Moniz Bandeira: Os EUA na bancarrota

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O cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, especializado em política externa e autor de diversos livros, entre eles De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina e A Formação do Império Americano, analisa a Era Bush e as perspectivas de um governo Obama.

Fórum – Em linhas gerais, como podemos definir a Era Bush? 

Luiz Alberto Moniz Bandeira –
A Era Bush assinalou, nitidamente, o declínio da influência dos Estados Unidos, nas mais diversas regiões do mundo, sobretudo em consequência de sua política unilateral, tentando implementar o Project for the New American Century (Pnac), que consistia, fundamentalmente, em aceitar para os EUA o papel exclusivo de “preservar e estender uma ordem internacional amigável (friendly) à sua segurança, sua prosperidade e seus princípios”.

Fórum – O que mudou nos EUA e no cenário político internacional entre a posse e a iminente saída de Bush? 

Bandeira –
No cenário político internacional, há um certo alívio com a iminente saída de Bush, pois ele, com as guerras que deflagrou e ameaçou deflagrar, implantou no mundo um estado de tensão e de terror. Agora, há alguma esperança de que Barack Obama, como presidente dos Estados Unidos, reverta esse quadro.

Fórum – Na área econômica, qual a contribuição do governo Bush para a atual crise? 

Bandeira –
A contribuição de Bush foi decisiva e a crise econômica e financeira tende a se agravar ainda mais, devido ao fato de que os Estados Unidos, com enormes déficits comercial e fiscal, bem como na conta corrente do balanço de pagamento, tornou-se uma nação devedora e não tem como pagar sua dívida. O pior é default do próprio governo dos Estados Unidos, cujo sistema financeiro poderá, inclusive, cair em poder da China, que dispõe de suficientes reservas em dólares (mais de US$ 2 trilhões) para comprá-lo.
Em agosto de 2007, David Walker, chefe da Agência de Controladoria dos Estados Unidos, advertiu que os Estados Unidos sobrem uma “burning platform” de políticas e práticas insustentáveis, escassez crônica de recursos para a saúde, problemas de imigração e compromissos militares externos, que ameaçavam eclodir se medidas não fossem em breve adotadas. Também Paul Craig Roberts, ex-secretário-assistente do Departamento do Tesouro, no governo de Ronald Reagan (1981‑1989) declarou publicamente que, de fato, os Estados Unidos estão em bancarrota, que nunca pagarão suas dívidas, que financeiramente não são independentes e que as guerras no Iraque e no Afeganistão estão financiadas por outros países, principalmente a China e o Japão, que compram os bônus do Tesouro americano.

Fórum – O senhor acha que esta foi a pior administração estadunidense das últimas décadas? 

Bandeira –
Provavelmente, a administração de George W. Bush foi a pior não só das últimas décadas, mas também de todas as anteriores, no século XX.

Fórum – Em face do desempenho do governo Bush nas relações internacionais, o senhor acredita que o novo governo irá investir no multilateralismo? 

Bandeira –
Os Estados Unidos buscarão decerto a colaboração de outros países, não conseguem sequer financiar suas operações domésticas, muito menos as guerras no estrangeiro que o presidente George W. Bush deflagrou. Suas contas estão em vermelho. Tudo indica que, em 2009, os custos totais da guerra no Iraque ultrapassarão o montante de US$ 800 bilhões, US$ 100 bilhões a mais do que o custo do pacote para salvar o sistema financeiro. De acordo com os economistas Joseph Stiglitz e Linda Bilmes, as estimativas dos custos em longo prazo da guerra, incluindo benefícios aos veteranos que se estenderão ao futuro distante, disparam para a estratosfera. Variam de entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões, nos cálculos do Serviço Orçamentário do Congresso, a até US$ 4,5 trilhões. E, em virtude da atual crise econômica e financeira, os EUA não terão mais recursos para continuar subsidiando a indústria bélica e toda a sua cadeia produtiva, como até agora têm feito. A bancarrota dos Estados Unidos é inevitável, se o governo não conseguir reduzir seus gastos militares. Esta situação induz o governo dos EUA a recorrer ao multilateralismo, mas isto não significa que renunciará às ações unilaterais, se assim julgar necessário. Esta sempre foi a essência de sua política internacional.