do país. Foto: Sérgio Silva

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