Não podemos banalizar a vingança. Lula é inocente

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"Não há nenhuma prova contra Lula. Apresentam processos e mais processos, agora querem nos fazer crer que um cartel de construtoras comprou um simples par de pedalinhos para lavar dinheiro. Lula não tem um sítio em Atibaia, nem um imóvel tríplex, nem duplex, nem quintuplex". Leia na coluna de Adriana Dias Por Adriana Dias* Certa vez, atendi a um gentil convite de dar uma aula na faculdade de Direito da USP, para discutir dois julgamentos famosos, relacionados a meu tema de pesquisa: os casos Dreyfus e Eichmann. Na ocasião, tratamos com os alunos alguns temas, e diante da atual situação do país, percebi a atualidade da discussão que fizemos na época. Primeiramente, resumirei os casos, e então discutirei algumas questões atuais a partir deles.
  1. No Caso Dreyfus, no final de 1894 , o capitão do exército francês Alfred Dreyfus, judeu da Alsácia, se viu acusado de ter munido os alemães com documentos secretos, e como resultado foi condenado a prisão perpétua por traição e deportado. O caso é marcado por um contexto social alicerçado em vasto nacionalismo e antissemitismo. A França fervia em ódio, e havia criado na ideia de “o judeu” o “outro conveniente”, como escreveu Peter Gay, um objeto construído para receber toda forma de aversão, animosidade e retaliação. As piores fantasias, paranóias, delírios e mentiras eram projetados sobre eles, e a acusação de Dreyfus bebeu nesse caldo de ódio. Os contextos militar e político também jogam contra o condenado, e a imprensa o persegue terrivelmente. Poucos jornalistas, políticos ou escritores se levantam para defendê-lo. O mais famoso defensor é Emile Zola que escreveu Eu acuso. Posteriormente, é provada a total inocência de Dreyfus e que sua acusação foi fruto de uma enorme paranóia coletiva, que tomou judiciário, imprensa e população.
  2. Depois de preso na Argentina, para aonde fugira depois do fim da Segunda Grande Guerra e do regime nazista, Eichmann foi levado para ser julgado em Jerusalém. O que impressiona na corte é a mediocridade do acusado, que se escondia da realidade, se defendendo “por estar cumprindo ordens”. Hannah Arendt desenvolve a ideia de “banalidade do mal” a partir dessa relação entre a mediocridade do acusado e a enorme máquina de matar do Estado. Toda uma burocracia construída para eliminar milhões de pessoas. Como o mal pode vivenciar a banalidade? Por meio de pessoas medíocres como o homem ali sentado esperando o julgamento.
Embora bem diferentes, ambos julgamentos são frutos de um regime que criou um “outro conveniente“, para sobre ele jogar todas as mazelas, culpas e responsabilidades acerca dos males do mundo naquela época. No caso de Dreyfus, ele representava esse outro. No caso de Eichmann, julgado quase três décadas depois, o réu era dos principais algozes desse outro. Cada época cria um “outro conveniente” para culpar. A partir desses julgamentos, pensei em algumas questões:
  1. Qual o grande mal do nosso tempo na política brasileira?
Estamos vivendo um momento no Brasil extremamente delicado. As instituições não estão sólidas. Tudo parece ameaçado, a partir do golpe, que acertou no coração da nossa democracia. A corrupção corroeu nosso sistema: muitos não acreditam mais na política, mas sabem que precisam de um governo. Carecemos de uma democracia sólida. Precisamos de instituições que funcionem, e mais ainda: precisamos impedir que a corrupção persista a ser a forma habitual de se manter a estrutura política partidária de nosso país. Urgem eleições diretas, separadas de executivo e de legislativo, de reforma política, de eleições sem financiamento de pessoas jurídicas. Sim, deve haver eleições para executivo e legislativo, diretas, mas devem ser separadas, para que possamos discutir uma reforma política séria. Eu, pessoalmente, defendo que nenhum parlamentar possa se reeleger por mais de dois mandatos, consecutivos ou não, nenhum candidato possa ter parente até terceiro grau em mandato anterior ao que pleiteia, que pessoas jurídicas não possam jamais contribuir, nem com partidos, nem com candidatos, que se reduza o número de senadores e deputados, que haja cotas para deputados negros, com deficiência e que mulheres sejam metade do parlamento. Sou a favor do financiamento público, sem números astronômicos, acho que as campanhas devem ser simples, com foco em debates e ideias, sem marketing.  
  1. Qual o grande perigo que enfrentamos?
Além do totalitarismo, dos que gritam por um governo militar (a esses recomendo O Grande Salto para o Caos, de Maria da Conceição Tavares e Carlos de Assis, para entender como nossos problemas econômicos apenas pioraram enormemente durante o regime militar), é muito perigoso, que num tempo de nacionalismo fundamentalista apareça um herói extremista. A história confirma o fato com uma lista interminável de ditadores monstruosos. Precisamos aprender a separar nas delações o que é dito por ser realidade, e o que é dito por vingança, porque o denunciado teve interesses prejudicados. Por exemplo: Dilma demitiu Wagner Gonçalves Rossi, do cargo de ministro da Agricultura. Anteriormente ele fora deputado estadual e federal e chefiou funções diversas no governo do Estado de São Paulo antes de ir para a administração federal. Ele é pai do Deputado Baleia Rossi. Ricardo Saud, que trabalha na JBS, e é também empresário, participante das gravações e das delações que tremeram o Brasil nos últimos dias, era assessor de Wagner Rossi. Saud foi o primeiro assessor a se demitir quando Rossi saiu do Ministério, sob acusações. Que tipo de relação, portanto, teria ele com Dilma, depois desses fatos?
  1. Qual o maior perigo se não soubermos separar a realidade da vingança?
Obviamente, delações baseadas em gravações, ações controladas, áudios, contas com correspondência de nomes, ou seja, provas, são uma coisa. Mas, delações que se baseiam inteiramente informações prestadas por réus confessos, ilações, paranóia coletiva, artigos de imprensa baseados nessas mesmas delações, em que bombardeios midiáticos contínuos e delações formam um moto continuo, um ciclo sem fim apenas desestabilizam o Brasil, nos colocando num estado policialesco absurdo. São outra coisa. VINGANÇA. Não há nenhuma prova contra Lula. Apresentam processos e mais processos, agora querem nos fazer crer que um cartel de construtoras comprou um simples par de pedalinhos para lavar dinheiro. Lula não tem um sítio em Atibaia, nem um imóvel tríplex, nem duplex, nem quintuplex. Sua mulher continua ré num processo depois de falecida, seus netos pequenos continuam sem seus tablets, tomados a força, a imprensa sórdida afirma que ele tentou culpar sua esposa, e ele não o fez. Uma jornalista que não é do PT (e nunca votou no LULA) explicou isso muito bem: https://blogdamilly.com/2017/05/14/a-falsa-narrativa-de-que-lula-culpou-dona-marisa/. A questão é, faremos de Lula o outro conveniente? Ele será condenado, mesmo se inocente? Ou terá Sergio Moro a CORAGEM de inocentar LULA, para não banalizar a injustiça e a vingança?
  1. Quais os sinais de perigo?
Não gosto das coisas ditas pelo Reinaldo Azevedo. Algum tempo atrás ele comemorava o grampo de Dilma e seu vazamento. Ele semeou ódio. Mas, como jornalista, ele tem direito do sigilo de sua fonte. Não quero um Estado de Direito que funcione apenas para quem admiro. O que aconteceu com Reinaldo é um sinal de perigo. Não podemos ter direitos constitucionais quebrados. O blogueiro Eduardo Guimarães ser levado a depor como foi é outro sinal de perigo. Precisamos ter o direito de problematizar a Lava Jato, não em sua causa, mas em sua forma. Por exemplo, no depoimento do ex-presidente LULA, o juiz Sergio Moro falou que ele tratou o presidente da forma mais respeitosa possível. Ele tratou Lula como Sr. Ex-presidente, mas tratou o ex-presidente FHC, por Vossa Excelência. Obviamente, ele tratou FHC mais respeitosamente. Porquê?
  1. Algo pode ser feito?
Sim. Penso no depoimento de Lula: quando o ex-presidente questionou a respeito dos milhares de desempregados por conta da Lava Jato e seu efeito sobre a Petrobrás e seus contratos, o juiz se defendeu sob o manto de “estarmos combatendo a corrupção”. Mas, vamos pensar um pouco: obviamente não vou defender aqui a maluquice que alguns já fizeram de dizer que Moro odeia a Petrobrás porque sua esposa perdeu um concurso público para advogada da empresa (ela perdeu, mas me nego a acreditar que um juiz federal possa ser tão arbitrário). Haveria alguma forma de a Lava Jato, em sua FORMA ser MENOS danosa ao emprego de centenas de milhares de pessoas, e prejudicar, portanto milhares de pessoas? Lembro aqui de um livro fantástico: As conseqüências econômicas da paz de John Maynard Keynes. Na obra, Keynes demonstra como a enorme violação material dos termos a respeito das reparações de guerra, os ajustes territoriais, e o acordo econômico imposto a Alemanha seria a principal causa de uma guerra futura, próxima. Foi exatamente o que aconteceu. A destruição econômica da Alemanha permitiu o surgimento de Hitler e a Segunda Guerra. A Lava Jato não pode ser um remédio que mate o doente. Ela deve curar o Brasil da corrupção, sem matar a possibilidade do emprego. Obviamente, as empresas devem ser punidas. São a principal causa da corrupção, são as corruptoras. Mas, a Lava Jato, em seus acordos, pode incluir obrigações para a empresa, em especial quando o delator for seu sócio: programas de recapacitação pagos pela empresa para operários demitidos em função de sua atuação desonesta e conseqüente criminalização; adoção de cotas para afro descentes; programas de responsabilidade social e ambiental, organização de cursos on-line partilhando expertise. Enfim, há muita coisa que pode ser exigida para empresas que se utilizando de dinheiro público, inviabilizaram outros projetos, políticas públicas, ações governamentais, e finalmente criminalizadas, causaram milhões de desempregados! Vejam, que mesmo em depoimento, pressionado, Lula demonstra uma percepção muito mais ampla que Moro, uma preocupação com o coletivo, com o outro. Moro apenas se defende, porque sequer é capaz de se colocar no lugar do desempregado. A Lava Jato precisa pensar a si mesma, também. *Adriana Dias é Bacharel em Ciências Sociais em Antropologia, Mestre e Doutoranda em Antropologia Social – tudo pela UNICAMP. É também coordenadora do Comitê “Deficiência e Acessibilidade” da Associação Brasileira de Antropologia e coordenadora de pesquisa tanto no Instituto Baresi (que cria políticas públicas para pessoas com doenças raras) quanto na ONG ESSAS MULHERES (voltada à luta pelos direitos sexuais e reprodutivos e ao combate da violência que afeta mulheres com deficiência). É Membro da American Anthropological Association, e foi membro da Associação Brasileira de Cibercultura e da Latin American Jewish Studies Association