Muito mais do que um perfil na internet

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A campanha de Barack Obama à presidência dos EUA foi celebrada em todo o planeta. Além da conversão do candidato em um popstar, a estratégia mereceu destaque também por seu uso das modernas tecnologias. Mais do que manter uma página na rede, a equipe de Obama soube lançar mão de tudo o que se prega no mundo da tal “internet 2.0”. Tal situação gerou um ponto de interrogação na cabeça dos políticos e de seus marqueteiros em outros países. Será que o caminho para vencer eleições estava ali desenhado – bastava se apoiar na força da rede, em especial da juventude, para que tudo caminhasse e o triunfo aparecesse nas urnas?
Um primeiro “porém” para esse raciocínio aparece sem muitas dificuldades, e se traduz nas questões sociais. São poucos os países que têm tamanho acesso à inclusão digital como os EUA. Além disso, peculiaridades políticas, culturais e de outras vertentes, fazem com que a missão se torne mais complexa.
Ainda assim, há muito o que aprender com a campanha de Obama. E mais, há muita coisa que estadunidenses e latino-americanos podem compartilhar em termos de estratégias para o triunfo nas disputas eleitorais – o que ganha importância à medida que as democracias latinas vão se consolidando. Essas discussões permearam o seminário realizado em Miami no início de abril, promovido pela revista Politics Magazine, dos EUA, e que contou com líderes da campanha de Barack Obama, além de políticos, consultores, jornalistas e outros estrategistas de toda a América Latina.

  

Definindo o sucesso Antes de mais nada, é preciso compreender bem o que foi o “uso da internet” pela campanha de Barack Obama. Análises mais simplistas resumiram a aplicação da rede à penetração em redes sociais e ao contato com o público jovem. Não que esses fatos não tenham sido notáveis, mas houve ações em outros campos que apresentaram resultados talvez ainda mais significativos.
Um exemplo é a arrecadação de verbas. Na política dos EUA, é costume que os partidos recebam grandes somas de recursos que têm como origem doadores individuais – cidadãos que simpatizam com determinadas propostas dos candidatos e optam por destinar parte do seu dinheiro a uma campanha, e é evidente que isso não inibe as doações das grandes corporações. Nesse caso, o uso da internet foi determinante para que a campanha de Obama alcançasse sucesso. Os números atestam: 65% do dinheiro que financiou a corrida democrata foi arrecadado on-line. Foram utilizadas ferramentas do Google e de outros sites, habitualmente empregadas também para as compras via rede, que permitiram o gerenciamento das doações e dos seus doadores que foram contatados ao longo da disputa, para verificar o interesse em outras possíveis contribuições.
Para John Del Cecato, consultor do Partido Democrata que trabalha ao lado de Obama desde a sua candidatura ao Senado dos EUA, em 2004, houve outro fator determinante para que a política de doações da candidatura obtivesse sucesso, além das ferramentas eletrônicas: o fortalecimento e a transparência na gerência das doações individuais. Arrecadou-se dinheiro de maneira até simplista, com a venda de bonés, adesivos, broches e outros itens que, geralmente, são distribuídos gratuitamente nas corridas eleitorais. Ou seja: para andar com um adesivo de Obama no carro era preciso abrir o bolso. O que era interpretado de maneira positiva pelo cidadão, como conta Cecato. “O eleitor queria um candidato verdadeiramente independente, não coligado com os lobistas de Washington”, sustenta.
Neste caminho, foi preciso executar uma centralização e mobilização das lideranças locais. Afinal, as doações individuais só existem quando o cidadão se sente motivado a contribuir para uma candidatura – que se pauta, entre outros motivos, pela relação que estabelece com a militância de seu candidato. “Os voluntários chegam à campanha por causa do candidato e se mantêm por causa da equipe”, explicou o consultor Paul Tewes.
E foi aí que as redes fizeram diferença. A campanha de Obama conseguiu definir, de maneira precisa, um mapeamento dos seus líderes regionais – e estes eram estimulados a expor, na rede, seus contatos, para que fossem localizados por todos os interessados. Um simpatizante da campanha, por exemplo, tinha como acessar pela internet um mapa do seu bairro que apontava em que rua morava um líder partidário próximo.
Os grupos montados chegaram até a passar por processos de imersão – os chamados “acampamentos” – para que fossem submetidos a um treinamento pleno, em que eram informados sobre as iniciativas que deveriam tomar para angariar votos. “A campanha de Obama trouxe voluntários e deu poder a eles. Se tínhamos um discurso de mudança, essa mudança já deveria começar com a própria campanha”, conta Temo Figueroa, que atuou no comitê de Barack Obama destinado ao público latino.
Se por um lado a contribuição das ferramentas da internet 2.0 foi menos romântica e mais operacional do que poderia parecer em uma análise prévia, por outro há sim relevância no que foi feito em páginas como o MySpace, Youtube e outras febres da rede. Ben Self, da empresa Blue State Digital, que forneceu serviços em internet e sistemas para a campanha de Obama, explicou que mais de 18 mil peças foram inseridas voluntariamente em sites de busca e exibição de vídeos, como o Youtube. E Victor Kong, diretor do MySpace para a América Latina, testemunha o sucesso que debates on-line fizeram no site de relacionamentos. “Os internautas comentavam as respostas dos candidatos em tempo real, uma situação única.”

E a América Latina?
Compreendida a relação internet/sucesso de Obama, fica a pergunta se é possível transplantar essa metodologia para campanhas em países latino-americanos. Ou melhor: para cada uma das sociedades que compõem esse complexo continente, porque, como lembrou Mark Feierstein, consultor em campanhas de sucesso em países distintos como Honduras, Áustria e Bolívia, “não existe um só latino”.
Por outro lado, há peculiaridades comuns em praticamente todos os países localizados abaixo dos EUA. Talvez a mais importante seja a perene desconfiança que o cidadão em geral – e em especial o jovem – tem dos políticos ou, de maneira mais ampla, da política como um todo.
Para Eduardo Gamarra, da consultoria Newlink Research, que atua na América do Sul e também nos EUA, a vitória de Obama é também uma amostra de como essa condição pode ser minimizada. “Com três fatores – o carisma do candidato, as ferramentas da internet e o governo impopular de George W. Bush –, a campanha de Obama conseguiu superar uma apatia que se vivia também nos EUA.”
Gamarra explica que é preciso um trabalho que saiba unir virtudes do jeito “moderno” e do “tradicional” de se fazer política. Por moderno, o consultor cita a própria internet e suas benesses; no tradicional, Gamarra destaca o boca-a-boca, a obtenção e a estimulação da militância, entre outros fatores. O consultor cita um caso de sucesso em que atuou na República Dominicana: lá, em uma campanha local, a principal ação de sua equipe foi a realização de encontros em formato de café da manhã, em que os jovens militantes se reuniam. No formato, atendia-se à necessidade de agrupar os apoiadores e também se ouvia, de quem estava na linha de frente, opiniões e impressões essenciais para se determinar a trajetória da candidatura.
No tocante à arrecadação, sabe-se que o latino-americano não é um contribuinte habitual das campanhas eleitorais. Para Ravi Singh, diretor da empresa de tecnologia voltada a campanhas ElectionMall, essa pouca tradição se deve basicamente à pouca idade que tem a maior parte das democracias na região. “As pessoas vão doar mais à medida que acreditarem mais na democracia. Então, não interpretarão mais a doação como um gasto, e sim como um investimento pessoal.”
Mas há meios para superar essa condição. No Chile, uma iniciativa bem-sucedida foi a chamada Campaña Ciudadana (Campanha Cidadã), que teve como ambição fortalecer as doações individuais para as campanhas. O projeto incluiu arrecadações por telemarketing, recolhendo dinheiro em festas ou mesmo solicitando recursos nos eventos de rua. Para Giorgio Martelli, um dos coordenadores do sistema, “é preciso trazer o tema do financiamento para o centro das discussões políticas na América Latina, com uma fiscalização que não se restrinja às campanhas, mas também enfoque as atividades dos partidos”.
Há diferença também nas regras das eleições propriamente ditas – e que têm peso decisivo na elaboração das estratégias. Nos Estados Unidos, as eleições são um processo mais prolongado, que se desenha desde as disputas primárias e não se resume a um dia único de votação – há pleitos em que o sufrágio pode ser depositado em prazos que chegam a 15 dias. Em oposição, no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos, as eleições se dão em uma única data.
Esse cenário faz com que essas campanhas tenham um caráter de risco mais elevado. O que se explica, também, pelo próprio jeito “emocional” mais típico do latino, como mostra Carlos Escalante, consultor e analista político venezuelano. “Na América Latina, não se vota analisando propostas, comparando os projetos de candidatos, e sim de uma maneira mais particular.”
Um exemplo da dita passionalidade vem dos próprios EUA. Durante as disputas primárias, quando Hillary Clinton e Barack Obama disputavam a indicação democrata à corrida presidencial, a ex-primeira dama levava forte vantagem entre os latinos que votariam naquela eleição. Pesquisas qualitativas identificaram que um dos fatores que faziam com que Clinton superasse Obama era sua campanha televisiva, que enfatizava sua parceria com os latinos, lançando mão do bordão “nuestra amiga” – enquanto as peças publicitárias de Obama destacavam o currículo do senador, apontando sua oposição à Guerra do Iraque e outros feitos. Para os latinos, a postura de Obama era vista como demagoga. “Após a recepção desses dados, a campanha de Obama mudou completamente o foco em relação aos latinos. O resultado foi um avanço na disputa contra Hillary e a migração quase integral dos votos dela para Obama na disputa principal”, contou Fernand Armandi, vice-presidente da Bendixen & Associates, empresa localizada na Flórida e especializada em pesquisas qualitativas.
Por outro lado, emocionais ou não, praticamente todos no continente vão às urnas. É que em nações como o Brasil e outras do continente, o voto é obrigatório – e aí reside uma diferença abismal em relação à disputa nos EUA, país no qual vota quem quer, e em que uma das principais tarefas dos marqueteiros é levar os eleitores às urnas. Não se pode esperar, portanto, que os países latinos tenham listas com todos os eleitores registrados de um determinado partido, como acontece nos EUA. É preciso que o contato seja feito diretamente com esse eleitor, e não se pode esperar que ele voluntariamente procure o partido.

Os casos brasileiros
Como os vizinhos, o Brasil tem voto obrigatório, uma população majoritariamente descrente na classe política e pouca tradição nas doações individuais. Mas, por ser o país mais importante dessa parte do continente, tem suas peculiaridades. Uma delas é o fato de a internet, por aqui, “ter um corte não financeiro, mas sim etário”, como afirmou Ivo Corrêa, diretor de políticas públicas e relações governamentais do Google Brasil. Corrêa destacou que a massificação das lan houses – e ilustrou sua afirmação com uma viagem ao interior do Maranhão, quando viu em uma cidade pobre, com cerca de 30 mil habitantes, cinco estabelecimentos desse tipo – e as iniciativas governamentais para reduzir a exclusão social têm feito com que, no Brasil, a internet já seja um meio com penetração respeitável, inclusive nas camadas da população com menor renda.
Para Corrêa, um caso é emblemático para citar o potencial que a internet pode ter nas campanhas eleitorais no Brasil. Na disputa municipal do ano passado, Márcio Lacerda (PSB) e Leonardo Quintão (PMDB) concorriam à prefeitura de Belo Horizonte. Lacerda havia vencido o primeiro turno e tinha o apoio dos dois principais líderes do estado, Aécio Neves (PSDB) e Fernando Pimentel (PT); mas Quintão vinha abrindo vantagem de forma crescente nas pesquisas. No entanto, poucos dias antes da eleição, começou a circular no Youtube um vídeo em que o humorista Tom Cavalcante imitava Quintão, ironizando sua candidatura. A página teve mais de 600 mil visitações até o dia do pleito – número bem próximo da reviravolta que Lacerda teve sobre Quintão, que o fez vitorioso na capital mineira. “Não afirmo que foi esse vídeo que decidiu a eleição em Belo Horizonte, mas os números são, no mínimo, interessantes”, disse Corrêa.
Mesmo assim, não se pode desprezar o fato de que ainda há um Brasil rural e periférico que está à margem das revoluções comunicacionais. Demétrius Lucena, assessor de Odair Santos Corrêa, vice-governador do Pará, vaticina: “A equipe do Obama, com essa estrutura toda, não conseguiria eleger um prefeito no interior do Pará, porque não saberia como lidar com as realidades locais”. Por mais que o Brasil se modernize, quem quiser fazer sucesso em campanhas por aqui precisa, acima de tudo, conhecer o brasileiro. F