Multidão lembra 30 mil desaparecidos durante ditadura argentina

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Organizações sociais, partidos de esquerda, sindicatos, indígenas, peronistas, veteranos da Guerra das Malvinas, punks e cidadãos sem qualquer ligação direta com qualquer movimento se concentraram hoje à tarde na Praça de Maio, em Buenos Aires, em ato repetido desde 1983 para lembrar o início da última ditadura militar. As mães da Praça de Maio, movimento que praticamente fundou o ato civil público, reclamaram da demora nos processos de julgamento dos responsáveis pelo desaparecimento, tortura e morte de 30 mil pessoas durante o governo militar.

Tania RegoTania Rego


O golpe de 1976 é considerado um dos mais duros e sangrentos do continente latino-americano, e as manifestações por justiça e condenação dos generais são tidas como exemplares na região. Os arquivos militares começaram a ser abertos nos últimos anos, e houve 44 condenações de 26 responsáveis por crimes contra a humanidade. No entanto, dezenas de militares já morreram. As organizações sociais lutam especialmente para que os julgamentos sejam acelerados e para que as testemunhas tenham proteção e garantias.
Os participantes saíram de várias partes da cidade e seguiram pela Avenida de Mayo. A marcha foi precedida por cerca de 300 mulheres vestidas de branco, pedindo silêncio e executando coreografias afro que lembravam o desespero das pessoas durante o regime militar. Em seguida, um grupo de percussão juntou-se à passeata e anunciou a passagem das mães da Praça de Maio. Um dos momentos mais emocionantes foi avistar uma das fundadoras do movimento das mães e avós da Praça de Maio, Nora Cortiñas, na ponta de uma gigantesca bandeira argentina com fotos de 3 mil desaparecidos. Canções feitas para lembrar os desaparecidos eram repetidas por todos.
O Encontro Pela Memória, Verdade e Justiça – nome dado ao ato cívico que já consta no calendário oficial da cidade – também teve seus momentos de protesto contra o atual governo, da presidente Cristina Kirchner e seu chefe de governo, Maurício Macri, ex-presidente do Boca Juniors, e bastante criticado por suas medidas que restringem projetos culturais, educacionais e sociais.
As Mães da Praça de Maio leram um documento que foi entregue às autoridades responsáveis, no qual pedem justiça e o julgamento dos que torturaram e mataram as 30 mil pessoas, mas também a reavaliação de um modelo econômico neoliberal contra o qual lutaram seus filhos e netos. Foram interrompidas pelos aplausos várias vezes e por uma espécie de grito de guerra que evoca a presença dos desaparecidos.
A manifestação não é alegre nem triste, é forte e com um sentido cidadão inacreditável. Jovens, famílias, todos ouvem atentamente os discursos das “mães” e de parentes de desaparecidos que têm neste dia a oportunidade de expressar publicamente sua dor e a memória dos seus queridos. Amalia Pereira é uma das que empunham um cartaz com a foto do irmão desaparecido, Rodolfo Pereyra, militar militante, segundo ela. “Entraram na sua casa, nove militares e o mataram com vários tiros de metralhadora”. Para ela, ao menos tiveram a oportunidade de enterrá-lo, mas nunca souberam o destino dos assassinos. Rodolfo deixou dois filhos e a esposa. A irmã diz que enquanto puder andar irá à marcha de 24 de março.

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Muitos jovens acompanham a marcha – que acaba se transformando numa arena para uma centena de queixas e causas – e eles acreditam que está no “sangue argentino” o hábito do protesto. Pergunto por que os argentinos saem sempre as ruas e os brasileiros muito pouco e eles respondem: “Aqui passaram coisas muito sérias e duras e aprendemos com nossos pais e avós a brigar pelos nossos direitos”, diz Joaquim, estudante, que se juntou ao grupo do Partido Comunista na passeata de hoje. Já Melina Rodriguez, também jovem e estudante, acredita que a memória dos que morreram e o desejo de que a situação não se repita é o que une a todos. Fora isso, a marcha reclama outros temas que causam divergência entre muita gente. “Eu não sabia que no Brasil as pessoas saem pouco para protestar”, disse. F