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Não é fácil encontrar amizades sinceras e desinteressadas. Se a frase vale para as pessoas, a situação não é muito diferente para os museus paulistas. A promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado de São Não é fácil encontrar amizades sinceras e desinteressadas. Se a frase vale para as pessoas, a situação não é muito diferente para os museus paulistas. A promotoria do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado de São Justiça de documentos de abertura
de contas, fundos, aplicações financeiras,
extratos e cópias de cheques
comuns e administrativos de todos
os envolvidos a partir de 1992. Um
levantamento preliminar indicou
que os desvios podem somar R$ 500
mil por ano.
Em 2006, a Justiça já havia autorizado
a busca e a apreensão de
documentos dentro dos dois museus
depois de mais de uma década
de atuação das entidades como suas
gestoras e, ao que indica, a apuração
dos promotores, sem que tivessem de
prestar contas de suas ações e gastos
ao governo paulista sobre a gestão do
patrimônio público. Na época, o então
secretário da Cultura, o cineasta
João Batista de Andrade, afirmou ao
jornal O Estado de S. Paulo por meio
de nota que os casos já haviam sido
“submetidos à apuração da própria
secretaria e que nenhuma irregularidade
foi comprovada”.
Um antigo funcionário do MIS
disse aos promotores que chegou a
enviar uma carta a Andrade com
denúncias de irregularidades na
administração do museu, mas que
nada foi feito. Um relatório feito
dentro da própria secretaria propôs
a instauração de procedimento
administrativo contra Andrade, os
ex-secretários Marcos Mendonça
e Cláudia Costin, além de outros
dirigentes dos dois museus e da secretaria
por conta dos indícios de irregularidades
administrativas. Integrante
da comissão que elaborou o
relatório, o servidor Francisco Amadeu
Rodrigues informou aos promotores
que os processos administrativos
não haviam sido abertos.
Denúncias e
represálias
Para os promotores, o MIS e o
Museu da Casa Brasileira foram
administrados irregularmente nos
últimos anos e tiveram “valores desviados
por dois grupos que se valeram
de bens e espaços públicos para
obter vantagens indevidas”. Embora
públicos, os dois museus passaram a
ser administrados pela Associação
dos Amigos do MIS e pela Associação
dos Amigos do MCB, entidades
privadas formadas por alguns de seus
ex-dirigentes. As associações alteraram
seus estatutos para serem transformadas
em organizações sociais
(OS) e, assim, assinarem contratos
de gestão com a Secretaria de Cultura,
em março de 2006. Na prática,
já vinham administrando o MIS e
o MCB irregularmente desde 1992,
durante a gestão do governador Luiz
Antônio Fleury Filho (PMDB, hoje
no PTB) e passou incólume pelas
gestões dos tucanos Mário Covas e
Geraldo Alckmin.
A investigação chegou ao Ministério
Público por conta da insistência
de uma servidora pública concursada,
a monitora Eleonora Maria
Fincato Fleury, que trabalhou nos
dois museus. Ela já havia informado
a secretaria de Cultura e o ex-governador
Alckmin sobre as supostas
irregularidades antes de procurar os
promotores. Por conta desta atitude,
Eleonora conta que passou a sofrer
retaliações e teve de responder inclusive
a um processo administrativo.
No MCB, sofreu um pedido de
afastamento em 1996, feito pelo diretor
técnico da época, Carlos Bratke.
Ela era acusada de passar “informações
prejudiciais à imagem do
Museu, da secretaria de Cultura e do
estado”. Eleonora chegou a ser colocada
em disponibilidade e só voltou
a trabalhar como monitora depois
de decisão da Corregedoria Geral
da Administração do governo do
estado que apontou a existência de
uma irregularidade no afastamento
da servidora de seu cargo de origem.
Rodrigues admitiu aos promotores,
no entanto, que as supostas irregularidades
não teriam sido descobertas
sem as representações da funcionária
tida como insubordinada.
“Não levaram em conta as denúncias,
e começaram as represálias
contra mim. Fui impedida até de
entrar no meu local de trabalho”,
relata a monitora. Os recursos da secretaria
de Cultura e a receita com
o aluguel dos museus para festas,
shows e encontros foram “desviados
criminosamente” para as duas associações,
na avaliação do MP, em vez
de serem encaminhados a um fundo
especial de despesa, conforme regulamentação
de um decreto estadual.
Os promotores constataram superfaturamento
nos custos de eventos
e a compra de notas fiscais frias, especificadas
numa planilha. Em 2006,
Eleonora foi transferida do MIS para
o Museu Casa Guilherme de Almeida,
onde trabalha hoje. A decisão de
colocá-la em disponibilidade foi da
diretora na época, Graça Seligman,
que alegou que “suas atitudes e perfil
profissional não se enquadravam nas
exigências atuais do MIS”.
Empresários interrogados pelo
MP também atestam os desvios.
Uma das responsáveis pela empresa
Cosmmos do Brasil revelou ter pago
R$ 50 mil à Associação dos Amigos
do MIS, valor definido como “doação”,
pelo aluguel de espaço para a
2ª Mostra Internacional de Arte e
Cultura. Desse total, somente R$ 5
mil foram depositados na conta da
AAMIS”. Na hora da prestação de
contas, eventos tiveram os custos
triplicados. A partir de depoimentos,
o Ministério Público afirma que a
exposição Paisagens de São Paulo teria
custado R$ 50 mil e não os R$ 150
mil cobrados da secretaria de Cultura
paulista, que liberou os recursos.
“A diferença teria sido justificada
com notas fiscais frias”, diz o MP.
Representantes da Associação
dos Amigos do MIS também teriam

sido beneficiados. Um deles, Amir
Labaki, era sócio da EMEGE Produções
Artísticas, prestadora de serviços
ao museu. “Por meio dessas empresas
pode ter havido desvio de dinheiro
que represente uma parte do rombo.
Como revelaram as testemunhas,
muitos outros funcionários abriram
empresas, sob sua titularidade ou de
algum parente, para que pudessem
fornecer notas superfaturadas aos
museus”, avalia a promotoria. Segundo
declaração de Eleonora, em
2004, durante o projeto MIS Aniversário,
o museu recebeu duplicata
de uma empresa que não existia. A
servidora informou que teve acesso a
pelo menos outras oito duplicatas ou
notas fiscais deste período que mereceriam
ser investigadas.
Procurado, Labaki – crítico de
cinema que escreve para os jornais
Folha de S.Paulo e Valor Econômico,
diretor do Festival É Tudo Verdade e
apresentador do programa de mesmo
nome do Canal Brasil (emissora
de TV a cabo da Globosat) – atendeu
o repórter por escrito. Ex-diretor
do MIS, ele afirmou que não
poderia se manifestar sobre o caso
em respeito “que decretou segredo
de justiça ao procedimento civil”. O
jornalista afirmou que acompanha
“a investigação com tranquilidade”
e confia na Justiça.
Um restaurante, uma livraria e
serviços de delivery e de estacionamento
funcionavam no MIS sem
licitação e sem autorização de uso
pelo estado. Outras irregularidades
foram apontadas, como a tentativa
de diretores de remover parte do
acervo para fora do museu, o aluguel
de filmes por um funcionário
que se apropriava do dinheiro, o desaparecimento
e o roubo de vídeos,
projetores, DVDs e outros equipamentos,
e ainda a realização de
“noitadas” no MIS.
Sob encomenda
No Museu da Casa Brasileira
foram recolhidas provas sobre a
compra de notas frias e superfaturamento.
Uma funcionária contou
que as notas eram fornecidas “sob
encomenda” por uma gráfica. A Associação
da MCB, dirigida na época
pela jornalista e curadora de design
Adélia Borges, pagava 6% sobre o
valor total de cada nota. De acordo
com o MP, foram emitidas notas frias
para justificar à secretaria de Cultura
paulista o gasto de R$ 45 mil com
a realização do evento XVII Prêmio
Design do Museu da Casa Brasileira.
A falcatrua, segundo o MP, foi
comprovada em e-mails que detalhavam
aos fornecedores como as
notas fiscais deveriam ser preenchidas
e com quais valores, definidos
por diretores da associação.
Em uma mensagem eletrônica
a uma funcionária do museu, que
está em poder da promotoria, Adélia
fala da necessidade de obter uma
nota para apresentar ao “convênio
com a Secretaria”, relativa à exposição
São Paulo 450 anos – Novo/
Velho Centro – (Re)Conhecer o Centro,
de 2004. “É preciso agilizar pois
não tenho como arrumar outra
nota e como esse dinheiro voltará
como caixinha para o museu não
devemos perder essa verba, certo?
Temos de arrumar outra empresa
compatível. Infelizmente não estou
conseguindo e não tenho mais o
que fazer”, dizia ela à funcionária.
Para montar o espaço para eventos
no MCB, em 1996, a administração
do museu chegou a derrubar
árvores de sua parte interna para
acomodar uma estrutura metálica
no jardim. Apesar de estar em área
tombada pelo Patrimônio Histórico
e da legislação que restringe o corte
de árvores, o corte foi feito sem as
devidas autorizações. Dois anos depois,
graças a uma representação de
Eleonora, o promotor Tiago Cintra
Zarif propôs um termo de compromisso
em que a direção do museu
se prontificava a plantar 87 árvores
como forma de compensar a destruição
irregular de parte do jardim.
A ex-diretora do MCB Adélia
Borges não retornou os telefonemas
com pedido de entrevista. Jornalista
especializada em design, ela
dá aulas sobre História do Design
Brasileiro na Fundação Armando
Álvares Penteado (FAAP) e na Escola
São Paulo e mantém coluna na
revista Serafina, da Folha de S.Paulo,
além de ter sido jurada em concursos
internacionais sobre o assunto e
já ter publicado artigos em jornais
e revistas do Brasil e do exterior.
A fotógrafa Graça Seligman, que
foi diretora do MIS e já expôs nas
Américas e na Europa, indicou seu
advogado, Ricardo Tepedino, para
falar sobre o assunto. Ele, no entanto,
não quis se manifestar sobre as
investigações.
A pedido de suas secretárias, os
arquitetos Carlos Bratke e Ricardo
Ohtake receberam os pedidos de
entrevista por correio eletrônico,
com os assuntos a serem tratados.
Nenhum dos dois respondeu à mensagem.
Bratke, que dirigiu o MCB,
é autor de dezenas de projetos na
valorizada avenida Engenheiro
Luís Carlos Berrini, além de ter
sido presidente do Departamento
de São Paulo do Instituto dos Arquitetos
do Brasil (IAB) nos anos
90, assim como seu pai, Oswaldo
Bratze, havia sido na década de 50.
Ex-diretor do MIS e secretário de
Cultura, Ohtake também foi diretor
do Centro Cultural São Paulo
e da Cinemateca Brasileira, além
de secretário do Meio Ambiente.
Hoje dirige o instituto que leva o
nome de sua mãe, a artista plástica
Tomie Ohtake. F